Nota de repúdio gera crise entre deputados e magistrados no STF

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Nota de repúdio gera crise entre deputados e magistrados no  STFUma nota de repúdio (leia íntegra abaixo) à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso sobre o rito de impeachment da presidente Dilma Rousseff provocou uma reação imediata de juízes federais, instalando uma crise entre magistrados e parlamentares. Endossado por três frentes parlamentares (Agropecuária, Segurança Pública e Evangélica) e encaminhado à Procuradoria Parlamentar da Câmara, o manifesto faz duras críticas ao relatório de Barroso, avalizado pelo pleno do STF em seus pontos mais importantes – a deliberação da corte, em resumo, anulou a formação da comissão processante do impeachment, majoritariamente oposicionista e eleita em votação secreta, e impôs uma derrota ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desafeto de Dilma.

Descontentes com a interpretação de Barroso quanto à formação do colegiado que analisará o processo de impeachment, deputados acusaram-no de omitir de seu parecer pontos do regimento interno da Câmara e, consequentemente, induzir seus pares ao erro. Para os parlamentares, o magistrado não deixou claro que o voto secreto poderá ser aplicado em eleições como a que está em discussão, nos termos da Lei 1.079/1950.

“Essa Lei do Impeachment determina que a Comissão deverá ser “eleita”. Ao ler o inciso III do artigo 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o referido ministro, embora alertado pelo ministro Teori Zavascki, omitiu, intencionalmente, a expressão ‘e demais eleições’, com nítido interesse em induzir os demais pares a erro, ipsis litteris”, diz trecho do documento, entregue na última quarta-feira (3) à Procuradoria da Câmara pelo deputado Marcos Montes (PSD-MG).

“Ao subtrair a expressa previsão regimental, [Barroso] ocultou dos demais ministros a existência do preceito que previa a votação secreta, tal qual realizada, levando a uma decisão de estreita maioria (6 a 5, ou seja, apenas um voto diferencial), o que anulou procedimento interno legítimo iniciado no Poder Legislativo e configurou uma clara e irregular violação à separação dos Poderes, diretriz basilar de nossa Constituição”, acrescenta o manifesto, que pede providências à Procuradoria – o titular do órgão, deputado Cláudio Cajado (DEM-BA), informou ao Congresso em Foco que uma análise do assunto está em curso e um parecer deve estar pronto até o próximo dia 17.

“Na condição de procurador parlamentar da Câmara, vou estudar a moção com a equipe de advogados da Procuradoria para que as prerrogativas regimentais da Casa sejam cumpridas”, avisa Cajado.

A nota de repúdio, que classifica a argumentação de Barroso como “tormentosa” e critica sua “atitude repreensível”, chega a atribuir crime de responsabilidade ao ministro, devido à alegada interferência nas prerrogativas da Câmara e ao que seria um atentado à harmonia entre os Poderes. “As Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público, em todas as eleições, em todas as eleições, estatuem que se realizam por voto secreto. São todos dispositivos inconstitucionais?”, questiona o manifesto.

Reação

A resposta de juízes em solidariedade a Barroso foi quase que imediata – e, nas entrelinhas, guarda uma ameaça velada aos acusadores do Congresso. Subscrita pelo presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antônio César Bochenek, a nota (leia íntegra abaixo) defende Barroso, a deliberação de seus colegas magistrados e ainda desqualifica a postura dos deputados.

“[…] o manifesto representa um ataque indevido à jurisdição da Suprema Corte e seu conteúdo é incompatível com a leitura que qualquer pessoa de boa-fé possa fazer da exposição dos argumentos utilizados pelo ministro. A deliberação colegiada é, no mais das vezes, permeada por apartes e intervenções que constroem, em conjunto, a decisão coletiva. Seria uma conclusão por demais simplista admitir que, no julgamento em questão, os ministros foram induzidos pela leitura entrecortada de um artigo, já que puderam estudar detidamente o processo antes da sessão pública”, diz trecho da nota, com um alerta.

“A Ajufe não admitirá, sem a devida reação, ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Poder Judiciário, tampouco que informações inverídicas sejam divulgadas à sociedade com o intuito de, por si só, macular a imagem de seus membros”, adverte a associação de magistrados.

