
Alimentação, hábitos, genética: o que explica o aumento de casos de câncer de intestino
Por Por Estadão/Saúde - em 1 minuto atrás 1
O câncer colorretal ocupa hoje a terceira posição entre os tipos de tumor mais frequentes no mundo. Nos últimos anos, entretanto, estudos internacionais apontam para um crescimento da incidência da doença também em indivíduos com menos de 50 anos, apesar de o envelhecimento ser um dos principais fatores de risco para a doença.
Embora ainda não exista consenso científico sobre as razões desse aumento, estudos internacionais sugerem que fatores relacionados ao estilo de vida moderno podem estar entre os principais responsáveis.
Nos Estados Unidos, em 2022, foram diagnosticados mais de 20 mil casos de câncer colorretal de início precoce. Tendência semelhante foi observada também em países como Austrália, Canadá, Japão e diversas nações europeias. O alerta global reforça a necessidade de ampliar a conscientização sobre causas e medidas de prevenção.
Segundo o oncologista clínico Tulio Pfiffer, do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, a forma como vivemos e nos alimentamos pode aumentar ou diminuir o risco desse tipo de tumor.
Ele observa que alguns dos fatores de risco associados ao câncer colorretal estão cada vez mais presentes na vida dos jovens, o que aumenta as chances de aparecimento do câncer mais cedo.
Fatores de risco: não modificáveis e modificáveis: Embora a ciência ainda não tenha uma resposta clara sobre as causas do aumento de câncer colorretal entre jovens, especialistas explicam que há dois grupos de fatores de risco. O primeiro inclui fatores que não podem ser modificados, como a idade, o histórico familiar de câncer colorretal e a presença de doenças inflamatórias intestinais crônicas, como a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa.
Essas condições aumentam significativamente a chance de desenvolvimento da doença. “Se uma pessoa tem um familiar com histórico de câncer de cólon, esse risco existe e não há como mudar isso”, ressalta Pfiffer.
Entre as condições hereditárias, a síndrome de Lynch é a mais associada ao câncer de intestino. Nesse caso, o processo de desenvolvimento do tumor é muito mais rápido, podendo surgir em apenas um ou dois anos.
Segundo Abraão Dornellas, oncologista do Instituto Vencer o Câncer, pacientes com síndrome de Lynch precisam iniciar a colonoscopia em idades muito jovens, por volta dos 20 anos, e realizar o exame anualmente, um acompanhamento diferente do que é feito em pessoas sem histórico familiar, para quem o exame deve ser iniciado aos 45 anos.
Já entre os fatores de risco modificáveis, aqueles que podem ser evitados com mudanças de hábitos, estão dieta rica em carne vermelha e ultraprocessada, obesidade, sedentarismo, tabagismo e consumo excessivo de álcool. “É fundamental evitar salsicha, linguiça, bacon, presunto, peito de peru, frituras e excesso de gordura”, reforça Pfiffer.
A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) classifica carnes processadas e bebidas alcoólicas como cancerígenas para humanos (Grupo 1), e a carne vermelha como provavelmente cancerígena (Grupo 2A).
O diretor executivo e científico do Hospital de Amor, em Barretos, Rui Reis, explica que, durante o metabolismo desses alimentos, são produzidas substâncias que têm potencial carcinogênico e podem danificar as células do intestino.
A influência da microbiota intestinal: Nos últimos anos, a ciência tem investigado também o papel da microbiota, conjunto de bactérias que habitam o intestino, no surgimento do câncer colorretal. Para Flora Lino, pesquisadora do Instituto Nacional de Câncer (Inca), um desequilíbrio nessa comunidade de microrganismos pode favorecer processos inflamatórios e até a produção de toxinas capazes de alterar o DNA das células intestinais.
“Quando há um desbalanço entre bactérias benéficas e nocivas, pode ocorrer supercrescimento das bactérias ruins em determinadas regiões, o que facilita a ocorrência do câncer”, detalha.
Um estudo publicado na Science aponta o impacto da microbiota também nos tratamentos. Pacientes que não respondiam à imunoterapia no câncer avançado passaram a reagir após transplante de fezes e mudança da microbiota.
Segundo Reis, a alimentação é um dos fatores centrais nessa regulação. “Nunca existe espaço vazio no intestino, sempre haverá bactérias ocupando. O que muda é se são bactérias boas ou ruins, e isso é muito influenciado pela dieta”, afirma. De forma geral, uma dieta rica em fibras ajuda na manutenção de uma microbiota saudável.
