Oração instrumento de transformacão

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Neste segundo Domingo da Quaresma acompanhamos Jesus que sobe com três de seus discípulos a uma montanha para rezar (cf. Lc 9,28b-36). São Lucas não fala de “transfiguração”, mas descreve o que aconteceu a Jesus: “enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou branca e brilhante.” (v. 29)

A montanha, assim como o deserto é também lugar da experiência do encontro com Deus na Sagrada Escritura: O monte Sião é o lugar do Templo; o monte Sinai, o lugar de encontro de Moisés com Deus (Ex 34); o monte Horeb, o lugar do encontro do profeta Elias com Deus (1Re 19,11-13); e hoje… o monte Tabor, a montanha onde Jesus se transfigura.

Na realidade tudo aconteceu “enquanto Jesus rezava”, só a partir da oração, entende Lucas, é possível vislumbrar o que acontece na sua alma.
Para o evangelista Jesus é o “orante do Pai”. A cena da transfiguração o configura com um “homem” que ora intensamente a Deus, para que não lhe faltem as forças em sua ida a Jerusalém. A transfiguração quer ser uma preparação para a hora decisiva que a espera Jesus.

Meditando este trecho do Evangelho, podemos tirar dele um ensinamento muito importante. Antes de tudo, a primazia da oração, sem a qual todo o compromisso do apóstolo e da caridade se reduz a ativismo. Na Quaresma aprendemos a reservar tempo para a oração pessoal e comunitária, que dá alivio à nossa vida espiritual.

Há tantos tipos de oração como pessoas orantes, embora tradicionalmente falemos de oração vocal e oração mental, oração de louvor e oração de súplica, oração comunitária e oração pessoal, etc. A oração é a melhor maneira que temos para nos comunicarmos com Deus e sem oração não há propriamente religião, ou melhor, expressão religiosa.

A oração transfigura nossa vida e transforma nossa conduta. A oração deve terminar sendo sempre um instrumento de transformação e transfiguração. Uma oração que não nos mude por dentro tem pouco sentido e pouco valor. A oração deve ser sempre um ato de comunhão e comunicação com Deus, porque na oração de alguma maneira somos habitados por Deus.

Na oração de contemplação, quando nosso corpo silencia e se faz escuta, é como “uma casa serenada”, pacificada, então fica aberta ao infinito, nosso corpo mostra-se como alma. O corpo de Jesus se transfigurou quando entrou no silêncio, na oração contemplativa.

Não oramos tanto para que Deus nos escute a nós, mas para que nós escutemos a Deus. Na oração devemos pedir que Deus nos transforme, não que Deus se transforme em nós. Oramos para que nós sejamos capazes de aceitar a vontade de Deus, não para que Deus se adapte e faça nossa vontade.

Uma pessoa orante deve, além disso, manifestar em sua vida ante os outros que é uma pessoa habitada por Deus, imagem de Deus, filho de Deus. A oração, além de ter uma função transformadora de nosso eu pessoal, deve ter uma função evangelizadora ante os outros. A oração deve transformar-nos por dentro e transformar-nos por fora diante dos outros. Assim é como viram os apóstolos a Jesus, quando Ele orava.

A oração torna-se cada vez mais importante na agitação do mundo atual. Temos que descobrir como “subir a montanha”, criar espaços, dar tempo para sentirmo-nos mais profundamente na presença e habitados por Deus e renovarmos assim, nossas forças nas lutas da vida. Porque a oração mais que falar com Deus é, sobretudo, escutá-lo, escutar o que quer de mim, escutar por onde tenho que ir, quais são os caminhos para mim.

A oração é ajuda para viver em fidelidade o projeto que Deus tem para mim. E Jesus busca a oração e nela encontra forças para seguir o caminho para Jerusalém, apesar do que ali o espera, porque sabe que ao final triunfará o bem sobre o mal. No fundo, a transfiguração é um sinal para os discípulos, para que saibam que, apesar das dificuldades que venham a passar seu Mestre, não percam a esperança nem a confiança em Deus.

Quaresma é tempo de subir a montanha do encontro com Deus, é tempo privilegiado de oração, para não nos isolarmos, mas tomarmos consciência das situações problemáticas e dramáticas de nossa vida e para rezar por nós, pelos outros e juntamente com os outros.

“Mestre, é bom estar aqui. Façamos três tendas…” (v.33) Parece que Pedro e seus companheiros não compreenderam o que estavam experimentando. Pedro se move na mesma linha em que se movia o “tentador” do domingo passado, das tentações de Jesus. Hoje falamos da tentação de Pedro. Ele deseja perpetuar esse momento. Por isso quer fazer três tendas a fim de que fiquem ali, extasiados, ausentes de tudo o que lhes rodeia, esquecidos inclusive de si mesmos, dispostos a estar olhando aquela aparição celestial por toda a eternidade.

O desejo de Pedro era um desejo muito humano: se se estava tão bem ali, para que iam descer a montanha, lutar contra tantas adversidades que lhes esperavam? Mas tinham que escutar Jesus, “o amado do Pai”, e Jesus lhes diz que devem descer e seguir o caminho para Jerusalém. Jesus sabia muito bem que em Jerusalém lhe esperava a paixão e a morte, mas também sabia que a paixão era o caminho necessário para a ressurreição. O Tabor não se explica sem o Calvário. Como a cruz não se explica sem a ressurreição.

O cristão precisa contemplar a cruz com os olhos fixos na ressurreição. Pela cruz à luz. Pedro e os outros apóstolos, no entanto não entendiam isto, o entenderiam depois. Aceitemos cada um de nós nossas pequenas cruzes, nosso calvário e paixão, sabendo que só desta maneira poderemos escalar a montanha da ressurreição gloriosa.

De certo modo, nós também somos como Pedro. Não entendemos bem, mas começamos mais uma vez a Quaresma. Assim como experimentamos em nossa espiritualidade momentos de “deserto”, também devemos experimentar momentos de “Tabor”, de estar na montanha com Jesus. Momentos de contemplação, de intimidade com Deus, de escuta da voz do Senhor, de oração, de meditação, de paz interior.

Nosso Tabor é a oração, porque nela está Cristo que ora em nós. Na oração, quando deixamos o Espírito orar em nós, a sua vida se torna a nossa vida. Todos nós precisamos, para termos forças de enfrentarmos nossas contradições, nossas crises e carregarmos nossas cruzes, de intensos momentos de oração, de intimidade com Deus. Escutemos a Jesus o Filho amado do Pai, o Escolhido.

Padre José Assis Pereira