Moraes escolhia alvos e pedia ajustes em relatórios contra bolsonaristas, mostram mensagens; Gabinete diz que procedimentos foram regulares

Por Fabio Serapião e Glenn Greenwald/Folha de S.Paulo - em 3 meses atrás 56

Segundo a Folha de S. Paulo, o setor de combate à desinformação do TSE forneceu material ao gabinete de Moraes no STF

Mensagens de texto de assessores do ministro Alexandre de Moraes (foto) indicam o uso “fora do rito” do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para avançar o inquérito das fake news, no Supremo Tribunal Federal (STF), diz reportagem da Folha de S. Paulo, publicada nesta terça, 13 de agosto.

O Antagonista decidiu batizar o escândalo de “Vaza Toga“.

Segundo a Folha, o setor de combate à desinformação do TSE forneceu material ao gabinete de Moraes no STF.

“As mensagens revelam um fluxo fora do rito envolvendo os dois tribunais, tendo o órgão de combate à desinformação do TSE sido utilizado para investigar e abastecer um inquérito de outro tribunal, o STF, em assuntos relacionados ou não com a eleição daquele ano“, diz o jornal.

As trocas de informação ocorriam pelo aplicativo de mensagens WhatsApp.

De acordo com a reportagem, o “maior volume de mensagens com pedidos informais” envolveu o então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, Eduardo Tagliaferro, e o “assessor mais próximo de Moraes no STF”, o juiz instrutor Airton Vieira.

“As mensagens mostram que Airton Vieira (STF) pedia informalmente via WhatsApp ao funcionário do TSE relatórios específicos contra aliados de Jair Bolsonaro (PL). Esses documentos eram enviados da Justiça Eleitoral para o inquérito das fake news, no STF.”

Nem Moraes nem Vieira responderam a pedido da Folha para comentar a matéria. Tagliaferro, que deixou o TSE em maio de 2023 após prisão por suspeita de violência doméstica, disse que “cumpria todas as ordens que me eram dadas e não me recordo de ter cometido qualquer ilegalidade”.

O jornal afirma ter acesso a mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos de assessores de Moraes, incluindo Vieira, que é o primeiro auxiliar do gabinete do ministro no Supremo.

Como funcionava a suposta colaboração?

A Folha relatou dois pedidos do gabinete de Moraes ao TSE para monitorar dois blogueiros bolsonaristas:

“Depois de Tagliaferro (TSE) encaminhar uma primeira versão do relatório” sobre um deles, “Airton Vieira (STF) manda prints de postagens” do blogueiro “e cobra a alteração do documento para inclusão de mais manifestações”.

“Pelas mensagens, fica claro que o pedido para produção do relatório partiu do próprio Moraes.

‘Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: vocês querem que eu faça o laudo? Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando’, diz Airton Vieira em áudio enviado a Tagliaferro às 23h59 daquele dia.

‘É melhor por [as postagens], alterar mais uma vez, aí satisfaz sua excelência’, completa Vieira.

O assessor do TSE então responde, já na madrugada do dia 29 de dezembro, e afirma que o conteúdo do relatório enviado anteriormente já seria suficiente, mas que iria alterar o documento e incluir as postagens indicadas por Moraes por meio do juiz instrutor.

‘Concordo com você, Eduardo [Tagliaferro]. Se for ficar procurando [postagens], vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele [Moraes] cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia’, responde o juiz Airton Vieira

Dias depois dessa conversa, em 1º de janeiro de 2023, Airton Vieira manda para Tagliaferro cópia de duas decisões sigilosas de Moraes tomadas dentro do inquérito das fake news produzidas com base no relatório enviado de maneira supostamente espontânea.

‘Trata-se de um ofício encaminhado pela Assessoria Especial de Desinformação Núcleo de Inteligência do Tribunal Superior Eleitoral’, diz o início da decisão, sem citar que o material havia sido encomendado em seu nome pelo auxiliar em uma conversa via WhatsApp.”

Outro Lado

“Procedimentos foram regulares”, diz gabinete de Moraes em Nota

O gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reagiu com a divulgacão de uma nota à reportagem em que o jornal Folha de S.Paulo publicou mensagens de texto de assessores do ministro que indicariam o uso “fora do rito” do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para avançar o inquérito das fake news STF.

“O gabinete do ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inquérito (INQ) 4781 (Fake News) e do INQ 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições”, diz a mensagem.

“Sempre com ciência à Procuradoria Geral da República”

A defesa do gabinete de Moraes, que ignora o uso de mensagens de WhatsApp nos procedimentos de investigação, indicados pela reportagem da Folha, segue assim: “Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais”.

“Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República”, segue a nota.

As mensagens publicadas pela Folha abrangem o período de agosto de 2022, já durante a campanha eleitoral, e maio de 2023, quando a PGR era comandada por Augusto Aras, indicado em 2019 e reconduzido em 2021 por Jair Bolsonaro.

“Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”, finaliza a nota.

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