Juízes e promotores protestam contra mudanças em pacote anticorrupção
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Juízes e promotores protestaram em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) no início da tarde desta quinta-feira (1º) contra a aprovação das emendas que alteram as medidas de combate corrupção. O pacote com as alterações foi aprovado pela Câmara dos Deputadosna madrugada desta quarta (30). Entre as mudanças, está a retirada da tipificação do crime de enriquecimento ilícito e a inclusão do crime de responsabilidade a magistrados e membros do Ministério Público que cometerem algum tipo de abuso de autoridade. Protestos também foram realizados em Curitiba, João Pessoa, Porto Alegre, Recife e São Paulo.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fez um pronunciamento na escadaria dos fundos do prédio do STF, onde estavam concentrados membros do judiciário. “O Congresso está tentando impor uma mordaça no Ministério Público e nos juízes do país”, afirmou. “Foi aprovada na calada da noite a construção de um instrumento acessório da impunidade.”
“Abuso de autoridade existe nesse país há muito tempo contra pobres. Aqueles que padecem nos presídios e não têm dinheiro para pagar grandes advogados sempre precisaram de projetos contra abusos de poder, e o Congresso nunca lhes deu”, completou o senador. Segundo ele, será apresentado um substitutivo ao projeto contra abuso de poder. “Debater isso no momento em que se processa o maior combate à corrupção é tentar estancar a sangria.”
A presidente da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, Norma Cavalcanti, entregou uma carta à presidente do STF, ministra Carmen Lúcia. O texto declara apoio às instituições Federais e pede ao STF que defenda a autonomia e a independência do MP e juízes.
“Viemos dizer à ministra que combatemos a corrupção e a impunidade. A independência do Ministério Público e do Judiciário é uma garantia constitucional da cidadania e deve ser considerada patrimônio da nação, porque pertence ao povo”, disse. Ao receber a carta, Carmen Lúcia disse que leria “com todo o cuidado” e que o Supremo está “lutando para que a Constituição seja garantida”.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Ângelo Fabiano Farias da Costa, criticou a tentativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, de apressar a votação das medidas pelo plenário da casa na tarde desta quarta. “É um verdadeiro tapa na cara da sociedade brasileira. Tornaram as dez medidas contra a corrupção um projeto pró-corrupção”, disse.
Após o pronunciamento de senadores e procuradores, os magistrados cantaram o hino nacional à capela. Os magistrados deixaram a parte de trás do STF de mãos dadas, fazendo uma corrente em volta do prédio, e voltaram para a fachada. Enquanto isso, indígenas dançavam em círculos em frente ao prédio. Eles amarraram uma faixa, virada para o tribunal, com os dizeres “queremos viver em paz. Nada de destruição na Amazônia”.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, disse que a sessão da Câmara que aprovou as emendas ao projeto anticorrupção foi uma das sessões “mais agressivas e mais superficiais” em 30 anos. “Se os deputados queriam passar um recado ao povo, é oposto ao que o povo queria ouvir.”
De acordo com a vice-presidente eleita da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Renata Gil, o texto precisa ser revisto. “Abuso de autoridade não é novidade, as pessoas são punidas, mas tem sido incluídas normas neste texto que não são republicanas.”
Questionada sobre o que a atuação da AMB caso o projeto seja aprovado pelo Senado sem ressalvas, Renata afirmou que “confia no Senado Federal”, mas tomará as medidas jurídicas cabíveis para reverter a decisão. Sobre a atuação de Renan Calheiros, que tentou apressar a votação do pacote nesta quarta (30), a magistrada disse ter sido surpreendida.
“Estamos desde o início da semana tentando mostrar que existem temas extremamente caros à sociedade. Ficamos muito tristes, também, porque nos mostramos abertos ao diálogo e não fomos correspondidos”, disse. “Os textos foram apresentados de última hora sem que a classe tivesse o conhecimento do conteúdo, e as votações foram expressas. O texto aprovado chegou no final da tarde de ontem no Senado, e o presidente tentou a aprovação imediata em meio a um cenário de punição de agentes corruptos e corruptores. Nós, magistrados, denotamos uma grave intenção de intimidação.”