Pivô da crise

No centro da discussão, a composição do colegiado que analisará, na Câmara, o rumo do processo de deposição presidencial é essencial para que o Planalto faça valer sua maioria parlamentar e, consequentemente, obtenha os votos necessários para sepultar a ofensiva oposicionista (257, metade mais um dos 513 deputados). Na primeira batalha do impeachment – em sessão capitaneada por Cunha, com direitos a urnas computadorizadas quebradas e agressões físicas em plenário –, a oposição foi a vencedora, como este site mostrou em 8 de dezembro: por 272 votos a 199, formou-se um grupo majoritariamente formado por parlamentares pró-impeachment.

Mas, no segundo round, o governo levou os oposicionistas à lona no STF. Em julgamento de plenário realizado em 17 de dezembro, a corte anulou a eleição dos membros do colegiado ao acatar o relatório de Barroso nos pontos mais importantes a respeito do assunto.

A maioria do STF entendeu ser ilegítima a formação de chapa avulsa àquela cujos componentes foram indicados por lideranças partidárias, e que resultou na maioria oposicionista. Além disso, os magistrados decidiram que o voto dessa escolha deverá ser aberto – diferentemente do que havia determinou Eduardo Cunha, que deu andamento ao processo de afastamento de Dilma em 2 de dezembro. Na última segunda-feira (1º), o peemedebista ajuizou embargo de declaração contra a decisão do Supremo, alegando interferência externa no funcionamento da Câmara.

Confira a íntegra da nota da Ajufe:

“A Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe – vem a público manifestar seu apoio ao Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no tocante à sua atuação na ADPF 378, em face do manifesto divulgado por parlamentares na tarde de quarta-feira (03), em que acusam o Ministro de crime de responsabilidade por ter omitido intencionalmente trecho de dispositivo do Regimento Interno da Câmara dos Deputados durante sessão de julgamento da referida ADPF.

Para a Associação, o manifesto representa um ataque indevido à jurisdição da Suprema Corte e seu conteúdo é incompatível com a leitura que qualquer pessoa de boa-fé possa fazer da exposição dos argumentos utilizados pelo Ministro.

A deliberação colegiada é, no mais das vezes, permeada por apartes e intervenções que constroem, em conjunto, a decisão coletiva. Seria uma conclusão por demais simplista admitir que, no julgamento em questão, os ministros foram induzidos pela leitura entrecortada de um artigo, já que puderam estudar detidamente o processo antes da sessão pública. Pensar diferentemente seria menosprezar a capacidade dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal.

Reiteramos a confiança depositada na Suprema Corte brasileira e nos seus ministros e em sua capacidade de prestar a mais íntegra jurisdição.

A Ajufe não admitirá, sem a devida reação, ataques ao Supremo Tribunal Federal e ao Poder Judiciário, tampouco que informações inverídicas sejam divulgadas à sociedade com o intuito de, por si só, macular a imagem de seus membros.

Antônio César Bochenek
Presidente da Ajufe”

Leia agora a nota de repúdio à decisão de Barroso:

“Manifesto de repúdio ao posicionamento do Ministro Luís Roberto Barroso, na ADPF n.378 do STF, por subtrair competência da Câmara dos Deputados:

É com extremo pesar que esta Frente Parlamentar se vê na necessidade de vir a público para externar sua profunda consternação e repúdio com o voto apresentado por Sua Excelência Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Medida Cautelar na Ação Declaratória de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 378, sessão plenária ocorrida no dia 17 de dezembro de 2015, atingindo gravemente a independência dos Poderes.

Em que pese seu notório conhecimento jurídico e sua ilibada reputação, o Ministro, ao proferir seu voto, omitiu propositalmente parte do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, para manipulá-lo e adequá-lo ao seu entendimento político-partidário, o que é vedado pelo artigo 39, item 3 e 5, da Lei nº 1.079/1950.

Essa Lei do Impeachment determina que a Comissão deverá ser ‘eleita’.