Hábitos de vida, prevenção e conscientização
A mudança de estilo de vida aparece como ponto central na fala de todos os especialistas entrevistados. A prevenção do câncer colorretal deve se apoiar em dois pilares: o controle dos fatores de risco modificáveis – manter peso adequado, praticar atividade física regular, evitar álcool em excesso, tabaco, carnes vermelhas e processadas – e o rastreamento populacional por meio de exames que possam identificar pólipos pré-cancerígenos e removê-los antes que eles se transformem num tumor maligno.
Uma pesquisa publicada em 2024, com mais de 540 mil mulheres no Reino Unido, apontou que o consumo de leite, iogurte, grãos integrais, frutas, cereais matinais, fibras, magnésio, folato e vitamina C foi associado a menor risco de câncer colorretal. Por outro lado, a ingestão de carne vermelha e processada mostrou correlação com mais casos da doença. O Instituto Nacional de Câncer recomenda o consumo máximo de 500 gramas de carne vermelha cozida por semana.
O consumo de frutas, verduras, legumes, nozes e alimentos ricos em fibras protegem a saúde intestinal. Os grãos integrais, por exemplo, aumentam o volume das fezes, reduzem o tempo de trânsito intestinal e diluem substâncias cancerígenas, diminuindo o tempo em que ficam em contato com o cólon. A Organização Mundial da Saúde recomenda o consumo de 25 gramas de fibra por dia para pessoas acima de 10 anos.
O rastreamento por colonoscopia é outro ponto essencial. A Sociedade Americana de Câncer recomenda que pessoas sem histórico familiar iniciem o exame a partir dos 45 anos, enquanto indivíduos com fatores hereditários devem começar ainda mais cedo (dez anos antes da idade em que o familiar foi diagnosticado).
Um conceito fundamental para compreender a evolução da doença é a chamada sequência adenoma-carcinoma. A maioria dos tumores colorretais se origina a partir de pólipos intestinais, que inicialmente apresentam alterações leves nas células até evoluírem para câncer invasivo, um processo que pode levar até dez anos.
A detecção e a remoção desses pólipos por meio da colonoscopia é, portanto, uma das medidas mais eficazes tanto para prevenção quanto para diagnóstico precoce.
“A colonoscopia é completa: permite diagnosticar, biopsiar e até tratar em alguns casos iniciais, removendo pólipos antes que se transformem em tumores”, explica Pfiffer. O teste de sangue oculto nas fezes também é utilizado, mas tem menor sensibilidade e especificidade.
O alerta também é de ordem social. Para Howard Ribeiro, pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC) e bolsista de produtividade do CNPq, é fundamental que a conscientização chegue às famílias e às escolas desde cedo. “São escolhas aparentemente banais, como colocar presunto no lanche da criança, mas que, somadas ao longo do tempo, trazem consequências graves”, destaca.
A influência genética e a diversidade da população brasileira
Um novo estudo brasileiro sugere que a genética também pode ter um papel no aparecimento do câncer colorretal. A pesquisa, publicada no JCO Global Oncology, periódico da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, fez uma análise genética de quase dois mil voluntários com e sem câncer entre os anos de 2001 e 2020.
Ribeiro explica que cada tumor é único porque carrega mutações específicas, mas também porque reflete a carga genética do indivíduo com a doença. “Nós já nascemos com características genéticas que estão associadas ao risco de determinadas doenças. Esses fatores, isoladamente, não são determinantes, mas podem aumentar a chance quando se somam a hábitos não saudáveis, como obesidade, sedentarismo, tabagismo ou má alimentação”, ressalta.
No estudo, os pesquisadores observaram que variantes genéticas descritas em estudos europeus como associadas ao risco de câncer colorretal não são necessariamente válidas no contexto brasileiro.
Entre 35 variantes avaliadas no estudo, somente quatro apresentaram associação significativa em brasileiros, sendo duas ligadas ao aumento de risco e duas com efeito protetor. Genes apontados como fatores de risco em europeus mostraram efeito protetor na população brasileira.
O painel de 46 marcadores utilizado em Barretos classifica cada indivíduo de acordo com quatro principais ancestralidades: europeia, africana, ameríndia e asiática. O estudo encontrou indícios de que uma menor porcentagem de ancestralidade africana e asiática no genoma brasileiro poderia estar associada a maior risco de câncer colorretal, embora o pesquisador reforce que mais pesquisas são necessárias para confirmar essa hipótese.
A pesquisa aponta ainda para um campo em crescimento: a medicina de precisão. Em vez de tratar o câncer colorretal de forma uniforme, a proposta é adaptar prevenção, rastreamento e tratamento às características genéticas e ambientais de cada paciente. Segundo o pesquisador, esses resultados reforçam a importância de investigar se protocolos internacionais podem ser aplicados de forma idêntica no Brasil, ou se há necessidade de adaptações considerando a diversidade genética da população.