
STF se arma contra anistia geral e pode aceitar acordo light com o Congresso
Por Por Ana Carolina Curvello - em 2 minutos atrás 1
Em resposta a uma possível anistia geral para os condenados pelos atos de 8 de janeiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se movimenta para barrar a medida. A avaliação interna e de especialistas é de que, mesmo se aprovada pelo Congresso, a anistia dificilmente passaria pelo crivo dos ministros do STF. Em paralelo alguns ministros do STF e senadores trabalham nos bastidores para tentar transformar o projeto de anistia ampla, geral e irrestrita em uma diminuição de penas para manifestantes que participaram dos protestos que não inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ministros do Supremo consideram a proposta inconstitucional, uma vez que crimes contra o Estado Democrático de Direito não poderiam ser perdoados. A posição consta em declarações de ministros.
O ministro Alexandre de Moraes enfatizou durante o julgamento de Bolsonaro: “Não cabe indulto pelo presidente, não cabe anistia pelo Congresso e não cabe perdão judicial pelo Poder Judiciário em crimes contra a democracia, crimes que atentem contra o Estado Democrático de Direito, crimes que atentem contra as cláusulas pétreas da Constituição”, declarou.
O ministro Flávio Dino sinalizou que a Corte tem maioria para barrar no STF uma proposta de anistia. Ao votar pela condenação, destacou que crimes contra a democracia, pela jurisprudência do Supremo, não são “perdoáveis”.
Esses ministros argumentam com um caso recente: o episódio do ex-deputado Daniel Silveira, beneficiado em 2022 por um indulto concedido pelo então presidente Jair Bolsonaro. Em 2023, o STF declarou a medida inválida, com a maioria seguindo o voto da então ministra Rosa Weber. Ela argumentou que o decreto presidencial violava os princípios da impessoalidade e da moralidade, já que em sua opinião fora editado exclusivamente para proteger um aliado político condenado. Esse precedente, segundo a avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem, pesa diretamente sobre o debate atual.
O ministro aposentado Celso de Mello, decano do STF até 2020, reforçou a posição da Corte em entrevista ao Globo. Ele lembrou que o tribunal já consolidou jurisprudência segundo a qual atos de clemência — graça, indulto e anistia — podem ser submetidos a controle judicial. Para o ex-ministro, a proposta em discussão no Congresso viola a separação de Poderes e afronta a Constituição por tentar beneficiar quem atentou contra o Estado Democrático de Direito.
Celso de Mello destacou ainda que a iniciativa equivale a transformar o Legislativo em uma espécie de “órgão revisional anômalo” das decisões do Supremo, o que considera institucionalmente inaceitável.
Apesar da postura dura, há um caminho para o diálogo. Alguns ministros aceitam uma saída intermediária para os condenados do 8 de Janeiro: a chamada anistia light, segundo duas fontes ligadas à cúpula do STF, que pediram para não ter os nomes revelados por tratarem de assunto sensível.
A proposta, sugerida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), não incluiria Jair Bolsonaro e criaria uma nova categoria penal para enquadrar quem foi considerado massa de manobra. Se aprovada, ela reduziria penas por meio da reclassificação jurídica, sem extinguir todos os processos.
Já a anistia ampla, geral e irrestrita, defendida pelo PL, é vista pelos ministros como afronta direta ao Judiciário. Esse modelo encerraria inquéritos em curso desde 2019 — das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos — e perdoaria investigados ainda não julgados.
A reportagem apurou que o avanço da anistia vem sendo discutido entre os parlamentares e os ministros Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino, que integram a Primeira Turma do STF. Senadores e esses ministros do Supremo trabalham para que prevaleça uma alternativa ainda sem texto conhecido, que excluiria Bolsonaro e apenas reduziria penas para outros réus, o inverso dos projetos de anistia ampla.
Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes usou o início do julgamento do Bolsonaro para advertir: “A História nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação”.
O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, tem feito ponderações em duas frentes. Segundo Barroso, a anistia antes de julgamento é juridicamente impossível, mas reconheceu que, após condenações, o tema se torna “uma questão política”. Ainda assim, em discurso no Rio, classificou o processo como oportunidade de romper com o “ciclo de atrasos institucionais” do Brasil, marcado por golpes e contragolpes.
