“Eu já não sinto mais vergonha. Quando me olho no espelho, não vejo aquele volume a mais que tanto me incomodava. A diferença é muito grande. A aparência fica igual à de uma criança”. Antes de ter a sua primeira relação sexual, G., uma garota de 21 anos que pediu para ter a sua identidade preservada, conta que se submeteu a uma cirurgia plástica para diminuir o tamanho dos pequenos lábios vaginais. A labioplastia, como é chamada essa intervenção, coloca o Brasil como campeão mundial nesse tipo de procedimento. Em 2014, 15.812 mulheres passaram pelo procedimento. Os dados são da pesquisa intitulada ‘Global Statistics on Cosmetic Procedures’, realizada pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps).
Outra técnica possível – mas essa mais polêmica e não realizada por todo cirurgião, já que envolve o órgão feminino responsável pelo orgasmo -, é a clitoroplastia. Também de caráter estético, a intervenção tem o objetivo de reduzir o volume do clitóris e aumentar a sua área de exposição. “Eu não opero clitóris. Algumas mulheres se queixam do volume do capuz de pele que envolve o órgão. Considero preciosismo por ser uma área muito nobre”, afirma Mundin.
A cirurgia estética da genitália é mais difundida na Europa. Em 2013, ginecologistas da Inglaterra expressaram preocupação com o aumento no número de cirurgias íntimas que, em uma década, aumentou cinco vezes. Na época, os especialistas atribuíram o fenômeno à popularização da pornografia em razão da internet. No Brasil, a cirurgia plástica do órgão genital feminino é realizada há sete anos e o tema é ainda considerado um tabu e pouco falado. No entanto, nos últimos quatro anos, a cirurgia de redução dos pequenos lábios cresceu 75% no país.
A cirurgia da intimidade só pode ser realizada em mulheres acima de 18 anos e os procedimentos não são complicados. “As intervenções duram, em média, 60 minutos, a alta hospitalar ocorre no mesmo dia e a recuperação plena ocorre em algumas semanas”, explica a médica. A especialista ressalta que é recomendável repouso de três dias e não ter relações sexuais durante um mês.
Cíntia Mundin explica que no caso da hipertrofia dos pequenos lábios, a mulher pode sentir algum tipo de desconforto ao usar uma calça mais justa ou o volume ficar aparente no biquíni depois de um mergulho. “A função dos grandes lábios seria a de guardar dentro dele toda a região genital feminina. Os pequenos lábios não têm pele, é só mucosa. Assim, a mulher pode relatar a ocorrência de pequenas lacerações (cortes pequenos) e, para protegê-los de tecidos de roupa mais duros (jeans, por exemplo) ser necessário usar um absorvente”, salienta.
Para a cirurgiã plástica, o desconforto estético como fundamento para a decisão por uma cirurgia íntima se sustenta, em parte, pela cultura do biquíni pequeno utilizado pelas brasileiras e uma maior insinuação da genitália feminina com a peça.
A psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello afirma que, historicamente, as pessoas sempre se referendarem em padrões estéticos impostos pela cultura, mas que, atualmente, o que se percebe é uma submissão a padrões estéticos “além dos limites”. “Os egípcios se pintavam; os índios até hoje submetem o corpo a processos que para alguns são considerados deformantes, mas para eles, atraentes. A busca pela fonte da juventude tornou-se um mito universal”, explica. Para ela, as pessoas “do nosso tempo têm a fantasia de serem capazes não apenas de manipular a realidade e transformá-la, mas de criar novas realidades”.
Para ela, a busca por uma vagina ‘perfeita’ não é diferente da busca pela eterna juventude, por um rosto ou um corpo perfeito. “O que vai justificar essa insatisfação ‘sem limites’ são valores sustentados no capitalismo e que podem ser resumidos no “sou visto, logo existo”. As pessoas querem ser vistas dentro de ideais supostamente aprovados pelo outro: eternamente jovem e belo, seja por qual preço for. Elas querem ser o que imaginam que o outro quer que elas sejam”, pondera.
