Acirramento político e ‘textão’ fazem usuários abandonarem redes sociais

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redes sociaisLá vem textão. Antes, na hora e depois da manifestação pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) neste domingo (13), longos textos vão chegar a seu feed de notícias do Facebook. Bate-bocas dominarão seus grupos de WhatsApp. Não importa qual for sua opinião sobre o ato.

Discussões políticas exacerbadas nas redes sociais têm cansado usuários. Alguns até desativam suas contas.

“Ficava no meio da guerra”, diz o funcionário público Henrique Galli, 51, de Araraquara (a 273 km de SP). Ele reclama do “Flá-Flu político” dominante no Facebook, que abandonou “pouco antes de a Polícia Federal levar o Lula para depor, felizmente”. Os discursos saturaram tanto que os textos longos foram apelidados de “textões”.

Para a artista plástica Lethícia Barros, 21, a plataforma virou um “ramo de papagaio”, em que só se replica conteúdo, sem reflexão. “Quem gosta de discutir política senta e debate.” Ela desativou sua conta há um mês, mas já tinha feito isso em outras ocasiões. No grupo da família do WhatsApp, diz, é impossível conversar sobre política.

A história da internet no Brasil é recheada de momentos mais acirrados, diz Fábio Malini, do laboratório de cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo. “Em 2002, as brigas eram em listas de e-mail. Em 2006, no Orkut; em 2010, no Twitter e, em 2014, já no Facebook”, diz, destacando só as eleições presidenciais.

Não que as redes sociais sejam espaço apenas de dissenso -mobilizações como a deste domingo (13) são marcadas no Facebook e divulgadas via WhatsApp, assim como as contra o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pelos direitos das mulheres, rolezinhos e festas.

Mas, no Facebook, há “uma cultura do revide”, diz Malini, por causa da possibilidade de comentar nas postagens de outros usuários -que, “cada vez mais, têm uma ‘linha editorial política'”. Álbuns de viagens, selfies e outros momentos que exibiam a bonança são compartilhados no Instagram; vídeos íntimos e de bastidores ficam no SnapChat; piadas, em sua maior parte, no Twitter.

CHATO DE INTERNET

O ambiente virtual se torna agressivo porque a personalidade eletrônica é mais insubordinada, grossa, desbocada e sexualizada, segundo o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do programa de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Na vida virtual, explica, não há expressões, gestos e retorno imediato da opinião do outro. Para compensar, o cérebro cria um mecanismo para exagerar a intensidade do que quer transmitir. “As pessoas são mais intensas do que são no cotidiano.”

Isso afastou o professor Matheus Piai, 24, de Bauru (a 329 km de SP), que não deletou sua conta, mas diminuiu a frequência.”As redes são ótimas maneiras para debater, mas os usuários fazem isso de maneira excessiva, para atacar uns aos outros.”

Nabuco diz que, “se a pessoa se torna chata na internet, possivelmente é chata na vida real”, já que não tem inteligência emocional para regular a frequência com a qual comenta determinado assunto.

O artista Rafael Amambahy, 27, chama o Facebook de “black hole” (buraco negro). Ele saiu dessa rede.”Estão gritando para ninguém. Não são discussões. Na efervescência política, você tem que postar e, às vezes, nem sabe sobre o que está falando”, diz.

O Facebook não quis comentar. Sua assessoria apresentou dados de pessoas ativas num mês no Brasil: 91 milhões em setembro de 2014 e 99 milhões no mesmo mês de 2015.

CHEGA DE FACEBOOK

Enquanto adultos pensam em desativar suas contas de Facebook, adolescentes brasileiros já pouco usam a rede. Parte migrou ou está migrando para o Snapchat e o Instagram (que pertence ao Facebook), redes sociais de compartilhamento de vídeos e fotos.

“É mais instantâneo e visual, e não há o trabalho de escrever longos textos”, diz a psicóloga Andrea Jotta, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia e Informática da PUC-SP.

Para Andrea, os adolescentes são mais educados virtualmente e sabem diferenciar a rede social da vida real quando se trata dos debates on-line. “Os mais novos sabem que é diferente, que face a face você desenvolve mais o assunto, e que na internet isso já enche, satura”, afirma. “Já os mais velhos têm a tendência de dar continuidade às relações que vivem presencialmente.”

Fábio Malini, do laboratório de cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo, diz que os adolescentes “sabem que ali as conversas não são de luta. São de fluxo, muito mais para brincar do que para entrar no nível da discussão intelectual.”

Ele ressalta que o jovem está em processo de aprendizagem e formação vocabular e que isso o afasta dos debates políticos em espaços públicos. O texto de uma criança “viralizou” nos EUA em 2013: “Tenho 13 anos e nenhum amigo meu usa Facebook”, era seu título. Em 2015, a autora publicou outro texto: “Tenho 15 anos e todos meus amigos usam Facebook”.

Apesar da mudança de hábito, a autora relatava menor força do Facebook frente a outras redes sociais em sua geração. O debate sobre a evasão de jovens da rede social tomou força nos EUA. Estudos mostraram que o uso do Facebook diminuiu entre jovens, apesar de ainda ser líder. Andrea diz que não há pesquisas no Brasil sobre o uso dessa rede entre jovens, mas que a tendência é a mesma.

A paulistana Marina, 13, tinha 11 anos quando criou sua conta no Facebook. No meio do ano passado, porém, parou de usá-la. “São meus pais que usam”, afirma. “Enjoou, não mudou nada. Nenhum amigo usa, então deixei de usar.” Ela tem contas de Instagram e Snapchat. Conversa com amigos via WhatsApp.

Sua amiga Carolina, 14, afirma nunca ter criado conta no Facebook. “Parece ser bom para saber da vida dos outros, mas deve ser meio cansativo”, afirma.

QUEM SÃO ELES?

A exposição também cansa. É o caso da publicitária Tatiana Vecchia, 24, que desativou sua conta no ano passado. “Um dia olhei para meu Facebook e vi que tinha 1.300 amigos. Parei para pensar: quem são essas pessoas?”, relata. “Via várias coisas que não queria acompanhar. Eu também me expunha para elas.”

Hoje, a única rede social que usa é o Instagram –reduziu seus 800 seguidores para 100. “Perco as coisas no momento em que acontecem, mas acabo descobrindo mais coisas por meio do diálogo.”

O artista Rafael Amambahy, 27, outro sem Facebook, diz achar que sua geração é mais “analógica”, desacostumada a lidar com tudo acontecendo simultaneamente numa página.

Folha de São Paulo