Marco Civil da internet é insuficiente para evitar novo apagão
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Em 2007, os brasileiros sentiam pela primeira vez o que era ficar sem um serviço popular na web por decisão da Justiça: o YouTube foi tirado do ar por dois dias para usuários de algumas operadoras. Nove anos depois, passaram 25 horas sem o WhatsApp.
Nesse período, entre a não remoção de cenas íntimas de Daniella Cicarelli e a não divulgação do conteúdo de conversas de 36 suspeitos de tráfico em Sergipe, a legislação evoluiu. Mas não dá conta de evitar que usuários sejam punidos no cabo de guerra que envolve juízes, interpretações da lei e empresas pouco inclinadas a colaborar.
Havia a expectativa de que o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, evitasse esse tipo de problema, porém o fez apenas em parte.
Hoje, casos como os de Cicarelli não existiriam mais, porque a lei isenta os serviços on-line de responsabilidade sobre o conteúdo publicado por usuários -a não ser que não tomem providências, dentro de suas limitações técnicas, após ordem judicial específica para a retirada.
“Aí, com o WhatsApp, aparece outra circunstância, que é o acesso a dados de comunicação”, afirma Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade).
Em algo que não é exclusividade brasileira, a lei tem dificuldades de andar no ritmo da tecnologia. “No mundo todo existe essa discussão, de como fazer a Justiça local valer quando as empresas estão em outros países”, diz Francisco Cruz, diretor do centro de pesquisas Internet Lab.
Para ambos, entretanto, a atual legislação não poderia ser usada para bloquear o WhatsApp. Na visão deles, o texto prevê a suspensão do serviço apenas quando o aplicativo descuida do sigilo de dados de seus usuários.
É uma visão diferente da usada por magistrados como Marcel Montalvão, de Lagarto (SE), que mandou as operadoras tirarem o WhatsApp do ar na semana passada. Esses juízes têm adotado medidas assim como forma de forçar as companhias a entregar dados para investigações.
“O direito se vale da coação para fazer valer o cumprimento da lei”, diz o juiz Flavio Perón, de Campo Grande. Em 2012, ele mandou prender o diretor-geral do Google no Brasil em razão de a companhia não ter cumprido sua determinação de retirar vídeos do YouTube sobre um candidato a prefeito da cidade.
Para Souza, do ITS Rio, as partes terão de chegar a um consenso, “criar uma ponte”. O debate, afirma ele, é mais complicado do que no caso Cicarelli, já que não se trata de mera retirada de conteúdo, mas sim informações pessoais dos usuários: com quem conversam e por onde andam. “Fornecer acesso privilegiado a dados é interferir na vida íntima das pessoas.”
SEM PONTE
Do lado dos juízes, há críticas ao modo de agir das empresas, que eles classificam como pouco interessadas em colaborar, criar a tal “ponte”.
O desembargador Raimundo Alencar, do Tribunal de Justiça do Piauí, derrubou no ano passado uma ordem para bloquear o WhatsApp proferida por um magistrado de primeira instância que queria que o app divulgasse informações para uma investigação sobre pedofilia.
Ele diz que tomou a decisão por considerar exagerado o bloqueio, mas entende a motivação desses juízes.
“Eles não estão errados quanto ao seu objetivo. Precisamos encontrar formas de fazer com que essas empresas colaborem com a Justiça, um mecanismo que obrigue a colaboração”, diz ele.
No caso do WhatsApp, a companhia argumenta não armazenar nem dados de acesso nem conteúdo de conversas dos usuários, por isso não pode repassá-los.
Folha de São Paulo