Mal de Parkinson: Novas formas de detectar a doença mais cedo e tratá-la com eficácia e podem melhorar a vida dos pacientes
Por - em 11 anos atrás 663
Quem sintonizou o canal de TV pago Comedy Central deparou com os trailers da nova série que estreou neste mês, O show de Michael J. Fox. Não é uma homenagem ao ídolo adolescente dos anos 1980. O próprio ator canadense é o protagonista. Nela, Fox é um jornalista de TV, casado, pai de três filhos, que tenta se equilibrar entre vida familiar, vida profissional e sobre suas próprias pernas, ao mesmo tempo que batalha para controlar os irrequietos braços. Na série, o personagem sofre de mal de Parkinson há cinco anos. Na vida real, Fox enfrenta a doença há 22. Descobriu com apenas 30 anos. Assim como na ficção, ele trabalha, tem família e todos os tremores que caracterizam a doença.
Aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, outro ator se prepara para viver um doente de Parkinson na próxima novela de Manoel Carlos, na TV Globo. Paulo José, assim como Michael J. Fox, entende do assunto. Talvez nunca tenha vivido antes um personagem tão semelhante a si mesmo. Paulo José enfrenta o Parkinson há 20 anos. Tem 76. Desde que soube do diagnóstico, casou-se novamente (pela quarta vez) e nunca parou de trabalhar, como conta em depoimento a ÉPOCA. Às vezes, diz ele, é difícil. Às vezes é muito difícil. Mas Paulo, assim como Fox, é um exemplo de como manter a doença sob controle e seguir a vida.
É sintomático que finalmente o Parkinson, uma doença diagnosticada pela primeira vez em 1817, torne-se um elemento – primordial – do roteiro de novelas e seriados. Estima-se que sofram com a doença, hoje, cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo. Segundo projeções do Banco Mundial, em 20 anos, o número de doentes em países como Japão, Alemanha, Itália e Reino Unido será 50% maior. Em países de população mais jovem, como o Brasil, o número de vítimas deve dobrar: dos atuais 200 mil para 400 mil.
A doença de Parkinson ocorre quando uma área do cérebro conhecida como substância nigra morre ou se torna deficiente. Isso compromete a produção de um composto que ajuda a conduzir os sinais elétricos que controlam os movimentos do corpo, conhecido como dopamina. Os principais sintomas da doença são tremores nos braços, pernas, cabeça e mãos, além de movimentos involuntários, enrijecimento do corpo, perda de expressão e lentidão. Em 40% dos casos, segue-se a demência. A primeira informação que se recebe com o diagnóstico é que Parkinson não tem cura. Mas não é uma sentença de morte. Como diz o ator Paulo José, morre-se com Parkinson, não de Parkinson.
Com o aumento da expectativa de vida, o Parkinson se tornou mais comum. Por isso, surpreende que a medicina conheça tão pouco sobre a doença. A última droga que revolucionou o tratamento – a levodopa, que estimula o cérebro a produzir dopamina – completará 50 anos no ano que vem. Ainda é o principal remédio para o controle do Parkinson. Não apenas a ciência não consegue produzir drogas mais eficazes, mas os médicos continuam a se surpreender com as causas da doença.
Um exemplo: a cidade de Bambuí, em Minas Gerais, tinha uma incidência de Parkinson de 7,2% entre a população com mais de 64 anos, o triplo do índice normal. Um estudo de 2006 revelou que quase metade dos casos se devia ao uso descontrolado de remédios contra psicose e vertigem. O controle de vendas de remédios fez a taxa cair. Outro caso: em Taiwan, muitas mulheres desenvolveram a doença depois de ter contraído o vírus da herpes. O vírus contribuiu com a inflamação da substância nigra. Hoje, sabe-se que fatores genéticos respondem por 15% dos casos. Os outros vêm de causas variadas, muitas desconhecidas. Sabe-se também que a exposição a toxinas (como pesticidas) aumenta o risco de contrair a doença. Apenas entre 5% e 10% dos diagnósticos são feitos em pessoas com menos de 50 anos. Entre homens, a incidência geral é 50% maior.
