Delator revela como Renan e seu grupo receberam R$ 5,5 milhões do petrolão
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Na badalada Rua Farme de Amoedo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, funcionou até 2007 o restaurante Chez Pierre, no anexo do Hotel Ipanema Plaza. Ali, diante de um cardápio que reunia 102 pratos,Felipe Parente, o homem da mala dos senadores do PMDB, encontrou-se mais de uma vez com Iara Jonas, assessora do Senado, uma senhora de aspecto distinto, sempre elegante. Não afeita a rodeios, sucinta, Iara apenas pegava envelopes, outras vezes sacolas, com o dinheiro que lhe repassava o empresário cearense, parceiro do ex-presidente da Transpetro Sergio Machado. ÉPOCA teve acesso a depoimentos sigilosos de Parente, prestados a procuradores do Grupo de Trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República. Parente era um dos responsáveis no PMDB por buscar propina, em dinheiro vivo, junto a empresários que detinham contratos na Transpetro. Como Sérgio Machado estava no cargo graças ao poder político do PMDB do Senado, e especialmente em função da força de Renan Calheiros, a propina era repassada aos senadores do partido – em especial, ao atual presidente do Senado. A confissão do homem da mala do PMDB fornece a prova mais robusta até agora, no petrolão, contra Renan.
O relato de Parente é minucioso. Nos depoimentos [leia trechos abaixo], o empresário fornece o roteiro, como protagonista, das captações de propina junto a empreiteiras do petrolão, em endereços precisos, as circunstâncias e locais dos cerca de 15 encontros que teve com Iara, identificada por ele como a interlocutora exclusiva das propinas endereçadas a Renan e ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA). O depoimento de Parente é peça-chave na estrutura narrativa que a PGR monta para caracterizar o envolvimento de Renan com o petrolão. Com a prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, percebeu-se a força da metodologia da PGR. Na fundamentação de sua decisão, o juiz Sergio Moro elencou uma dúzia de casos e resultados de investigações que foram conduzidas pela equipe que despacha com o procurador Rodrigo Janot. Leia mais sobre as revelações inéditas do correio da propina do PMDB na edição impressa de ÉPOCA que irá às bancas a partir de sábado (22).
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No cerco ao presidente do Senado, os relatos de Parente trazem informações que corroboram e dão materialidade às afirmações de Sérgio Machado sobre o loteamento da Transpetro entre os senadores do PMDB, em troca do abastecimento de suas contas por meio de propina paga por prestadores de serviço da empresa estatal. Mais do que isso, os trechos obtidos por ÉPOCA preenchem as lacunas deixadas pelo ex-presidente da estatal e seus três filhos, Daniel, Expedito e Sérgio, nos acordos de colaboração premiada firmados com a PGR. Os repasses relatados pelo delator até este momento têm como origem as empreiteiras Queiroz Galvão e UTC e a empresa de afretamento de navios Teekay Norway, que chegou a dispor de sete embarcações de transporte de petróleo em alto-mar exclusivamente contratadas pela Transpetro.
Ao todo, segundo os trechos verificados por ÉPOCA, as três empresas repassaram R$ 5,5 milhões ao presidente do Senado e ao senadorJader Barbalho (PMDB-PA) entre 2004 e 2006 – R$ 11 milhões em valores atualizados. Parente, que até 2004 era uma espécie de “faz-tudo” da empresa de materiais didáticos de Daniel Machado, filho de Sérgio, passou a manusear cifras milionárias e a interagir com altos executivos das maiores empreiteiras do país. Recebia 5% do valor que transportava entre empresas e intermediários de políticos. No caso da Queiroz Galvão, que, segundo Parente, desembolsou R$ 3,5 milhões em espécie com o objetivo de abastecer os cofres de Renan Calheiros e Jader Barbalho, as tratativas se davam diretamente com o então presidente da empresa, Ildefonso Colares, hoje em prisão domiciliar depois de ser diagnosticado com câncer. Para ser recebido na presidência da companhia, uma senha lhe era pedida: a palavra “lua”. “Que os repasses da Queiroz iniciaram em 2004 e perduraram até 2006; que Sérgio Machado chamou o depoente até a sede da Transpetro e pediu que o depoente fosse até a sede da Queiroz para receber valores que seriam destinados aos senadores Renan Calheiros e Jader Barbalho; Que o depoente foi até a sede da Queiroz, foi recebido pelo Sr. Ildefonso, que lhe orientou a ir até a Rua da Quitanda, nºs 50 a 80, numa determinada sala e dissesse a senha Lua”, relata o delator.