STF terá que ser provocado para declarar anistia inconstitucional
Na avaliação de Rócio Barreto, analista de risco político, “o STF pode ser provocado a se manifestar através de ação direta de inconstitucionalidade, ou outro instrumento, caso a anistia seja entendida como violação de princípios constitucionais”.
O analista disse que, embora o texto apresentado seja conhecido e de caráter político, o STF pode avaliar que o projeto “afronta a questão constitucional da separação dos poderes, o princípio da moralidade administrativa e a ideia de responsabilidade do agente público”. Nesse sentido, ele afirmou que a Corte teria espaço para declarar a inconstitucionalidade do texto de forma total ou parcial, o que poderia “colocar em dúvida não só o projeto, mas também a força política do Congresso para aprová-lo”.
Barreto ainda destaca que a anistia “pode abrir espaço para uma nova fase de enfrentamento institucional, ampliando a questão da instabilidade”. Segundo ele, o STF pode ver o projeto de lei como uma tentativa de deslegitimar decisões judiciais já consolidadas. No cenário atual, isso pode gerar uma crise institucional entre os três poderes.
O jurista Fabricio Rebelo também avalia que o STF pode considerar o projeto de lei inconstitucional e retirar sua vigência, se for questionado. “Todo ato normativo pode, em tese, ser questionado junto ao Poder Judiciário, o que faz com que a última palavra seja dele”, disse.
Rebelo menciona como exemplo o caso do indulto ao Daniel Silveira. “Embora tenha sido um ato do Executivo, é uma clara demonstração de que, se o STF não concordar, pode cassar determinações dos outros poderes”. Ele complementa que o equilíbrio entre os poderes depende da “autocontenção do Judiciário para não invadir as atividades dos outros”. “Se essa autocontenção não for respeitada, a independência entre os poderes se torna uma ficção, e o Judiciário fica em um patamar superior ao Executivo e ao Legislativo”.
STF pode usar emendas como “chantagem” para barrar anistia
O embate entre os Poderes pode ir além da discussão jurídica e entrar no campo da política. Para além de declarar a anistia inconstitucional, o STF pode recorrer a um trunfo que tem nas mãos: a revogação das emendas parlamentares — que transferem verbas do Orçamento para as bases eleitorais dos parlamentares. O tema já é objeto de ações relatadas pelo ministro Flávio Dino, que em agosto de 2024 chegou a suspender os pagamentos por falta de transparência nas indicações.
O analista político Alexandre Bandeira avalia que, caso o STF reaja contra a anistia interferindo nas emendas, o ato será considerado uma “chantagem” – porque a decisão não será sobre a matéria, mas sobre uma outra pauta”.
“Se o STF usar as emendas parlamentares como coringa na mesa de negociação, pode soar como chantagem. O Congresso pode responder na mesma moeda, pautando temas como supersalários e férias de 60 dias no Judiciário. A disputa perde caráter técnico e entra no campo da retaliação”, declarou.
Anistia não pode ser barrada pelo STF por ser ato político e não jurídico, diz defesa de réus
Na visão de advogados que atuam na defesa de presos do 8 de Janeiro, o Supremo não teria legitimidade para barrar um eventual perdão legislativo. O criminalista Geovane Veras, que representa 41 acusados, sustenta que a anistia é “ato político e não jurídico” e, portanto, não seria passível de revisão pelo Judiciário.
Segundo ele, o controle de constitucionalidade nesse caso configuraria invasão de competência exclusiva do Congresso, “que possui legitimidade popular para aprovar a lei de anistia”. Veras também afirma que não vê risco de agravamento na relação entre os poderes caso a proposta avance, já que a Constituição prevê mecanismos de equilíbrio, como os freios e contrapesos. Para o advogado, “está passando da hora de o Senado exercer o seu papel de conter os excessos de alguns ministros do STF, que rasgaram a Constituição, fazendo interpretações de acordo com a conveniência de cada um”.