‘Foi um grande plano de fraude fiscal’, diz procurador em julgamento

Por - em 8 anos atrás 503

procurador jpeO procurador Júlio Marcelo de Oliveira, representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), chamou as “pedaladas fiscais” e outras ações do governo Dilma Rousseff de um “grande plano de fraude fiscal”. Ele é ouvido nesta quinta-feira (25), na condição de informante da acusação, no julgamento do impeachment da presidente afastada.

Oliveira foi convocado como testemunha, mas, por ter participado de ato pela rejeição das contas de Dilma, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, decidiu que ele deveria falar como informante.

Isso significa que seu depoimento perde força do ponto de vista jurídico e não poderá ser usado como prova. Como informante, o procurador não tem o dever de dizer a verdade, como acontece com as testemunhas.

Dilma é acusada de crimes de responsabilidade ao editar três decretos de crédito suplementar sem a autorização do Congresso Nacional e ao atrasar pagamentos, da União para o Banco do Brasil, de subsídios concedidos a produtores rurais por meio do Plano Safra, as chamadas “pedaladas fiscais”.

A defesa de Dilma sustenta que a edição dos decretos foi um remanejamento de recursos, sem impactos na meta fiscal, e que não houve má-fé da presidente na edição dos decretos. Sobre as “pedaladas”, afirma que não são empréstimos, mas prestações de serviços e que Dilma não teve participação direta nos atos.

Prejuízos
Segundo o procurador, o governo iniciou em 2013 um processo de maquiagem nas contas públicas, “que trouxe um grande benefício para o Poder Executivo, porque trouxe a imagem de um poder provedor, mesmo quando a receita do país já estava se reduzindo”. “Foi um grande plano de fraude fiscal, que contou com a omissão do registro das dívidas, a fraude aos decretos de contigenciamente e com a utilização dos bancos públicos como fonte de financiamento, algo proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirmou Oliveira.

Júlio de Oliveira disse que o desequilíbrio fiscal durante o governo Dilma levou o Brasil a perder o grau de investimento, que é dado por agências de risco. A situação, segundo ele, também levou à “explosão” da dívida pública em 2014.

Com isso, os agentes econômicos pararam de investir, preferiram investir em dólar ou títulos do governo, incentivando o desinvestimento e levando o Brasil a uma recessão com inflação.

Meta fiscal
O senador Lindberg Faria (PT-RJ) questionou como o procurador pode dizer se há crime nas pedaladas, se “não há autoria”. Ele também citou a meta fiscal proposta pelo presidente em exercício, Michel Temer, e aprovada pelo Congresso que prevê um déficit de R$ 170 bilhõesnas contas deste ano. O procurador respondeu que quem aprovou a meta foi o Congresso.

“O senhor diz, ‘eles queriam, eles queriam’. O TCU não queria nada, o TCU quer que a legislação seja cumprida. Sabe por que era necessário um contingenciamento tão elevado? Porque o orçamento era fantasioso. Sabe quem propôs o orçamento? O Poder Executivo. E quem aprovou foi o Congresso Nacional […] O senhor diz que o novo presidente estabeleceu uma meta… não foi ele quem estabeleceu, foi o Congresso Nacional”, afirmou Oliveira.

“O que desmoraliza a meta é ela ser estabelecida e não ser cumprida, não ser observada e disso não decorrer nenhuma consequência. Se há uma frustração de receitas, o Congresso Nacional tem que rever a meta. Não é o Tribunal de Contas que pode ignorar a meta, nem o poder Executivo”, completou.

Créditos suplementares
O senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) perguntou ao procurador se, para ele, a edição de decretos de crédito suplementar configura um crime de responsabilidade fiscal. Em resposta, Oliveira afirmou que Dilma precisava de autorização do Congresso para editar os decretos.

“Uma vez que não havia autorização legislativa […], incidiu ela em violação ao artigo 1675 da Constituição e, portanto, um atentado contra as leis orçamentárias. Na minha opinião, sim, está configurado o crime de responsabilidade fiscal”, afirmou o procurador.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) argumentou que Lula e Fernando Henrique Cardoso, quando eram presidentes, fizeram os mesmos decretos que Dilma. Ela afirmou que Oliveira “tem lado, tem militância” e é um dos “mentores intelectuais” do impeachment. Lewandowski, então, chamou atenção para pronciamentos políticos e disse que só aceitaria perguntas objetivas ao informante.

