Aumenta-nos a fé

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A fé, é com toda certeza, o motivo dominante da Palavra proclamada na liturgia de hoje. Fé, não no sentido de verdades abstratas nas quais devemos acreditar, mas atitude fundamental diante de Deus e das situações da vida.

Sob este aspecto, tem um significado particular o fragmento de Habacuc (cf. Hab 1,2-3;2,2-4) lido hoje.

O profetismo foi muito importante para manter a esperança do povo no Deus da misericórdia e paciência. O Deus de Israel as teve constantemente com o povo escolhido. Historicamente Israel paga suas infidelidades à Aliança por ir “atrás de outros deuses”.

Os povos, como os caldeus que invadem “a vinha do Senhor” são os instrumentos dos quais se serve o Senhor para fazer o povo compreender seu afastamento da Aliança.

O profeta não fala ao povo, fala diretamente ou se queixa a Deus e lhe pede explicações pela surdez que demonstra ante as injustiças, o morticínio geral, que vê no povo.

Mostra a fé como resposta misteriosa e, no entanto, a única em que se pode confiar perante as injustiças e as violências do mundo, assim como face ao aparente silêncio de Deus.

“Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: Violência, sem me socorreres? Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade?…” (Hab 1,2-3).

Frequentemente temos também esta mesma atitude diante do Senhor. Os tempos estão difíceis para a fé. O secularismo galopante invade tudo.

O cristão vive hoje num mundo secularizado ou dessacralizado do qual Deus está ausente, que vive e se organiza sem Ele, que prescinde dele. Haverá ainda lugar para o testemunho de fé em nossa realidade?

Habacuc é um profeta em tempo de miséria e desolação, sua palavra ressoa hoje em nossos ouvidos como um aviso de que se convertemos a religião em um ídolo, ele não nos pode salvar. O disse bem claro:

“Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2,4), quer dizer, a vida do justo depende de em quem ele põe sua confiança. Esta confiança ou fé transforma sua vida e pode experimentar que nada há de impossível, tudo se enfrenta com segurança.

Portanto, é mais do que nunca atual o pedido que os Apóstolos fazem a Jesus: “Aumenta em nós a fé!” (Lc 17,6) Este pedido revela, sem dúvida, uma situação vacilante dos Apóstolos ou da comunidade cristã em que se gerou os evangelhos;

Que os Apóstolos sofreram crise de fé é evidente lendo os evangelhos. Depois da prisão de Jesus no Horto das oliveiras, os Apóstolos abandonam Jesus e fogem amedrontados. Pedro chega até a negá-lo. Talvez o testemunho mais claro da crise de fé que sofreram os apóstolos, depois da morte de Cristo na Cruz, o encontramos na cena dos discípulos de Emaús (Lc 24).

A crise atual não é apenas de fé ou religiosa, é também uma crise humana. A descrença estende-se a todo programa político, social e econômico. Surge o desencanto, o ceticismo e a indiferença. Situação de crise é frequente na vida de qualquer pessoa ou comunidade cristã.

Nunca foi fácil acreditar, a dúvida parece fazer parte do esquema existencial das pessoas. Como reagir diante desta grande crise de fé que estamos vivendo? Reconhecendo que os cristãos não temos todas as respostas às grandes perguntas de nosso tempo.

Respondamos com um comportamento digno e religioso, humilde e compreensivo, tratando de imitar, em nossa relação com Deus e com o próximo, sempre ao que para nós é a verdade, o caminho e a vida, Jesus de Nazaré. E lhe digamos com fé, humildade e esperança: “Senhor, aumenta-nos a fé!”

Em vez de responder aos Apóstolos diretamente. Jesus comenta simplesmente: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’, e ela vos obedeceria.” (Lc 17,6) Os discípulos pedem quantidade, mas Jesus fala de qualidade; bastaria um pouco de fé desde que fosse verdadeira.

Jesus convida seus discípulos e a nós a não pensar a fé em termos de grandeza quantitativa. A fé não é uma experiência que se pode medir em quantidade, mas em qualidade.

Bastava-lhes e a nós a fé como um pequeno “grão de mostarda”, mas que fosse verdadeira e confiante porque nessa pequenez há muita qualidade na qual se pode sem dúvida confiar verdadeiramente em Deus.

A força da fé não depende da grandeza, mas sim do seu ponto de apoio que é Jesus. Pedir que Jesus a faça crescer já é expressão de fé, estima do seu valor, consciência da própria impotência.

Jesus Cristo, é precisamente a base humana para uma fé adulta. Será sempre razoável confiar em Deus; mas temos de cultivar e viver uma fé a crescer em cada etapa da nossa vida, porque temos que dar sempre respostas novas a problemas novos.

Com isto não se muda o conteúdo da fé, mas a vivência da mesma. A fé não se reduz a um mero conhecimento teórico ou abstrato de verdades reveladas por Deus.

A fé é um dom de Deus que temos que pedir constantemente para nós e para os outros. Temos que fazer nosso o pedido dos Apóstolos a Jesus: “Aumenta-nos a fé!” Assim é como a fé nos ajuda a dar sentido a nossa vida e a tomar postura ante os acontecimentos que nos rodeiam.

É uma verdadeira fé, grande ou pequena, mas comprometida não só um tempo, mas sim em todo momento e circunstância de nossa vida, em casa, no trabalho, na rua, nos momentos alegres ou nos momentos de dificuldade e tristeza.

É a fé que não nos isola do mundo, mas sim que nos ajuda de uma maneira comprometida a realizar o projeto de Deus, porque o cristão vive na fé e no amor a Jesus Cristo.

A fé que move árvores ou montanhas deve mudar muitas coisas. A comparação de que, pela fé, se arranca ou se transplanta uma árvore de grande porte, com raízes fortes e profundas, que ninguém consegue arrancar, afirma Jesus é a fé que consegue realizar aquilo que aos olhos humanos parece impossível. A fé tem a capacidade de transformar as situações mais absurdas.

A fé não é um ato nem uma serie de atos, mas sim uma atitude pessoal fundamental e total que influi em toda nossa existência. Deus é o que faz que seja possível essa atitude. Não podemos atribuir-nos nenhum mérito diante de Deus.

Não se trata de ter Deus a nosso serviço, mas sim que temos de nos por plenamente a serviço de Deus com humildade: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10).

Assim é como viveremos a fé como algo recebido gratuitamente de Deus e como algo que nos ajuda a não roubar a glória de Deus com nossa atuação.

“Reavivaremos a chama do dom de Deus” (2Tm 1,6). Não nos envergonharemos de “dar testemunho de nosso Senhor” e de “tomar parte nos duros trabalhos do Evangelho” (2Tm 1,8). Assim é como iremos construindo um mundo melhor onde apareça por toda parte os sinais do Reino de Deus.

Façamos o que o Senhor espera de nós. Já é de bom tamanho sermos considerados dignos de poder colaborar com aquele que disse: “Estou no meio de vós como aquele que serve!” (Lc 22,27).

Padre Assis