Não há ainda tratamentos preventivos. Os estudos já constataram que fazer exercícios físicos e tomar duas xícaras de café por dia diminui o risco. Várias pesquisas mostram também que o número de ocorrências em fumantes inveterados é menor do que na população em geral (mas nenhum médico indica o fumo, por causa de todos os outros males que ele causa).
A falta de alternativas terapêuticas pode mudar em breve. Uma das grandes esperanças para tratar o Parkinson é a primeira vacina em testes com humanos. Com o nome técnico de PD01A, é a primeira tentativa de atuar na causa da doença. Desde junho de 2012, 32 doentes testam a medicação em Viena. Estudos recentes mostraram que o excesso de uma proteína conhecida como alfa-sinucleína está por trás de casos de Parkinson. O objetivo da vacina é incentivar o organismo a criar defesas contra essa proteína. A Fundação Michael J. Fox doou US$ 1,5 milhão para o desenvolvimento da vacina, feito pela empresa austríaca Affiris. Os primeiros resultados dos testes devem sair no início de 2014.
Ainda é cedo para comemorar. “Anular o efeito de uma proteína no cérebro pode ter mais consequências além da interrupção do Parkinson”, diz Michael Okun, neurologista da Universidade da Flórida. Há alguns anos, uma vacina feita para eliminar uma proteína conhecida como tau, para combater o mal de Alzheimer, levou os pacientes a desenvolver meningite. “Independentemente dos resultados, o fato de termos chegado finalmente à fase de testes é promissor. Sabemos mais sobre a doença hoje que há um ano e meio”, diz Okun.
Enquanto uma vacina não chega, avança o conhecimento sobre como lidar com o Parkinson para minimizar seus efeitos. Há pouco mais de duas décadas, a vida de quem recebia o diagnóstico era muito diferente. Tratava-se de uma sentença de envelhecimento precoce, isolamento e prostração. Hoje, sabe-se que a primeira arma na guerra contra o Parkinson é a disposição mental. Se não existe tratamento eficaz, há terapias reconhecidas para cada um de seus sintomas. Hoje, o paciente é estimulado a não se conformar com as alterações de seu corpo. “Se tiver disfunção erétil, ele pode encontrar ajuda médica”, diz o neurologista André Felício, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Com tratamento adequado, o paciente pode ter uma vida sexual saudável.” O mesmo ocorre com dificuldades mais sérias de movimentos, insônia ou problemas de voz. Tudo isso tem tratamento, alguns deles baseados em técnicas simples, como fisioterapia ou exercícios de canto. A eficácia desses tratamentos depende da constância.
Comum em 45% dos casos de Parkinson, a depressão exige cuidado especial. É normal ter episódios de desânimo. Quando o quadro evolui para uma depressão, o ânimo vai embora, e fica mais difícil manter a rotina de cuidados essenciais. Manter-se interessado e em atividade alimenta a vontade de se cuidar. Pode ser uma atividade profissional, um hobby ou a defesa de uma causa. Pouco tempo depois de adoecer, Fox parou de ter papéis fixos na TV, até a série que estreou neste mês. Seu interesse se voltou para a própria doença, de forma produtiva. Ele fundou uma instituição sobre Parkinson, hoje uma das mais importantes da área, e escreveu três livros sobre o assunto. Paulo José nunca se afastou dos palcos, atuando ou dirigindo. “Hoje, trabalho pouco para meus padrões. Mas é o suficiente para me manter ocupado e não pensar na marvada”, diz.
Diagnóstico precoce: Outro grande avanço para quem tem Parkinson é a possibilidade de identificar a doença em sua fase inicial. Isso é essencial, porque os sintomas costumam aparecer sete anos depois de a doença se instalar. “Com o diagnóstico antecipado, é possível começar a tratar mais cedo e, assim, retardar e minimizar a manifestação dos sintomas”, diz Felício. Pela primeira vez, pessoas com sintomas suspeitos ou histórico familiar podem fazer testes com três marcadores biológicos – sinais que ajudam a confirmar diagnóstico e permitem iniciar o tratamento mais cedo. Hoje, em geral, o diagnóstico é feito por observação clínica, quando os sintomas começam a se manifestar. O índice de erros é alto: até 25% dos diagnósticos são falsos. Novas técnicas de detecção podem rastrear o Parkinson. Uma delas identifica a perda no poder olfativo associado à doença. Outras envolvem exames de imagem que identificam alterações em duas áreas distintas do cérebro. “A chance de acerto com esses exames é superior a 90%”, diz Felício.