A psicanalista diz que, no entanto, esse imaginário, na maioria das vezes, é uma questão subjetiva. “Em geral, para o parceiro, o que a mulher assinala como “defeito”, não é nem um pouco relevante para ele”, diz. Cíntia Mundin concorda: “Pela minha experiência, a queixa quase nunca tem relação com o marido, namorado ou companheiro. O que escuto normalmente é que os homens acham bobagem e a demanda é da própria paciente, com raras exceções”.
A professora R., 51 anos, vive a expectativa da cirurgia plástica em que ela vai diminuir o tamanho dos pequenos lábios. Mãe de um jovem de 26 anos e casada há 29, a vida sexual dela “vai muito bem obrigada”. Ela nunca ouviu uma queixa do marido sobre a aparência de sua vulva e conta, inclusive, que ele se manifestou contrariamente à intervenção cirúrgica. No entanto, R. já estava cansada de se esconder com uma canga em praia e clubes e passar vontade de dar um mergulho dentro d´água por se sentir constrangida diante de amigas e amigos. “É uma questão de autoestima e por eu me privar de algumas coisas”, afirma.
A decisão veio depois de um diagnóstico de depressão – ela ainda está em tratamento, mas com quadro estável – em que emagreceu 15 quilos e de manequim 40, passou a 34. “Com a perda de peso, ficou mais evidente e passou a me incomodar mais”, relata.
R. nunca fez nenhuma outra cirurgia estética e diz que, apesar de ser uma parte íntima do corpo, ela nunca conseguiu trocar de roupa na frente das irmãs por se sentir envergonhada. “Já saio do banheiro depois do banho de roupa. Eu sinto constrangimento até de falar sobre o assunto com pessoas íntimas. Ninguém sabe que eu tenho esse incômodo”, conta.
Ela aguarda com expectativa o dia 11 de fevereiro, data da cirurgia, e diz que “perdeu uma vida inteira lidando com esse problema. Espero que chegue logo e eu saia de lá satisfeita”. Na adolescência, R. diz que o tamanho dos pequenos lábios não a incomodava. “Eu achava que era normal e que toda mulher era assim. Minha vida sexual nunca foi influenciada por isso, mas a vida social, sim”, afirma.
Para G., no entanto, a lembrança da anatomia como um tema presente em sua vida vem da infância. “Eu me lembro de, depois do banho, olhar, passar a mão, ficar mexendo nos pequenos lábios e perguntar ‘Mãe o que é isso?’. Eu vestia a calcinha e dava pra ver um volume a mais. Me incomodava”, relata. A jovem fez a cirurgia aos 19 anos e diz que não sentiu nenhuma dor após a intervenção e que a recuperação é muito tranquila.
Apesar de a pressão para se encaixar dentro de um padrão de beleza cultuado e sustentado principalmente pelo mundo da moda e pela mídia voltada ao público feminino, principalmente, Gilda Paoliello reforça que a subjetividade deve ser considerada e respeitada, mas para isso também há limites. “É comum pessoas que necessitam provocar mudanças em suas vidas e, erroneamente, localizam essa mudança no próprio corpo. Como este é um deslocamento, na verdade, de uma questão de seu mundo interno, elas nunca se satisfazem com o resultado, e podem buscar outras intervenções também fadadas ao fracasso”, salienta.
Para ela, há um paradoxo nessa submissão a padrões estéticos: “Ao contrário do que seria esperado, esses avanços que permitem se adequar a um padrão e manter a aparência jovem não foram acompanhados do equivalente em felicidade e bem-estar. O que encontramos é uma taxa crescente de mal-estar, contabilizada nas estatísticas sobre depressão e quadros afins”, resume.
A sutura é feita com fio absorvível e cai espontaneamente, sem a necessidade da retirada de pontos. Também não é necessário curativo e o procedimento não deixa cicatriz aparente e nem provoca a perda da sensibilidade local.
Já no caso da hipertrofia, o que se faz é uma lipoaspiração com cânula fina para diminuir aespessura dos grandes lábios.
180 Graus