O procurador disse que, na época de FHC, era possível emitir decretos de crédito suplementar por medida provisória. Isso mudou depois. Oliveira disse desconhecer que Lula tenha aberto decretos de créditos suplementares de maneira irregular.

A senadora Regina Sousa (PT-PI) perguntou por que decretos semelhantes assinados por Temer quando ele assumia a Presidência na ausência de Dilma não foram considerados ilegais. O procurador disse entender que a “assinatura de decretos na interinidade da Presidência […] não pode ser fonte de imputação de responsabilidade, porque a equipe que prepara tudo é toda comandada pela titular do cargo”.

Pedaladas fiscais

A denúncia do processo diz que Dilma praticou em 2015 as chamadas “pedaladas fiscais”, que são operações de crédito ilegais com bancos públicos. O governo teria atrasado de propósito o repasse de verbas doTesouro às instituições, que tiveram que pagar benefícios sociais, como subsídios agrícolas, com recursos próprios.

O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) perguntou se as “pedaladas” poderiam ser classificadas, como diz a defesa, como prestação de serviço, e não operações de crédito entre a União e os bancos. Para o procurador, isso não é possível (veja no vídeo abaixo).

“Não é prestação de serviço da Caixa assumir um pagamento em nome da União. Não é prestação de serviço do BNDES assumir o ônus da equalização [dos juros] e continuar emprestando para os agricultores.”

O senador Lasier Martins (PDT-RS) questionou o informante sobre possíveis alertas em relação aos atos cometidos pelo governo desde 2013. “Nós só tivemos notícia da reação técnica do Tesouro aos procedimentos neste ano. Neste ano tivemos acesso às notas técnicas”, respondeu Oliveira. Segundo ele, se soubesse antes, o TCU teria agido antes.

O procurador também falou sobre o possível dolo de Dilma no caso das pedaladas fiscais. “Desde que fizemos a representação [em relação às contas públicas], em agosto de 2014, e toda a discussão nos meios de comunicação, impossível imaginar que a presidente não tivesse conhecimento dos atos graves que ocorriam.”

Aliados de Dilma

Após Júlio Marcelo de Oliveira passar à condição de informante, aliados da presidente afastada, como o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), decidiram não fazer questionamentos a ele para “agilizar” essa fase do depoimento. A estratégia foi evitar as perguntas uma vez que Oliveira passou a ser “suspeito” no processo.

A decisão foi comunicada a jornalistas por Lindbergh após ele se reunir rapidamente com José Eduardo Cardozo e os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Humberto Costa (PT-PE),Jorge Viana (PT-AC) e Gleisi Hoffmann (PT-PR).

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) pediu a palavra, fez uma contextualização sobre operações de crédito, mas abriu mão de fazer perguntas ao informante. Ao longo da tarde, no entanto, outros aliados de Dilma decidiram fazer questionamentos a Oliveira.

Discussões
O Senado deu início, às 9h32 desta quinta-feira (25), à sessão do julgamento final do impeachment de Dilma. Lewandowski analisou primeiro as “questões de ordem”. Por volta das 14h30, começaram as perguntas para Júlio Marcelo de Oliveira.

As perguntas dos senadores seguiram-se por mais de 5 horas, pontuadas pelo que Lewandowski chamou de “manifestações políticas” que causaram discussões entre aliados de Dilma e senadores favoráveis ao impeachment.

O ministro do STF alertou que não terminaria a sessão até ouvir o auditor do TCU Antônio Carlos D’Ávila, testemunha de acusação. “Nós iremos varar a madrugada até encerrar a oitiva das testemunhas. A opção é dos nobres senadores, se querem fazer um debate político e deixar as oitivas de lado, nós vamos fazê-lo”, disse.

Na primeira parte da sessão, houve bate-boca entre senadores, após a senadora petista Gleisi Hoffmann afirmar que “metade do Senado” não tem moral para julgar a petista. Senadores favoráveis ao impeachment se irritaram com a declaração. À noite, ela voltou a dar a mesma declaração e foi advertida por Lewandowski. “Peço que não volte a mencionar essa expressão.”

Redação