Com os calhamaços de dinheiro em mãos, Parente partia para a execução da entrega, no Rio de Janeiro e em São Paulo – nunca em Brasília. O recebimento era feito por Iara Jonas, uma senhora de 64 anos funcionária do gabinete de Jader Barbalho no Senado. Nas palavras do delator, Iara fazia as vezes de receptora não só para o patrão, mas também para Renan Calheiros. Moradora da capital federal, a assessora fez dez viagens ao Rio de Janeiro para receber entregas de R$ 350 mil, em sacolas, em nome de Jader e Renan. Os encontros aconteciam no flat em que o delator se hospedava no bairro do Leblon, ou no hotel Ipanema Plaza, ambos na Zona Sul do Rio. “Que o depoente levou a sacola com dinheiro para o flat; que depois Iara entrou em contato com o depoente; que foram mais ou menos dez repasses da Queiroz para os senadores Jader e Renan; que, em todas as dez vezes, foi Iara que recebeu os recursos destinados tanto ao senador Jader, quanto ao senador Renan”, informa o documento assinado por Parente.
A atuação da assessora de Jader em nome de Renan foi verificada pelo delator em todos os repasses feitos por ele com destino ao caixa do peemedebista. No caso dos pagamentos da UTC, a mesma dinâmica se repetia: Ricardo Pessôa, então presidente da empresa, comandava a contabilidade do propinoduto. Entre o segundo semestre de 2005 e o início de 2006, Parente recebeu ligações do próprio Pessôa com o objetivo de agendar reuniões para a liberação do dinheiro. O valor fixado, dividido em quatro parcelas, era de R$ 1 milhão. Sob a orientação de Sérgio Machado, Parente executou a entrega. As duas primeiras parcelas iriam para Renan e Jader, enquanto os R$ 500 mil restantes teriam como destinatário Daniel Machado, filho de Sérgio. Em delação premiada homologada em maio, Daniel relatou aos procuradores que, em 2007, recebeu uma transferência de R$ 500 mil da empresa Destak, da qual Felipe Parente era sócio. Além desse valor, o filho de Sérgio Machado também contou ter recebido R$ 1,5 milhão em espécie, pagos por Felipe, a pedido de seu pai, para ajudar nas finanças de sua empresa de materiais didáticos. A fatia dos senadores vinda da UTC também foi recebida por Iara, que viajou para São Paulo para recolher o dinheiro. Ao relatar a propina da UTC aos procuradores, Parente foi preciso: “QUE todas as vezes que o depoente intermediou recursos destinados ao senador Renan Calheiros foi Iara quem se apresentou para receber tais valores; que nunca foi procurado por outra pessoa ligada ao senador Renan Calheiros”.
O primeiro contato entre Felipe Parente e Iara ocorreu no segundo semestre de 2004, quando o delator repassou a primeira de quatro parcelas que totalizavam R$ 1 milhão em propina pagos pela Teekay Norway em nome de Renan e Jader. No primeiro pagamento, feito em seu flat no Rio de Janeiro, Iara se identificou como receptora dos “envelopes” de Jader. No repasse seguinte, cujo destinatário era Renan Calheiros, Parente deparou novamente com Iara, que voltou ao Rio para receber a segunda fatia de R$ 250 mil, dizendo ser a representante do presidente do Senado. “Que, depois do depoente receber a segunda parcela do Sr. Tobias, uma mulher ligou para o depoente e disse que estava ligando para receber os recursos do senador Renan; que quando esta pessoa foi até o flat do depoente, este identificou que se tratava da mesma Iara que fora receber os recursos destinados ao senador Jader; que Iara também desta vez subiu até o quarto do depoente num flat, salvo engano, no Leblon; que o depoente questionou Iara, mas ela disse que era isso mesmo, que se tratava do mesmo assunto; que o depoente informou então a Sérgio Machado dobre o ocorrido e ele disse que era isso mesmo”, relatou Parente.
