A FAMÍLIA MACEDO DE PICUÍ

Por Álisson Pinheiro - em 3 semanas atrás 31

“Dá-se importância aos antepassados quando já não temos nenhum. “

        (F. Chateaubriand)

Existem famílias que se confundem com os lugares onde a descendência se multiplicou por muitas gerações. Este fenômeno tornou-se corriqueiro no grande Seridó, como podemos constatar pelos topônimos Carnaúba dos Dantas e Timbaúba dos Batistas. Mais discretos são os vínculos das famílias Azevedo, Galvão, Venâncio e Cordeiro, com as cidades de Jardim do Seridó, Currais Novos, Cuité e Pedra Lavrada, respectivamente.

Em Picuí algumas estirpes se destacaram, mas pouquíssimas alcançaram a dimensão da família Macedo. Por isso é importantíssimo decifrar a trajetória do casal que deu início à linhagem, porque é raro que alguém das “bandas de cá” não tenha um traço dessa herança genética, tal é a imensidão dos seus descendentes.

O antepassado mais remoto da família provém do Arquipélago dos Açores, um imigrante que depois de passar por Recife veio viver na cidade de Pombal. Um dos seus filhos foi Francisco de Arruda Câmara, que aumentou ainda mais a riqueza do clã, vindo a se tornar a maior autoridade do lugar, em um tempo que Pombal exercia a liderança inconteste sobre uma vasta área que abrangia Cuité e Picuí.

Contudo, o sobrenome Macedo veio do lado paterno, porque no século XVIII o patriarcalismo dominava. Antônio Ferreira de Macedo (pai) nasceu numa propriedade nas margens do rio Curimataú, mas seus genitores eram pernambucanos ilustres que mereceram a citação na célebre obra “Nobiliarquia Pernambucana” de Borges da Fonseca.

O grande prestígio que cercava a família Arruda Câmara facilitava a posse das terras devolutas ofertadas pela Coroa Portuguesa. Assim que é fácil localizar diversas cartas de sesmarias em seu nome. Desses títulos, importantíssimos para o Seridó Oriental Paraibano foram as concessões n. 235 e 242, de 1734 e 1735, ambas obtidas pela família Arruda Câmara, destacando-se a que se tornou a sede da fazenda Serra Branca, vasta ao ponto de começar no Riacho dos Porcos, em Pedra Lavrada, até o atual município de Cubati.

Décadas depois, esta imensa gleba foi transferida, como dote de casamento, para os recém-casados Ana de Arruda Câmara e Antônio Ferreira de Macedo.  Os trágicos acontecimentos assinalados durante a Revolução Francesa, coincidiram com a união do casal. Contudo, provavelmente eles estavam alheios a tais fatos, pois cuidavam da construção de uma habitação senhorial, a notória casa grande da fazenda Serra Branca, cujos vestígios podiam ser avistados até recentemente.

Assim, na Fazenda Serra Branca, nas proximidades de Pedra Lavrada, Ana e Antônio iniciaram a jornada familiar que iria resultar numa imensa descendência cujos reflexos iriam repercutir nos séculos seguintes.

Dos muitos filhos que nasceram na casa grande, três se destacariam: Estevão José da Rocha, Vicente Ferreira de Macedo e Antônio Ferreira de Macedo (filho). Estevão escolheu Bananeiras para viver e se tornou tão rico que recebeu o título de Barão. Vicente permaneceu em Pedra Lavrada, herdando a Fazenda paterna e Antônio veio para Picuí tomar posse da fazenda Umburanas, de onde nunca mais saiu.

Um dado pouco comentado é que eles eram sobrinhos do famoso cientista Manuel de Arruda Câmara e do deputado nas Cortes de Lisboa, Francisco de Arruda Câmara Neto, irmãos de Ana, pessoas das mais importantes e notórias nos anos finais do Brasil colônia. Eles estudaram na Europa e se formaram em medicina, embora tenham se destacado em diversas áreas do saber.

Manuel de Arruda Câmara obteve a imortalidade através dos seus trabalhos científicos iniciados na Europa e continuados no interior nordestino, onde foi pioneiro no estudo do bioma da caatinga. Residia em um convento em Goiana porque também era monge carmelita. Assim, embora viesse sempre a sua Paraíba natal e viajasse por todo Nordeste, ocupando-se dos estudos de botânica, foi em Goiana que ele escreveu seus livros e teve notória atuação política no tempo da Independência. Sua fama é imorredoura, sendo considerado um dos grandes cientistas brasileiros de todos os tempos, e por isso é que no presente dá nome a ruas, escolas e ao parque zoobotânico mais antigo da capital paraibana (o parque Arruda Câmara).

Se Manuel de Arruda Câmara não gerou filhos, os seus sobrinhos criados na Fazenda Serra Branca formaram famílias imensas. Como era praxe no passado, muitos primos casaram entre si, como Antônia Ferreira de Macedo (filha de Antônio, o filho) e João Clementino da Rocha (filho de Estevão, o Barão de Araruna), dando origem aos Macedo de Cuité. Também Manoel Lucas de Macedo (filho de José e neto de Antônio) se consorciou com Teresa da Conceição Macedo (neta de Vicente). É uma lista imensa de casamentos entre parentes, fato comum numa época de escassa mobilidade.

Durante todo o século XIX e primeira metade do século seguinte, os Macedo quase que monopolizaram o poder político em Picuí, mas não faltaram estranhamentos entre os primos. O escritor francês Jean de La Bruyère escreveu que “o interior das famílias é muitas vezes perturbado por desconfianças, ciúmes e antipatias”. Essa reflexão tem muito sentido, como comprova a animosidade entre os parentes Manuel Lucas e Antônio Xavier.

Antônio Xavier é neto de Vicente e, portanto, primo de Manoel Lucas, filho que era de José Ferreira de Macedo. Os dois também eram cunhados, já que Manoel Lucas se casou com a irmã de Antônio Xavier. Este se radicou em Picuí, tornando-se próspero comerciante, político influente e também Coronel da Guarda Nacional. Manoel Lucas, por sua vez, palmilhou um caminho semelhante. A dupla se alternou no poder político em Picuí por quase três décadas e essa disputa afetou inclusive a arquitetura da cidade, pois a rivalidade provocou a construção de dois lindos sobrados que existem até hoje nas ruas Ferreira e João Pessoa.

Difícil catalogar os Macedo que se destacaram, porque são muitos. O Barão de Araruna, Abílio César, Tomaz Salustino (o fundador da conhecida Mina Brejuí de Currais Novos), Manoel Lucas e Antônio Xavier são alguns dos “imortais” da família que nasceram no século XIX. Dentre os que surgiram no século XX, segue visível a presença do humorista Rossini Macedo, o Pastor Ranieri, que atua no Sertão Paraibano e da animadora cultural Fátima Macedo, residente em Curitiba (são tantos que é impossível citar um a um neste espaço).

Já faz tempo que as grandes famílias entraram em declínio, sobretudo pela intensa urbanização das últimas décadas que dificultou a criação dos filhos e fez diminuir as proles. Um autor escreveu que a ausência de crianças ameaça a noção do que achamos ser uma família, pois quando uma sociedade é acuada pelo caos, o que resta no fim não é o indivíduo, mas a família. Que cada um tire as próprias conclusões.

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