ABÍLIO CÉSAR DE OLIVEIRA, O NOSSO INTELECTUAL MAIOR

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Artigo do Colunista Alysson Pinheiro

ABÍLIO CÉSAR DE OLIVEIRA, O NOSSO INTELECTUAL MAIOR

 

Em 2013 ocorreu o cinqüentenário da publicação do livro “Picuí: um esboço histórico”, escrito por um autêntico homem de letras, Abílio César de Oliveira.

É um livrinho pequeno, mas com o inquestionável mérito de ter sido o primeiro estudo abrangente sobre a história de Picuí e de toda a região, riquíssimo em informações sobre a nossa terra num tempo em que quase toda a microrregião do Seridó Oriental paraibano formava um só município.  

É uma falta imperdoável “deixar passar em branca nuvem” o cinqüentenário de uma obra tão importante para os que nasceram neste chão, para os que sentem orgulho da sua origem comum.

O picuiense Abílio César de Oliveira nasceu no último ano do século XIX. Seu pai era professor primário em um tempo que tal condição significava ensinar as primeiras letras a todas as crianças do município. Um professor naquela época ensinava tudo e tinha que saber de (quase) tudo.

Os grandes mestres desses tempos idos eram poucos e, por causa disso, angariavam tanto prestígio que, não raro, tornavam-se líderes da comunidade e até políticos, como aconteceu com o parelhense Graciliano Fontino Lordão, o professor Lordão, que se tornou deputado muito influente, cujo nome ainda é lembrado.

Mas como hoje em dia, os salários pagos ao magistério não eram tão bons e não existia um quadro de carreira no setor público,  o que obrigava os melhores profissionais a mudanças constantes de domicílio visando melhorar de vida.

E isso explica o fato de Abílio César tenha residido em tantas cidades na sua juventude. Chegou em Currais Novos ainda na infância, para passar cinco anos, época decisiva em sua formação devido à excelente estrutura educacional que lá existia. Aos quinze mudou-se com a família para Cerro Corá, em seguida para Acari, até que chegou a Jardim do Seridó  homem feito, onde encontrou a sua companheira de toda a vida, dona Discíola.

Ele casou jovem demais e logo apareceram os filhos. E a responsabilidade precoce, de pai de família, foi determinante para que nunca realizasse a formação acadêmica condizente com sua grande capacidade intelectual.

E os imensos encargos de uma família levaram-no a realizar sua última e mais distante mudança, para São Paulo, capital, onde foi exercer um cargo público na prefeitura paulistana. Porém, essa experiência durou apenas três anos, pois uma melhor oportunidade surgiu na sua terra natal, que possibilitou colocar um fim na sua vida de andarilho.

E assim foi que seus dotes intelectuais foram aproveitados para servir os seus conterrâneos, porque em Picuí ele desempenhou funções que exigiam boa formação, como a de escriturário-contador da Câmara Municipal, do extinto Banco Rural e até exerceu a advocacia, mesmo sem diploma, uma função muito útil naquele tempo em que existiam pouquíssimos bacharéis em Direito.

Esta mudança trouxe a tranqüilidade e a rotina tão necessárias para àqueles que se dedicam às coisas do espírito. Foi a partir desse período que ele pôde dedicar-se mais assiduamente à poesia, aos ensaios e até aos romances, escritos estes quase todos inéditos, pois muito pouco foi publicado. Além da História de Picuí, são de sua autoria “Os sentimentos”, uma coletânea de ensaios filosófico-moralistas publicado em 1950, “Sofrer e vencer”, de poesia, o romance “Capricho do destino”, e “Orações Cívicas”, com conferencias, palestras e discursos que ele fez ao longo de sua vida.

