Doenças que que atingem mais de 1 bilhão de pessoas são ‘esquecidas’

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doença na industria jpeEnquanto a epidemia do virus zika se espalha para outras partes do mundo, centenas de milhões de pessoas em países em desenvolvimento sofrem de “doenças tropicais negligenciadas”, ou DTNs.

 Surtos como o de zika, emergência internacional presente hoje em mais de 60 países e territórios, vêm e vão ao longo do tempo e ganham as manchetes da imprensa. Porém, silenciosamente, mais de 1 bilhão de pessoas em 149 países sofrem com as doenças tropicais negligenciadas.

Trata-se de um grupo de doenças tropicais endêmicas, especialmente entre populações pobres da África, Ásia e América Latina.

Reflexo da falta de interesse de autoridades competentes e baixo investimento em pesquisa para tratamento ou cura, essas doenças acabam replicando, em populações atingidas, ciclos de pobreza e desenvolvimento infantil deficitário, além de impactar negativamente taxas de fertilidade, natalidade e produtividade.

Essas enfermidades assumem diferentes formas, e incluem vermes que penetram na pele, parasitas que causam cegueira e insetos que se alimentam de sangue.

 A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece 18 doenças como DTNs: dengue, raiva, tracoma, úlcera de Buruli, bouba, hanseníase, doença de Chagas, doença do sono, leishmaniose, teníase/neurocisticercose, dracunculíase, equinococose, trematodíases de origem alimentar, filariose linfática, oncocercose (cegueira dos rios), esquistossomose, helmintíases transmitidas pelo solo e micetoma.

No Brasil, a DTN que tem maior incidência, em números absolutos, é a dengue, segundo os Médicos Sem Fronteiras. Outra doença preocupante em território nacional é a hanseníase (lepra): o Ministério da Saúde registrou cerca de 28 mil novos casos de infecção em 2015.

 Diferentemente da infecção por zika ou ebola – ou da gripe do frango e da Sars, voltando um pouco no tempo -, há pouco risco de as DTNs se espalharem pelo mundo desenvolvido.

Os atingidos se concentram em áreas rurais remotas ou aglomerados urbanos, e a voz dessas pessoas quase não se faz ouvir pelo mundo.

Nem todas as infecções por DTNs resultam em morte, mas conviver com elas pode ser debilitante.

Uma maneira de medir o impacto de doenças na saúde da população é relacionar a duração média da enfermidade com sua gravidade, um indicador chamado Anos Vividos com Incapacidade (AVIs).

Embora a China e a Índia sejam os países mais afetados por DTNs, isso ocorre pelo tamanho das populações dessas nações. Ajustando a medição por população, países africanos, do Sudeste Asiático e pequenos arquipélagos como Kiribati e ilhas Marshall se destacam como as áreas mais atingidas.

Medindo o impacto das DTNs

Na República Democrática do Congo, um dos países mais afetados, o Instituto para Métricas Médicas e Avaliações, centro de pesquisa da Universidade de Washington, disse que apenas em 2013 houve mais de 8 milhões de casos de apenas uma DTN, a oncocercose ou cegueira dos rios, resultando em 500 mil AVIs.

A oncocercose é uma doença parasitária crônica transmitida por mosquitos que carregam o nematódeo Onchocerca volvulus. No corpo humano, essas larvas se tornam vermes adultos que podem causar cegueira, lesões cutâneas, coceira intensa e despigmentação da pele quando os vermes morrem.

Apesar de a doença ser uma das DTNs mais disseminadas, muitos países a controlaram pela aplicação de inseticidas, e houve uma queda de 24% de 1990 a 2013 nos AVIs causados pela enfermidade no mundo.

 Há outros casos bem-sucedidos. Infecções intestinais por nematódeos, como aquelas causadas por vermes em forma de gancho, registraram a maior queda entre as

 DTNs – 46% até 2013. Já o chamado verme-da-Guiné, causador da dracunculíase, está quase erradicado.
Mas enquanto a maioria das DTNs registram prevalência menor em 2013 do que em 1990, algumas estão em alta, e certas doenças possuem um potencial de estrago maior do que as enfermidades que estão recuando.

DTNs em alta

 A leishmaniose é causada pelo protozoário parasita Leishmania e transmitida pela picada de mosquitos infectados. Pode resultar em lesões cutâneas graves ou mesmo em morte. Cerca de 12 milhões de pessoas estão infectadas, e houve um aumento de 136% nos AVIs desde 1990.

 O caso mais preocupante é da dengue, doença conhecida dos brasileiros, mas distante do mundo desenvolvido.

 Segundo a OMS, há registro de cerca de 390 milhões de casos de dengue no mundo por ano, e 96 milhões desses casos resultam em doenças com alguma severidade.

 Houve aumento superior a 600% nos AVIs causados pela doença desde 1990.

 Para David Molyneux, da Escola de Medicina Tropical de Liverpool (Inglaterra), a dengue “é uma das DTNs mais negligenciadas, e é muito difícil de controlar e diagnosticar.”

 Uma causa importante desse aumento é o movimento de pessoas de áreas rurais para centros urbanos, ambiente propício à proliferação do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da doença e de outras enfermidades como Zika e febre amarela.

 Oficiais em mutirão antidengue na regiçao sul de Nova Déli, capital da Índia

 “Mosquitos botam ovos em recipientes com água limpa e parada, como pneus e tanques abertos: objetos encontrados em áreas urbanas. Esses fatores provocam aumento nas populações do vetor e o avanço da doença acompanha a expansão urbana”, afirmou Molyneux.

 “Enquanto o avanço da doença no Sudeste Asiático tem sido foco de atenção, a situação na África ainda é pouco conhecida. Em muitos casos, a dengue é diagnisticada erroneamente como malaria, e todos os indicadores de DTNs podem estar subnotificados.”

 “É um desafio real”, diz o professor. “Em Cingapura a saúde pública é fantástica, mas os casos de dengue são recorrentes. Se isso ocorre em uma cidade com um bom sistema de saúde, com punições para quem mantém ambientes de reprodução do mosquito, como é possível controlar a doença em outros lugares, mesmo com todos nossos esforços?”, questiona.

Mas ainda há esperança, depositada geralmente em vacinas. Em julho, foi liberada no Brasil a comercialização da vacina contra a dengue Dengvaxia, do laboratório Sanofi Pasteur, com preços entre R$ 132,76 e R$ 138,53 para hospitais e clínicas, segundo a Agência Brasil.

BBC