Em seu primeiro encontro com Parente, Iara mostrou-se apreensiva com a quantidade de dinheiro que teria de carregar em voo, em nome de Jader, e pediu que as próximas parcelas fossem pagas em São Paulo. O pedido não foi atendido, já que a assessora voltou ao Rio para receber a segunda parcela em nome de Renan e também fez inúmeras viagens à capital fluminense para receber os valores da Queiroz Galvão. São Paulo foi o local de recebimento apenas dos “envelopes” da UTC, já que ali ficava a sede da empresa. Informações do sistema de transparência do Senado consultadas por ÉPOCAmostram um padrão curioso entre Iara e seu chefe, Jader Barbalho. As constantes viagens da assessora à capital paulista sempre precedem as idas do senador. A última delas ocorreu em maio deste ano, quando Iara viajou de Brasília para São Paulo no dia 3, aguardando a chegada de Jader no dia 4. Ambos voltaram juntos para Brasília em voo comercial da TAM, em 6 de maio.
Sérgio Machado foi massacrado publicamente por Renan Calheiros quando sua delação foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na sequência de uma série de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro e divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo, que expunham os maiores caciques do PMDB e causaram a queda do então ministro Romero Jucá. O presidente do Senado classificou as gravações de “fantasiosas” e que o conteúdo “não prova nada”. No texto entregue aos procuradores, Machado disse que, ao entrar na Transpetro apadrinhado por Renan, rapidamente passou a receber pedidos vindos do peemedebista. “Que uma vez no início da minha gestão em 2004, 2005 ele me falou das dificuldades em manter sua estrutura política e perguntou como eu podia ajudar; que então definimos que eu faria repasses de valores ilícitos que iria buscar através dos fornecedores parceiros da Transpetro; que estava muito no início da Transpetro, ainda tomando pé da empresa que naquele momento tinha uma capacidade de investimento muito reduzida”, afirmou Machado aos procuradores.
A entrada do hoje delator, Felipe Parente, no esquema de corrupção coincide com o aumento dos repasses aos peemedebistas, que diziam precisar de recursos para drenar suas bases eleitorais nos anos de 2004 e 2006, nas eleições municipais e presidenciais. “Que nas eleições de 2004 e 2006, com a pressão que estava recebendo, eu precisei recorrer à pessoa de confiança que pudesse operacionalizar recebimentos e pagamentos a políticos; que eu então procurei o executivo chamado Felipe Parente, que trabalhava com meu filho Daniel, e havia sido tesoureiro na minha campanha ao cargo de governador, em 2002; que a minha atuação era tratar diretamente com os donos da empresa (cujos nomes constam em anexos específicos de cada uma das empresas) que realizavam os pagamentos dos recursos a serem repassados”, disse Machado, ao relatar aos procuradores o histórico de sua relação com Renan Calheiros. “Que uma vez por mês tratávamos de recebimentos de Renan Calheiros mensais ou bimensais, que eram variáveis”, afirmou o ex-presidente da Transpetro. Sem conseguir detalhar com precisão a operacionalidade do pagamento de propina, a delação de Sérgio Machado foi vista com descrédito por seus ex-aliados do PMDB. Mas seu filho Daniel, no acordo firmado com procuradores, foi taxativo: “Felipe poderá detalhar os fatos narrados por meu pai”. Agora, revela ÉPOCA, sabe-se que Felipe cumpriu o vaticínio dos Machado. Pior para Renan Calheiros.
O senador Jader Barbalho negou que conheça Felipe Parente e que tenha recebido repasses provenientes de tais empresas por intermédio dele. Renan Calheiros disse que “jamais, em nenhuma circunstância, recebeu vantagens de quem quer que seja”. Renan disse ainda não conhecer Felipe Parente e não ter nenhuma relação com Iara Jonas, apesar de saber de quem se trata. A Construtora Queiroz Galvão divulgou nota por ocasião da delação de Machado, em que diz que não comenta investigações em andamento, e acrescentou que “as doações eleitorais obedecem à legislação”. Representantes da Teekay não foram localizados pela reportagem. Iara Jonas foi procurada, mas não retornou o pedido de entrevista até a publicação da reportagem. Felipe Parente, como colaborador em tratativas com a PGR, não pode se manifestar.
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