Com maior uso da internet durante pandemia, número de reclamações aumenta

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O uso da internet no Brasil cresceu durante a quarentena: o aumento foi entre 40% e 50% segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e a alta foi ainda maior para servidores internacionais.

Mas com o aumento do consumo também houve aumento de reclamações. As instabilidades aumentaram e a própria Anatel registrou um número maior de reclamações de usuários a partir da segunda quinzena de março — quando o isolamento passou a ser a regra para muita gente. Alta semelhante foi sentida no portal ReclameAqui, que agrega queixas de usuários na internet.

Isolamento por coronavírus muda padrão de consumo da internet no Brasil

Em março, a Anatel registrou 67 mil reclamações relativas a banda larga, com concentração a partir da segunda quinzena. Em abril, o volume passou de 74 mil e em maio o número foi semelhante, com mais de 73 mil queixas. No ano passado, houve 50 mil reclamações em março, 48 mil em abril e 47 mil em maio.

O site ReclameAqui, que agrega queixas dos usuários, também viu o número de publicações contendo o termo “internet” crescer: de 12 mil em março para mais de 14 mil em abril.

Velocidade de download caiu, e usuários sentiram

Dados do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC) mostram a influência da pandemia de coronavírus na qualidade da internet no Brasil. Após o primeiro caso da doença, em março, o Brasil registrou velocidade de download abaixo da média e o tempo de resposta ficou acima da média — o que significa que as solicitações aos servidores ficaram mais demoradas.

A situação tem se normalizado, segundo as medições do NIC, mas foi sentida pelos usuários.

A advogada Clara Coutinho, por exemplo, teve que renovar a conexão de seu apartamento em São Paulo durante a quarentena.

Precisando trabalhar de casa, o sinal não era bom no quarto que transformou em escritório. “Eu passava a maior parte do meu tempo fora de casa. Quando usava a internet aqui era para coisas simples ou streaming na própria sala”, afirma.

Por causa disso, investiu: contratou um pacote com velocidade maior e instalou uma rede de distribuição WiFi, para melhorar a qualidade da recepção no novo escritório. “Com milhares de reuniões de vídeo com clientes, e sempre minha internet caindo ou cortando, resolvi aumentar a velocidade”.

A rede toda pode parar de funcionar?

Especialistas dizem que não existe risco de colapso da rede no país e que a estrutura é sólida, e a própria Anatel firmou uma parceria com as operadoras e prestadoras de serviço para manter a conectividade durante a pandemia.

“As grandes prestadoras de telecomunicações providenciaram expansões de capacidade em suas redes para absorver a alta de demanda de tráfego. Os pequenos provedores e suas associações se empenharam em otimizar suas redes para esta situação”, disse a Anatel em nota.

Mas as mudanças causadas pelo isolamento — mais gente trabalhando em casa e maior uso da internet durante o tempo livre — mudaram o padrão de consumo no Brasil e, também, como muitos usuários percebem o acesso à rede.

“Houve uma migração abrupta do tráfego de dados dos escritórios para as casas das pessoas, o que pode ter provocado problemas pontuais, mas sem causar instabilidade às redes, que continuam operando normalmente”, afirmou em nota o Sinditelebrasil, que representa as operadoras de telefonia e provedores de internet no país.

Para especialistas ouvidos pelo G1, podem existir vários culpados pelas reclamações dos usuários:

Rede com pouca banda ou equipamentos ruins;

Serviços com aumento da demanda e muitas pessoas utilizando;

Diferença de expectativa sobre a capacidade da rede doméstica com aumento do uso.

Serviço às vezes não é ideal

Dados da última pesquisa TIC Domicílios, que afere como e quantos brasileiros estão conectados à internet, mostraram mais uma queda no uso de computadores domésticos: 42% dos usuários usaram um computador como meio de acesso em 2019, uma queda ante o ano anterior. Em comparação, 99% dos usuários se conectaram pelo celular.

De acordo com Milton Kaoru Kashiwakura, Diretor de Projetos Especiais e de Desenvolvimento no NIC, o percentual de casas com desktop é baixo e as pessoas, na maioria dos casos, passaram os últimos anos acessando a internet nas residências apenas com celular. Agora, com a necessidade de novas atividades por causa da pandemia, o impacto de redes domésticas menos potentes pode estar sendo sentido.

“Algumas empresas estão deslocando equipamento das empresas para as residências. Para quem estava acostumado a usar apenas dispositivo móvel e agora está com notebook em casa, está enfrentando uma dificuldade maior”, explica.

