Eleitores americanos que nos últimos anos votaram para legalizar a maconha em seus Estados pensavam em criar novas fontes de receita para o governo, enfraquecer o tráfico de drogas e combater o estigma enfrentado por consumidores. Mas muitos usuários não contavam com um efeito colateral da medida: a absorção da erva pelo capitalismo.
Conforme a legalização da planta avança pelos Estados Unidos e investidores despertam para seu potencial econômico, usuários e pesquisadores tentam agora impedir que a maconha se transforme numa espécie de commodity agrícola, com variedades transgênicas, uso intensivo de agrotóxicos e poderoso lobby entre os políticos.
“Depois de tudo o que fizemos pela legalização, é frustrante ver o rumo que as coisas têm tomado”, diz à BBC Brasil Larisa Bolivar, diretora executiva da Cannabis Consumers Coalition, uma organização de usuários da erva sediada no Colorado.
No fim de 2012, Colorado e Washington se tornaram os primeiros Estados americanos a legalizar o uso recreativo da maconha. Desde então, foram seguidos por Oregon, Alaska e pelo Distrito de Columbia (sede da capital Washington). O uso medicinal da erva já foi legalizado em 23 dos 50 Estados americanos.
Bolivar diz que, ao elaborar as regras que regem a produção e o comércio de maconha, políticos têm deixado os consumidores de lado e levado em conta apenas os interesses de empresas farmacêuticas e produtores da erva.
A indústria da maconha, como tem sido chamada, já conta até com representantes em Washington. Em 2014, a National Cannabis Industry Association, organização que representa o setor, contratou um lobista para atuar junto a congressistas, prática comum a grandes segmentos empresariais.
Ele diz que, assim como a maioria dos fazendeiros que plantam milho ou soja em larga escala, vários produtores de maconha estão recorrendo a práticas do agronegócio, como o uso de pesticidas para aumentar a produtividade.
Holmes publicou em junho um estudo sobre a presença de agrotóxicos na maconha vendida legalmente em Oregon. A pesquisa detectou as substâncias em quase a metade dos produtos testados, inclusive em alguns cujos rótulos diziam ser orgânicos. Em alguns casos, o nível de agrotóxicos excedia o limite permitido para outros produtos agrícolas.
Holmes afirma que fumar produtos com agrotóxicos é ainda mais arriscado do que ingeri-los, já que as substâncias entram na corrente sanguínea sem que antes sejam metabolizadas pelo sistema digestivo.
No ano passado, a cidade de Denver (Colorado) interditou seis estufas de maconha ao flagrar o uso de pesticidas impróprios para uso em produtos voltados ao consumo humano.
Cabe à agência ambiental americana (EPA, na sigla em inglês) definir as regras para o uso de agrotóxicos em alimentos nos Estados Unidos. Porém, como a legalização da maconha tem sido promovida por Estados, à margem da legislação federal, a agência não elaborou diretrizes para o uso de agrotóxicos na produção da erva.
Segundo Holmes, a ausência de regras faz com que muitos produtores de maconha estejam aplicando pesticidas sem saber dos riscos. Ele defende que os Estados restrinjam o uso de agrotóxicos em pés de maconha a produtos com toxicidade mínima, aceitos até no cultivo de orgânicos.
Segundo Holmes, o estudo busca criar um banco de dados e impedir que empresas tentem patentear variedades em circulação. Outra preocupação, diz o pesquisador, é evitar que gigantes do agronegócio passem a dominar o setor, produzindo maconha transgênica e reduzindo a variedade atual.
“Estamos muito preocupados em proteger a diversidade e os pequenos produtores”, ele afirma.
Por enquanto, não há informações sobre o desenvolvimento de variedades transgênicas de maconha. Segundo Holmes, grandes empresas do setor, como a Monsanto, só esperam um afrouxamento da legislação federal para atuar na área, o que para ele deverá ocorrer dentro de dois ou três anos.
A Monsanto afirma em seu site que não “trabalhou e não está trabalhando com maconha transgênica”.
A farmacêutica alemã Bayer, que também desenvolve sementes transgênicas, já produz medicamentos à base de maconha. Consultada pela BBC Brasil, a empresa disse não ter planos de desenvolver produtos agrícolas relacionados à erva.
Estados que pretendem legalizar a substância têm considerado as diferentes experiências em seu planejamento.
Uma comissão que elaborou uma proposta para a legalização do uso recreativo da maconha na Califórnia aconselhou os legisladores a criar um modelo que “previna o surgimento de uma indústria da maconha grande e corporativa dominada por um grupo pequeno de participantes”, como ocorreu com o setor tabagista.
Grupos que se opõem à regulamentação da erva passaram a ecoar os argumentos. Para a organização Grass is not Greener, ao se fortalecer, o a indústria da maconha poderá querer propagandear seus produtos para crianças.
A National Cannabis Industry Association não respondeu um pedido de entrevista da BBC Brasil sobre as preocupações de pesquisadores e consumidores com os rumos do setor.
Analistas dizem considerar improvável, no entanto, que a indústria siga os mesmos passos das empresas de cigarro.
Especialista em políticas sobre drogas, o articulista Christopher Ingraham comparou no “The Washington Post” dados sobre a venda de maconha em Colorado e o consumo de tabaco.
Ele diz que, enquanto um grupo proporcionalmente pequeno e cativo de usuários responde pela maioria das vendas de maconha, os lucros das empresas de cigarro dependem de um público menos concentrado, o que requer estratégias comerciais e publicitárias mais abrangentes.
Para Larisa Bolivar, diretora executiva da Cannabis Consumers Coalition, o mais provável é que o setor se desenvolva como a indústria cervejeira, com grandes empresas convivendo com produtores artesanais.
“Acho que daqui a alguns anos teremos grandes marcas de maconha, como a Budweiser no caso das cervejas, competindo com variedades orgânicas vendidas por microprodutores em lojas ‘boutique'”, ela diz.
G1