Doutora em Educação pela USP, afirma: Picuí-Pb faz educação de qualidade

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A doutora em Educação pela USP-SP, Denise Lino, professora do curso de
Letras da UFCG, fazendo PhD em educação pela FAE – UFMG, escreveu o oartido abaixo sobre a Educação em Picuí-PB.
Aprender com os pequenos

Admirar o outro, tido como grande, mais desenvolvido, mais bonito, branco, rico, vindo do estrangeiro, é um traço da nossa cultura. O sertão admira o litoral, o campo admira a cidade, o norte admira o sul, que admira o hemisfério norte, na sua porção rica, claro! – EUA e Europa. Por isso, de modo geral, apreciamos pouco a nossa cultura. Preferimos o cinema estrangeiro ao nosso, a literatura bestseller à nossa. Achamos,sobretudo, que a educação estrangeira é melhor do que a nossa, cujos índices só corroboram essa conclusão, tal como aquele de 8º lugar entre os países com maior número de analfabetos adultos,divulgado pela Unesco na semana passada.

Entretanto, bem ao estilo glocal – global e local juntos – tal como definiu o sociólogo brasileiro Otávio Ianni, é possível aprender não apenas com os “grandes”, no que eles têm de melhor, mas também aprender com os pequenos, com o que eles apresentam de bom, de bem feito que pode e deve ser copiado pelos grandes; por que, não?!

Gostaria aqui de contar aqui uma experiência dessas de aprender com os pequenos. Estive no início desta semana na cidade Picuí, que segundo a Wikipédia tem a seguinte definição: município brasileiro no estado da Paraíba, com numa área territorial de 731 km, localizado na microrregião do seridó oriental paraibano, caracterizado pelo baixo índice pluviométrico, elevadoíndice de aridez e o risco de seca; em 2010, contava com uma de 18.597 habitantes, que primam pelas festas tradicionais, como o São Pedro, a Festa de São Sebastião (padroeiro) e a festa da carne de sol.

Essa enciclopédia, que é a “a enciclopédia” para a maioria dos internautas, não registrou o que, na minha opinião, é a principal característica do referido município: educação de qualidade. Descobri isso porque fui convidadapara proferir uma das palestras na abertura da semana pedagógica da cidade. A priori, para mim, seria mais uma palestra, entre as tantas já proferidas nesse início de ano. Seria mais uma oportunidade de constatar o descaso com educação por parte de alguns (ou todos os) dos agentesresponsáveis por colocá-la em funcionamento: poder público, profissionais da educação, sindicatos, sociedade civil, etc.

Todavia, encontrei na cidade o contrário disso e tive uma grata e enorme surpresa: 98% das crianças em idade escolar estão na escola; professores concursados e os presentes ao evento motivados para participar da semana pedagógica (coisa que a maioria dos professores não gosta e vai à força); remuneração por 30 horas de trabalho dos professores, das quais 10 são para atividades extra sala, entre elas horas semanais para formação continuada – vale lembrar que quase 85% da receita desse município depende de repasses do governo federal; funcionamento de uma cozinha industrial que atende com merenda de qualidade todas as escolas municipais da zona urbana, servindo uma comida saborosíssima (pude comprovar isso!) e de atraente visual, daquela que faz a gente comer com os olhos. Além disso, me deparei com uma abertura solene, à qual compareceuo Prefeito e também o Vice-prefeito, o Presidente da Câmara de Vereadores, a Secretária de Educação, os presidentes dos conselhos municipais de educação e de alimentação nas escolas, representantes dos gestores, dos professores e dos pais. Ou seja, toda a sociedade civil organizada e envolvida com a educação foi prestigiar o primeiro dia de formação de professores na semana pedagógica de 2014! O mais encantador foi ouvir um coro de 200 professores cantar entusiasmado o Hino da Cidade, não como mera formalidade, mas como a expressão da história de um povo que luta, entre outros direitos, por educação de qualidade para todos e que exalta o lugar em que vive no qual transforma adversidade em instrumento de trabalho.

Surpreendi-me, em Picuí, também, com o tema da semana pedagógica: Compartilhando saberes para garantiro direito de aprender. Desde a Revolução Francesa (1789) lutamos pelo direito de ir à escola, o direito de aprender é uma luta mais recente, resultado da experiência quase sempre fracassada dos filhos do povo na escola, que lá estão, mas não aprendem, porque, em geral, não se lhes ensina. A cidade da carne de sol e do minério saiu na frente, ao juntar, os saberes escolares e não escolarespara garantir a aprendizagem. Afora isso, a ilustração do folder desse evento era a representação do “ecossistema” escolar: professores, alunos, colaboradores, material didático, novas mídias, gestores, financiamento, etc. juntos para fazer ensinar e ajudar a aprender.

Regressando da viagem fui procurar dados que comprovassem o que vi. Segundo os dados que encontrei , a nota do IDEB foi de 4.9 em 2011, quando a meta nacional para aquele ano era de 3.5. Essa nota, de dois anos atrás, é maior do que a projetada para o Brasil em 2019 que está projetada para ser de 4.7. Portanto, para além das críticas a esse índice, mas tomando-o como parâmetro já que é o adotado, não há como deixar de reconhecer que, no quesito educação,o município citado está fazendo a lição de casa.

Em minha opinião, há um fato histórico incontornável: Picuí está ensinando a Paraíba fazer educação pública de qualidade. Os seus cidadãos estão de parabéns, certamente há uma grande contribuição deles para esse estado de coisa. E que continue assim! São exemplos como esses, em meio a tantos contra exemplos, que me fazem dizer: vale a pena ser Professora e vale a pena trabalhar pela educação!

Por fim, fica a pergunta: se Picuí pode e faz educação de qualidade, por que outros municípios do mesmo porte e até maiores não fazem o mesmo?

Em tempo: lembro que não tenho, nunca tive,não pretendo e não quero ter qualquer vinculação partidária; nem nasci ou tenho qualquer outro laço com a cidade citada. Registro apenas o que vi e senti. Fala-se tão mal da educação no Brasil, por que não divulgar o que dá certo e é feito pelos “pequenos”?! afirma Denise.

Redação com Ascom SEC.

 

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