O trem de Picuí que virou fumaça

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Durante muito tempo o transporte de cargas e de pessoas era feito no lombo de burros, cavalos e em carros de bois. Uma época muito difícil, porque o desconforto e a demora eram extremos, havia o perigo dos ladrões e dos animais selvagens como as onças, além do clima sempre mutante. Pelo trem todos passaram a viajar com rapidez, sentados e abrigados do clima e das feras.

Pensem nisso e tentem mensurar o grande acontecimento que era a chegada da estrada de ferro numa cidade, como aconteceu em Campina Grande no ano de 1907. Nesse momento a Rainha da Borborema tinha por volta de sete mil casas e seis mil pessoas, subindo este número para 1216 edificações e treze mil habitantes em 1913, simplesmente dobrando de tamanho em apenas seis anos ! Para que o leitor tenha ideia da dimensão desta transformação, Itabaiana, Bananeiras e Areia eram mais desenvolvidas do que Campina nesse período.

Tanto progresso deveu-se ao fato de Campina ter se tornado a parada final da linha do trem que vinha do Recife, dispensando a longa viagem que era feita à capital pernambucana pelos tropeiros. Agora só era preciso vir até à Rainha da Borborema para entregar e pegar mercadorias que chegavam pela estrada de ferro. Isto provocou o surgimento quase imediato de novos comércios, hotéis, indústrias e serviços diversos, trazendo um crescimento contínuo, dando impulso para que Campina se tornasse a cidade mais desenvolvida do interior nordestino. E quando o trem perdeu o seu lugar para as rodovias, vieram as universidades, o polo científico e hospitalar, ganhando a economia da cidade uma dinâmica evolutiva que continua no presente.

Se o trem tivesse chegado à Picuí, esse fenômeno teria se repetido, porque seríamos ponto final da via férrea, como aconteceu em Campina Grande. Assim, vendo o exemplo campinense é possível imaginar o quanto Picuí cresceria se este sonho tivesse se tornado realidade. E chegamos muito próximos de ter um trem para chamar de nosso !

Tudo começou com uma assinatura do governo estadual em 1910 autorizando o prolongamento da estrada de ferro de Guarabira à Picuí. Acontecimento semelhante em Campina Grande provocou muita festa por lá, e não deve ter sido diferente com os nossos avós, pois ficava no imaginário das pessoas a chegada do trem como a realização de um sonho. E o júbilo deve ter se apossado de todos quando, dois anos depois (1912), o próprio Presidente da República assinou um Decreto aprovando as verbas para a obra.

Os trabalhos tiveram início, mas o assentamento dos trilhos era feito lentamente, a ponto de o trecho entre Guarabira e Bananeiras só ter sido inaugurado em 1925! Após atingir esse marco, o governador Sólon de Lucena deu a boa notícia de que o prolongamento até Picuí estava assegurado. Contudo, parece que toda a energia se esvaiu a partir da perfuração do túnel que permitiu vencer a grande barreira montanhosa nas proximidades do Colégio Agrícola, em Bananeiras, já que depois de ultrapassado este ponto os serviços foram paralisados por falta de verbas e de vontade política.

O tema foi debatido no âmbito político pela última vez em 1935, através de uma fala parlamentar que cobrava o prolongamento da linha férrea até nossa terra, sob o argumento de que a sua construção evitaria o escoamento dos nossos produtos agrícolas para o Rio Grande do Norte. Entretanto, tinha se passado o tempo das estradas de ferro em nosso país com o início do predomínio das rodovias, ficando as ferrovias paraibanas sem manutenção, sendo quase toda desativada há muitos anos.

Quando estudava na Escola Agrícola Vidal de Negreiros conheci o sólido túnel construído que levaria os trilhos até Picuí. Ele é grande, maciço e bem construído. Mas só hoje me dou conta do desejo não concretizado dos nossos antepassados pela chegada da estrada de ferro, das expectativas despertadas e da tristeza que deve ter se seguido ao sonho irrealizado.

Um homem sábio escreveu que os sonhos devem se tornar realidade, pois sem essa possibilidade a natureza não nos incentivaria a tê-los. Nossos avós devem ter sonhado com muita esperança, motivados pelos fatos que lhes foram apresentados, e nunca materializados. Deve ter sido maior o tamanho da decepção, quanto era imensa a esperança. Assim é a vida.

Alisson Pinheiro