Outra esperança vem das pesquisas genéticas. Há cinco anos, ganharam um aliado poderoso: o cofundador do Google, Sergey Brin. Ele contou ao mundo que tinha propensão a desenvolver Parkinson com um post em seu blog pessoal, batizado de LRRK2. A sigla é o nome de um gene que aumenta as chances de Brin desenvolver Parkinson de 1% para 28% a partir dos 59 anos, para 51% aos 69 e para 74% aos 79. No post, Brin fala da história da doença em sua família. Sua mãe tem Parkinson. Seu tio-avô teve. Desde 2008, ano em que encontrou o gene, Brin doou mais de US$ 100 milhões para pesquisas na área.
No lugar do modelo tradicional de pesquisa médica – em que uma hipótese é formulada, dados são coletados, analisados e submetidos à aprovação –, Brin quer usar o gigantesco poder de processamento (que só o Google tem) e seu talento para criar programas de computador capazes de coletar e analisar toneladas de dados atrás de padrões que levem a hipóteses médicas mais rapidamente. É o jeito Google de fazer ciência. “Geralmente, a velocidade das pesquisas médicas é glacial em comparação ao que fazemos com a internet”, afirmou. Ao inverter a ordem da pesquisa científica e turbiná-la com um invejável poderio tecnológico, o método patrocinado por Brin encurta o tempo. Em 2010, a empresa de pesquisas genéticas 23andMe, fundada pela ex-mulher de Brin, Anne Wojcicki, concluiu uma pesquisa específica com Parkinson ao mesmo tempo que o Instituto Nacional de Saúde (NIH), dos Estados Unidos, publicava o mesmo estudo, feito pelo modo tradicional. No caso do NIH, era o resultado de um trabalho de seis anos. Na 23andMe, de oito meses. Os dois chegaram à mesma conclusão: pessoas com um gene chamado GBA têm cinco vezes mais chances de ter Parkinson. Recentemente, o método defendido por Brin ajudou a descobrir dois novos genes comuns a quem tem a doença. Podem virar marcadores, quando todos os estudos forem concluídos.
As novas alternativas para prever os grupos com maior propensão ao Parkinson não escapam das críticas comuns a diagnósticos feitos por pesquisas genéticas. A primeira é que variedades genéticas específicas associadas a determinadas doenças não significam que aquele indivíduo vá desenvolver o mal. A segunda é mais delicada: de que serve você saber que tem maior chance de desenvolver uma doença se não pode fazer nada (pelo menos por enquanto) para evitar que ela apareça. “É preciso educar muito quem fará o exame”, diz João Carlos Papaterra Limongi, neurologista da Universidade de São Paulo. “Mesmo quem acha que está preparado para o resultado pode ficar estressado, levar uma vida pior – e nem desenvolver a doença.”
O grande potencial das pesquisas genéticas é decifrar o Parkinson. Embora só 15% dos casos estejam ligados aos genes, os cientistas acreditam que o mecanismo celular dos demais casos seja similar. Se pudermos entender como os genes ligados ao Parkinson determinam os mecanismos de produção de substâncias e funcionamento do sistema nervoso, será possível encontrar brechas para tratamentos mais eficazes. “Genes são como receitas para as células produzirem proteínas. É delas o trabalho de manter nosso corpo funcionando”, diz Andrew Singleton, médico da Fundação Michael J. Fox. “Entender essa receita nos permite descobrir como lidar com casos em que a produção dessas proteínas é irregular.” Esse avanço nas pesquisas genéticas promete desvendar de forma mais eficaz uma doença que há dois séculos se esconde entre as conexões nervosas. E, se Brin estiver certo, mais rápida.
Fonte: Revista Época