O ato ocorreu horas depois de o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, questionar em audiência no Senado o projeto do abuso de autoridade. Ele havia dito que “talvez” não seja o “melhor momento” para aprovação do texto, tendo em vista as diversas operações policiais em curso. O ministro do STF Gilmar Mendes subiu à tribuna em seguida e ironizou a fala, perguntando se seria preciso aguardar um “ano sabático das operações” para aprovar o projeto.
Outros estados
Em Curitiba, onde são julgados os processos da Lava Jato em primeira instância, juízes também protestaram contra as mudanças no projeto anticorrupção. A manifestação reuniu mais de 50 pessoas e ocorreu em frente ao prédio da Justiça Federal.
O juiz federal Nicolau Konkel Junior classificou o projeto como “pró-corrupção”. O procurador do Ministério Público Federal (MPF) e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, também participou do ato, mas não se pronunciou.
Em São Paulo, promotores e juízes protestaram em frente à entrada do Fórum da Barra Funda, na Zona Oeste, contra as novas regras para o abuso de autoridade – uma das emendas da lei anti-corrupção. A mudança foi sugerida pela bancada do PDT e lista situações em que juízes e promotores poderão ser processados.
Em Recife, promotores de Justiça e servidores do Ministério Público protestaram em frente à sede da Procuradoria Geral de Justiça, no bairro de Santo Antônio. A mobilização teve início por volta das 14h30 e durou cerca de 20 minutos. O procurador-geral de Justiça do estado, Carlos Guerra, leu uma nota de repúdio. Segundo a assessoria do MPPE, o ato contou com a participação de 150 pessoas. Já a Polícia Militar de Pernambuco informou que não divulga estimativa de participantes de protestos.
No Rio Grande do Sul, juízes e servidores do MP se reuniram em frente ao Tribunal de Justiça. O ato foi batizado como “Um Minuto de Silêncio pela Democracia”. A Associação de Juízes Federais do estado também emitiu nota de repúdio ao projeto, no que diz respeito à criminalização da atuação de magistrados e integrantes do MP.
Em João Pessoa, magistrados e promotores fizeram um protesto em frente ao Fórum Cível. De acordo com a Associação Paraibana do Ministério Público (APMP), a manifestação também aconteceu nos municípios de Patos, Sousa, Guarabira e Campina Grande.
“Nós queremos chamar a população para esta luta e mostrar que o Ministério Público e o Judiciário não estão preocupados consigo mesmo, mas com a sociedade, para vedarmos juntos este retrocesso do estado Brasileiro e da nossa democracia”, disse o promotor de Justiça e diretor jurídico da associação, Leonardo Quintans.
Votação na Câmara
Depois de mais de sete horas de sessão, os deputados desfiguraram o pacote que reúne um conjunto de medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal e avalizadas por mais de 2 milhões de assinaturas de cidadãos encaminhadas ao Congresso Nacional.
O texto foi aprovado pela Câmara na madrugada desta quarta-feira (30). Com a aprovação, o projeto segue agora para análise do Senado.
Ao longo da madrugada, os deputados aprovaram diversas modificações no texto que saiu da comissão especial. Diversas propostas foram rejeitadas e outros temas polêmicos foram incluídos. Das dez medidas originais, somente quatro passaram, ainda assim parcialmente.
O texto original do pacote anticorrupção tinha dez medidas e foi apresentado pelo Ministério Público Federal . Na comissão especial da Câmara que analisou o tema, uma parte das sugestões dos procuradores da República foi desmembrada e outras, incorporadas ao parecer do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS). As discussões foram acompanhadas pelo Ministério Público, que deu o seu aval ao texto construído.
Segundo o relator, do texto original, só permaneceram as medidas de transparência a serem adotadas por tribunais, a criminalização do caixa 2, o agravamento de penas para corrupção e a limitação do uso de recursos com o fim de atrasar processos.
Com G1