A situação piora em bairros afastados e nas regiões do Brasil mais distantes dos grandes centros. Nesses lugares, há menor oferta de planos, menor concorrência entre provedores e às vezes faltam conexões mais parrudas, como por fibra ótica, o que pode explicar velocidades mais baixas e conexões mais instáveis.

“Não há justificativa para a falta de banda quando a última milha está bem resolvida. Nos grandes centros isso tá bem resolvido, existe competição. Se não atender bem, o usuário migra de provedor. Mas em grande parte do brasil só tem um provedor e o usuário fica sem opção”, explica Kashiwakura.

Sites podem ter sobrecarga

Os serviços on-line, sites e aplicativos, estão hospedados em algum servidor, que recebe as demandas de acesso dos usuários da internet. Quando um serviço recebe mais demanda do que tem capacidade de suportar, isso se traduz em problemas da conexão, como redução de qualidade no caso de vídeos e áudios, ou mesmo na queda do serviço. Alguns cyber-ataques até utilizam essa lógica para derrubar sites, por exemplo.

Foi justamente para evitar sobrecargas que os principais provedores de conteúdo do país, ainda no final de março, reduziram a qualidade do streaming de vídeo, para evitar sobrecarga nos serviços — já que o número de pessoas consumindo ao mesmo tempo aumentou.

“Alguns serviços que estão planejados para ter uma certa capacidade de processamento computacional podem ficar sobrecarregados”, explica Luiz Fernando Bittencourt, professor do Instituto de Computação da Unicamp e membro do IEEE, instituto que promove o avanço tecnológico.

Segundo ele, essa redução feita pelas empresas que fornecem conteúdo em vídeo aconteceu porque houve um dimensionamento para atender à demanda.

“Evita que a capacidade do servidor seja sobrecarregada por muitos usuários ao mesmo tempo”, disse Bittencourt.

Depois desse redimensionamento, o relatório do NIC apontou para taxas de download e de tempo de resposta mais próximas do que é medido normalmente pelo núcleo. A própria Anatel citou o caso como medida necessária para manter a qualidade da internet.

“Serviços e plataformas online, antes explorados com menor frequência, ganharam popularidade e força e, por consequência, tiveram que se adaptar e ampliar a sua infraestrutura para atender à demanda”, disse o Sinditelebrasil.

A rede de casa não é a rede do trabalho

A contratação de serviço de internet não é necessariamente a mesma em casas e empresas.

Em grandes companhias, é comum a existência de uma rede interna e a contratação de um serviço dedicado, que deve manter velocidade constante e um padrão no fornecimento do serviço.

Já dentro de casa existem taxas mínimas de consumo, estabelecidas pela Anatel. As operadoras devem fornecer pelo menos 40% da velocidade. No mês, a média de velocidade não pode ser menor do que 80% do valor contratado.

Para o designer Hugo Vinícius, que passou a ter problemas durante conferências e reuniões em vídeo, esse foi um dos fatores que desmotivou a contratação de um pacote melhor de internet.

Por causa da pandemia, ele foi para o interior de São Paulo e pensou em aumentar a velocidade da conexão, mas abandonou a ideia. “Desisti simplesmente porque tenho certeza que isso vai me gerar algum problema no futuro, com cobrança indevida ou taxas abusivas”.

Além da diferença no tipo de serviço contratado, redes corporativas internas permitem o compartilhamento de conteúdo sem necessidade de trafegar pela internet. Em casa, essa prerrogativa não existe: todos os dados passam pela rede pública e competem com outros usuários da residência ou do mesmo prédio, que também podem estar trabalhando ou estudando naquele momento.

“Tem uma sensação de aumento de tráfego pelo trabalho em casa. Diversos serviços que eram presenciais, passaram a ser remotos” afirma José Eduardo de Freitas, diretor de conectividade, mídia e IP na CenturyLink, empresa especializada tecnologia de telecomunicações.

De acordo com ele, a empresa viu o tráfego crescer mais de 60% nas primeiras semanas de home office e muitas empresas começaram a contratar mais banda e aprimorar suas estruturas de rede, para suportar o aumento no número de conexões remotas.

“Algumas empresas não tinham o conceito de home office e tiveram que criar uma estrutura para isso”, afirma. “Esse prazo de adaptação afeta a percepção do usuário [sobre a internet”.

Redação