Aos novos prefeitos, a conta
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RIO – Numa transição durante a pior recessão da História do país, os prefeitos de quase metade das capitais brasileiras assumem hoje municípios em que a dívida cresceu mais que a receita entre 2015 e 2016. O que aguarda esses gestores neste novo ano, não só nas capitais mas também nas cidades de menor porte, é um cenário de dificuldades para pagar servidores e fornecedores, e para realizar novos investimentos, como obras de infraestrutura urbana.
Em nove capitais, levantamento do GLOBO em dados do Tesouro Nacional mostra que, nesse período, piorou a relação entre a dívida e a receita: na maior parte dos casos, a receita até cresceu, mas a dívida aumentou mais. Os efeitos da crise também aparecem na parcela da receita municipal que os novos prefeitos terão de destinar para pagar pessoal. Entre 2014 e 2016, mais do que dobrou o percentual de municípios com mais de 200 mil habitantes que, nesse quesito, desrespeitaram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), comprometendo mais de 60% da receita com pagamento de pessoal, segundo estudo do economista Raul Velloso.
O economista José Roberto Afonso, da Fundação Getulio Vargas, recomenda que os novos prefeitos invistam na profissionalização da gestão e não esperem repasses de estados e União. Como agravante para os pequenos municípios, ele cita o atual quadro de inflação baixa:
— A inflação alta é recurso importante para pequenas prefeituras, sobretudo do interior. Como se financiam? Elas atrasam pagamento de fornecedores, não reajustam contratos, não dão reajuste de salário e deixam a inflação corroer. Só que agora estamos em situação atípica, a inflação está muito baixa, e a recessão derruba a arrecadação.
Para tentar aumentar receita, Afonso diz que as prefeituras deveriam ser mais eficientes na cobrança do IPTU, da taxa de coleta de lixo e da contribuição de iluminação pública:
— No Brasil, hoje, a arrecadação de IPVA é 40% maior do que do IPTU. É absurdo. Obviamente, os carros não valem mais do que os imóveis.
De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), pelo menos 500 prefeituras, aproximadamente, informaram no fim de novembro que estão com atraso no pagamento de salários dos servidores. Já o pagamento de fornecedores por parte dos municípios, diz a CNM, está com atraso, em média, de oito meses.
— No pacto federativo, o que tem de ser revisto, mais do que apenas a redistribuição de receita de impostos entre os três níveis de governo, é a redistribuição de atribuições. Ainda não está caindo a ficha de que não teremos dinheiro novo por 20 anos (com a aprovação da PEC dos gastos), mas as prefeituras terão de continuar a oferecer creche, piso do magistério, unidade de Saúde. A União é o 3º andar do prédio que não vê aqui embaixo. Cria serviços para os municípios por parte de programas federais que as prefeituras executam, mas há bilhões de reais que a União deve aos municípios e que coloca como restos a pagar — diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. — Os prefeitos podem aumentar impostos, mas o imposto municipal é muito mais direto para a população, então a pressão é maior. O estado aumenta ICMS e ninguém fala, está embutido nos produtos; mas tenta o prefeito subir o IPTU para ver.
Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional, piorou a relação entre dívida e receita em Cuiabá, Porto Alegre, Manaus, Florianópolis, Recife, Aracaju, Natal, Porto Velho e Belém (na comparação entre o segundo quadrimestre de 2015 e o mesmo período de 2016). Belém foi a única onde a receita caiu e a dívida cresceu. Nas outras, a receita até subiu, mas a dívida aumentou mais.
Esses dados levam em conta a chamada dívida consolidada líquida (toda a dívida municipal, excluindo-se os restos a pagar e o dinheiro disponível em caixa) e a receita corrente líquida (que inclui receita tributária e de transferências correntes recebidas pelas prefeituras, excluindo, por exemplo, contribuições previdenciárias), e não consideram reajuste pela inflação.
Em estudo realizado com base também em dados do Tesouro Nacional, o economista e consultor de contas públicas Raul Velloso aponta que, entre 2014 e 2016, o percentual de municípios com mais de 200 mil habitantes que passaram a gastar com pessoal mais do que o permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (que estabelece limite de 60% da receita corrente líquida) foi de 6,4% desse conjunto de cidades para 20,3%.
Velloso também destaca que, nesse conjunto de municípios, de 2014 a 2016, houve queda real (acima da inflação) da receita, tanto da arrecadação de impostos quanto daquelas vindas de transferências correntes. No entanto, Velloso pondera que, diante dos serviços que os municípios precisam continuar a oferecer à população, e na recessão pela qual o país passa, um caminho seria a flexibilização das punições aos prefeitos previstas pela LRF.
Globo