Ao ler o inciso III do artigo 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), o referido Ministro, embora alertado pelo Ministro Teori Zavascki, omitiu, intencionalmente, a expressão ‘e demais eleições’, com nítido interesse em induzir os demais pares a erro, ipsis litteris:

Art.  188.  A votação por escrutínio secreto far-se-á pelo sistema eletrônico, nos termos do artigo precedente, apurando-se apenas os nomes dos votantes e o resultado final, nos seguintes casos:

III – para eleição do Presidente e demais membros da Mesa Diretora, do Presidente e Vice-Presidentes de Comissões Permanentes e Temporárias, dos membros da Câmara que irão compor a Comissão Representativa do Congresso Nacional e dos 2 (dois) cidadãos que irão integrar o Conselho da República e nas demais eleições;

O Regimento Interno do Senado Federal tem idêntica disposição, sobre o voto secreto (art. 291, II – nas eleições). Assim, por via oblíqua, também está sendo atingido, o que gerará graves consequências também naquela Casa.

Na Corte, o intento foi obtido, pois a supressão da expressão ‘e nas demais eleições’ se adequaria exatamente ao caso discutido naquele momento, onde quatro palavras omitidas poderiam mudar o rumo da ação, reconhecendo a correção da decisão parlamentar.

Ao subtrair a expressa previsão regimental, ocultou dos demais Ministros a existência do preceito que previa a votação secreta, tal qual realizada, levando a uma decisão de estreita maioria (6 a 5, ou seja, apenas um voto diferencial), o que anulou procedimento interno legítimo iniciado no Poder Legislativo e configurou uma clara e irregular violação à separação dos Poderes, diretriz basilar de nossa Constituição.

É preceito constitucional o dever de o Poder Legislativo ‘zelar pela preservação de sua competência legislativa’ (art. 49, inc.XI da CF) e, segundo a Carta Magna (art. 58), compete à Câmara regrar sobre a criação de suas comissões.

Esse esforço em tergiversar não só se percebe naquela leitura omissiva, como também na tortuosa igualação das definições de escolha com eleição, tão distintamente tratadas na legislação, e, ainda, na inveraz assertiva de que estava obedecendo ao rito do julgado no caso Collor, pois que o STF nunca examinou a criação da Comissão Especial daquele Impeachment. O que a Corte analisou foram os atos por ela praticados, mas não sua criação. A Corte nunca deliberou sobre voto secreto, ou não, na eleição da Comissão.

Não se pode confundir “deliberações” da Câmara, as quais devem ser por voto aberto, com “eleições”. Na eleição, opta-se por pessoas, e sempre se deram por voto secreto. A CF de 1946, que todos a reconhecem democrática, dispunha no art. 43 que as eleições da Câmara deveriam se dar por voto secreto. Na Constituição de 1988, as eleições, no Parlamento, foram transferidas para o Regimento, que manteve a mesma disciplina. Nos parlamentos democráticos do mundo o voto é secreto. O art. 97 do Regimento da Assembleia da República Portuguesa isso afirma; assim também o art. 49-1 do Regulamento da Câmara dos Deputados da Itália; o art. 63 da Assembleia Nacional Francesa; o art. 182 do Regimento do Parlamento Europeu, dentre outros. Que assim deve ser, percebe-se que, quanto ao Poder Judiciário e Ministério Público (arts. 98, 119, 120, 130-A) a Constituição determina que as eleições se procedam por voto secreto. As Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público, em todas as eleições, em todas as eleições, estatuem que se realizam por voto secreto. São todos dispositivos inconstitucionais?

Beira ao absurdo a decisão, na medida em que, por via transversa, está declarando inconstitucionais todas as eleições em todos os Poderes.

A sustentação construída tormentosamente corresponde a atitude repreensível, tipificada como crime de responsabilidade, por traduzir conduta incompatível com a honra e decoro das funções de Ministro da Suprema Corte, sobremodo porque direcionada ao menoscabo da competência de um Poder.

Por isso, decidiram estas Frentes Parlamentares denunciar à Nação a ofensa a prerrogativas do Poder Legislativo, malferindo o preceito constitucional da separação dos Poderes, pondo em risco a independência da Instituição e, ainda, promover a responsabilização junto ao Senado Federal, além de comunicar à OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e à Procuradoria da Câmara objetivando preservar o exercício da competência da Casa.

Brasília, 02 de fevereiro de 2016.”

Congresso em Foco