A Filarmônica Coronel Antônio Xavier de Macedo de Picuí-PB

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Já são cinco horas da manhã do dia 20 de janeiro na frente da Igreja Matriz e a banda começa a tocar o belíssimo hino de São Sebastião, antes que o sol apareça com seu calor e esplendor. Rojões e foguetes são disparados e os que estão dormindo começam a despertar para a Alvorada; logo o sino da igreja soma-se a delicada sinfonia que deixa os que estão próximos surpreendidos de tanta emoção e os que estão em suas casas de ouvidos atentos, inevitavelmente se comovem, pois a melodia belíssima personifica um ritual que se repete desde que o picuiense nasce e cuja origem se perde no tempo. Logo a banda começa o seu movimento geralmente a partir da Rua Ferreira e um som impecável e harmonioso passa a percorrer as principais ruas da cidade, seguindo-a uma multidão que não para de crescer. A interpretação do “Cisne Branco”, a minha favorita, sempre é memorável!!

Embora a banda toque o ano inteiro nos melhores eventos de nossa terra, é na comemoração da Festa de Janeiro que ela se supera, tanto pela produção quanto pela emoção que o seu som provoca, já que se apresenta até três vezes no dia, começando na Alvorada, encantando nos “giros musicais” e fechando com chave de ouro no final da tarde, prévia fantástica da grande noite que se seguirá, repleta de encontros com amigos, familiares e amores.

O formato atual das filarmônicas é o resultado das guerras napoleônicas, pois nas batalhas, as bandas marciais tinham o papel de organizar a marcha das grandes fileiras de atiradores. Consta que a primeira banda aqui chegou junto com Dom João VI em 1808 e logo sua música caiu no gosto popular, despertando talentos musicais e se espalhando pelo país. Contudo, o seu período áureo aconteceu no final do século 19, no que coincide com a fundação da Filarmônica picuiense, em 1880, por intermédio do Coronel José Ferreira de Macedo, o então político mais importante do seu tempo aqui residente, irmão e aliado do poderoso Barão de Araruna, a maior liderança política que nasceu em todo o Seridó Paraibano.

No tempo da monarquia e um pouco depois, todas as filarmônicas eram criadas e sustentadas pelo fazendeiro ou grupo político mais poderoso. Era uma maneira de demonstrar seu poder e sua riqueza, através do oferecimento de música por ocasião das festas religiosas e cívicas, leilões, enterros, carnaval, campanhas políticas, dentre outros acontecimentos. Assim, a presença de “bandas de música” era o sinal do prestígio e da força do seu mantenedor, tanto que em municípios maiores era comum existirem duas bandas, a da situação e a da oposição. Então, nada mais natural que o Coronel José Ferreira de Macedo quisesse ter a sua própria “banda”.

A partir do Século XX as filarmônicas passaram a ter o formato de sociedade musical, patrocinada pela comunidade, deixando aos poucos de ser um instrumento para angariar votos em eleições e para demonstrar poderio. Foi com esse espírito que a filarmônica picuiense foi revitalizada na década de 1930 quando passou a ter um caráter social mais abrangente e democrático. Essa “virada” aconteceu nos dezessete meses em que o Coronel Antônio Xavier de Macedo foi prefeito municipal (16/12/1937 a 02/05/1939) quando patrocinou com dinheiro do próprio bolso a aquisição de instrumentos musicais, os fardamentos dos músicos e a vinda de um maestro de grande saber, o quase esquecido mestre Celestino.

O Coronel Antônio Xavier era descendente de Vicente Ferreira de Macedo, irmão do fundador de nossa cidade José Ferreira de Macedo. Ele não teve filhos e talvez por isso tenha dedicado toda a sua energia e dinheiro à caridade e à boa política junto aos conterrâneos. Abílio César conta que ele, ao falecer em seu sobrado da Rua Ferreira (nº 2), estava com o patrimônio exaurido de tanto ajudar às pessoas e à comunidade. O trabalho do Coronel Antônio Xavier foi tão profícuo que a filarmônica recebeu o seu nome e o conserva até hoje com muito orgulho.

Vale ressaltar que é quase um milagre que a nossa amada “banda de música” exista há mais de um século, que seja a quarta agremiação em atividade mais antiga do Estado da Paraíba, pois são incontáveis as bandas municipais que duraram pouco, já que as rivalidades políticas sempre lhes foram fatais. Este problema é muito real, tanto que somente há pouco tempo (2019) foi aprovada a garantia do salário mínimo para os seus componentes!!

Grandes músicos passaram por nossa filarmônica ao longo dos seus 140 anos de existência e é triste saber que muitos foram esquecidos para sempre. Se o mestre Celestino teve muita fama na metade do século XX, é do Mestre Alfredo que todos se recordam com veneração, por seu bom caráter e pelo grande conhecimento musical que conseguiu transmitir para muitos conterrâneos. No presente, cabe ao maestro José Carlos dá continuidade a esta tradição, pois deve ser uma responsabilidade “tirana” liderar e conduzir o mais amado patrimônio imaterial de nossa Terra, ainda com a missão de acompanhar e orientar as novas vocações musicais que vão surgindo e que seguirão perpetuando a nossa “banda de música”, agora com o nome pomposo de Filarmônica.

Dentre os músicos inesquecíveis da minha geração, cito Chico Preto que se tornava um titã quando soprava o seu trombone, João Costa com sua batida perfeita no tarol e a beleza que era contemplar a família inteira de dona Teonila em “perfeita harmonia”, mostrando a capacidade que a música tem de unir as famílias e as coletividades, e comprovando uma afirmação de Cervantes, no sentido de que “onde há musica não existe coisa má”. Sim, existem muitas divergências de opiniões na terra do picolé caseiro e da carne de sol, mas há uma unanimidade consubstanciada no amor a sua filarmônica e a tudo que ela representa em termos de cultura e de simbolismo na alma de todo picuiense, aspecto que a conserva sempre “na moda” desde 1880 !!

Alisson Pinheiro