E não satisfeito com a consecução de toda essa extensa obra, ele ainda teve tempo para compor, pois foi de sua autoria a belíssima letra do hino de Picuí, um tributo de amor que somente um poeta de verdade pode fazer a sua terra,  que começa assim:

Terra Natal, venho cantar tua beleza

Ninho de amor, de poesia e  de candura

Em que andou ornando a própria natureza

De jóias mil num paraíso de ventura

Brisas balançam teus coqueiros sussurrantes

Dando a impressão de linda praia encantada

Pela alvorada em gorjeios soluçantes

Canta canções toda mimosa passarada

Ele também dedicou-se à pesquisa cultural e folclórica, pois foi  um dos correspondentes que ajudaram ao mestre potiguar Câmara Cascudo a elaborar o célebre Dicionário do Folclore Brasileiro, ficando nesta obra imorredoura um tijolinho enviado pelo nosso sábio conterrâneo. Os dois sempre se encontravam quando Abílio César visitava Natal e o “mestre Cascudo” prefaciou-lhe uma das suas obras.

Também era um bom orador, sempre solicitado para discursar nos momentos mais importantes e solenes, não só em Picuí, mas também nas cidades vizinhas, como Cuité, onde os maçons locais muito apreciavam suas perorações. E isto foi tão corriqueiro na sua vida, que reuniu material suficientes para um livro !!

Por fim, abdicou de seus estudos e trabalhos para tentar estancar a grande mutilação de terras que os municípios da região sofreram com o avanço ilegal da fronteira potiguar, até hoje questionada. Assim, foi que passou muitos dias nos locais mais íngremes tentando estabelecer marcos confiáveis para os limites entre a Paraíba e o RN, um problema que ainda é  bem atual.

Católico praticante, que rezava diariamente a Ave Maria em família, nunca desprezou o sobrenatural e as forças ocultas que regem o universo.

Não é tarefa fácil encontrar uma explicação razoável para a existência de um fenômeno como foi a inteligência enciclopédica de Abílio César, numa cidade tão diminuta e conservadora como era a Picuí da primeira metade do século XX.

Certamente a convivência com um pai professor e, provavelmente, leitor, fez aflorar um talento inato.

Incrível foi que ele formou uma biblioteca, provavelmente a primeira da região, num tempo em que os leitores eram raríssimos e os livros eram artigos de luxo.

A minha avó materna era uma assídua leitora e ele sempre foi generoso para com ela, emprestando-lhe seus amados livros. E é uma pena que o seu acervo não foi conservado, dispersando-se a partir do seu falecimento, pois deveriam ser conservados e declarados patrimônio inalienável do povo picuiense.

Um dos seus grandes amigos e parceiro de conversa foi o padre Apolônio Gaudêncio que foi, até hoje, o sacerdote de maior prestígio em nossa terra, pela sua personalidade marcante, fé imensa, cultura vasta e porque passou muitos anos à frente da fé católica em Picuí, até falecer vítima  de um infarto nos anos cinquenta. Abílio César sentiu demais a morte dele, pois os dois tinham grande afinidade espiritual e intelectual.

O seu fim não chegou de forma repentina, como seria preferível, mas por meio de uma trombose que o deixou prostrado durante mais de quatro longos anos. Seus movimentos foram afetados e sua visão também, afastando-o em definitivo dos livros e da vida social, até que ocorreu o seu último suspiro em 1977.

Nunca é tardio o gesto que reabilite a memória dos grandes homens  que ajudaram a transformar a sua terra num lugar melhor para se viver. E Abílio César foi um desses humanos ilustres, tão poucos, que merecem ser lembrados nos livros de História e no pensamento da coletividade.

Agora que já se passaram quase quatro décadas de sua ausência, presto esta singela homenagem a um dos grandes homens que nasceram nesta boa terra.

Álisson Pinheiro é Natural de Picuí-PB, residiu também em Cubatí e Baraúna, tornando-o um autêntico filho do Seridó e do Curimataú Paraibano. É formado em Direito pela UFPB, com Pós-Graduação em Direito do Trabalho. Trabalha e vive em Maceió, Alagoas.

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