Antônio Henriques Neto, Um Poeta do Nordeste
Por Alisson Pinheiro - em 2 minutos atrás 1
Antônio Henriques Neto, Um Poeta do Nordeste O amor do poeta é maior que o de nenhum homem; porque é imenso, como o ideal, que ele compreende, eterno, como o seu nome, que nunca perece.
(Alexandre Herculano, escritor português)
O sábio Aristóteles criou uma linda definição da poesia: “o impulso do espírito humano para criar algo a partir da imaginação e dos sentimentos”. Isso é verdadeiro, porque foi a partir de sua imaginação atilada e de um sentimento de amor pelo seu torrão natal que Antônio Henriques Neto construiu uma obra poética que se identifica com Picuí e com o Nordeste brasileiro.
Ele nasceu em 1923 na zona rural, sendo o primogênito de uma família de sete irmãos e irmãs. Aprendeu a ler com sua tia Henriqueta e teve a felicidade de ter uma família que amava a poesia e a cultura popular. Foi residir em Picuí com seus avós quando chegou na adolescência. Neste período de formação ele aprendeu a dirigir caminhões, mas também exerceu outras funções, como aprendiz de tipógrafo ou ajudante em posto de combustíveis.
Quando a avó percebeu sua inteligência incomum, ficou preocupada com a educação do neto, pois ainda não existia
escola pública primária em Picuí. A solução encontrada foi enviá-lo para estudar em Esperança que contava com o curso primário e onde residiam parentes.
Sua maturidade coincidiu com a era de ouro da literatura de
cordel (1920-1960). O rádio ainda não exercia grande impacto e as rimas dos folhetos eram a fonte de notícias e de diversão. As feiras livres, como a de Esperança e Picuí que ele frequentou, eram o palco por excelência dos declamadores populares. Não existiam limites para os temas dos cordéis, mas os bons declamadores eram poucos. A sua família, além do amor pela poesia, contava com a grande habilidade do avô na declamação.
Tais recitais devem ter causado profundo impacto na alma do jovem Antônio Henriques Neto, despertando a sua vocação para a poesia.
Ele atingiu a maioridade no tempo da Segunda Guerra Mundial, quando vivia Adolf Hitler. O Brasil declarou guerra aos países fascistas e ele retornou à Picuí para se alistar. Chegou a fazer treinamentos preparatórios para combater em quartéis de João Pessoa e Pernambuco. Foi uma grande confusão da qual escapou por pouco, porque a conflito findou antes que ele embarcasse para a Europa. Quando foi dispensado retornou à Picuí com o intuito de reencontrar Severina, seu grande amor, com quem se casou no ano de 1949. Foram residir em Frei Martinho, onde passaram os dez primeiros anos de casados. Tornou-se vizinho e parceiro do cunhado Fausto Germano, ganhando a vida conduzindo caminhões.
A natureza do trabalho rodoviário, com intervalos para a retirada ou colocação das cargas, fornece tempo livre que ele soube aproveitar bem. Nestes momentos de descanso ele começou a escrever poesia. Assim é que todos esses anos na estrada foram de intensa atividade poética até que chegou o momento que ele precisou parar por questões de saúde, substituindo os grandes veículos por um automóvel particular que ele transformou em táxi. As distâncias de suas viagens encurtaram, mas as pausas continuaram existindo. E nestes espaços ele continuou construindo poemas e o acervo só fazia crescer.
Por muitos anos a sua poesia ficou desconhecida do grande
público. Somente alguns amigos e parentes tinham acesso aos versos, como se fossem joias escondidas. Foi crescendo a pressão de todos para que fossem publicados. Finalmente o seu primeiro livro, o “Poesias dispersas” (1979), veio a luz. Seis anos mais tarde apareceu o “Poesia, Folclore e Nordeste” (1985). No alvorecer do século XXI, foi a vez de a “Voz de um homem rude” (2001). Ele deixou uma obra póstuma, “Sem o Pão da Alma” que saiu em 2022 (parece que existe um farto material poético no seu “quartinho” que pode resultar em mais livros).
Antônio Henriques e neto e o escritor português José Saramago tem algo em comum: ambos só publicaram seus livros depois dos cinquenta anos de idade. A explicação do poeta, quando indagado porque não tivera a coragem de publicar seus versos mais cedo, é um exemplo de humildade. Ele apenas se julgava “sem cultura” e que suas rimas eram “simples demais”!! (os sábios de verdade são humildes, sempre achando que “nada sabem” como declarou há 2.500 anos atrás o grande Platão).
Sua maneira de trabalhar era singular, pois, primeiro escrevia os versos à mão e fazia a revisão enquanto os reescrevia na máquina datilográfica. Além dos versos usando a forma gramatical culta, tinha muita atração pela fala diferente das pessoas comuns do interior que, quando introduzidas no poema, chamamos de “poesia matuta”. Por isso desenvolveu o hábito de copiar os falares regionais que escutava. Muitas vezes, fazia as anotações de maneira discreta, para preservar a espontaneidade do falante.
Os termos que foi anotando ao longo dos anos formaram um
extenso arquivo, bastante utilizado para enriquecer os poemas “matutos” que ia tecendo (estas anotações certamente podem se transformar em um livro precioso sobre o léxico do nosso povo, cujas palavras modificadas ainda no tempo do Brasil Colônia tem se transformado ou desaparecido em contato com a televisão e as redes sociais).
Antes de lançar o primeiro livro, incumbiu seu filho de fazer as correções gramaticais. Tudo se transformou quando recebeu uma gramática de presente, pois começou a estudar as regras da língua portuguesa com tanto vigor que se tornou autossuficiente nas revisões das obras seguintes. Veio a se tornar um excelente conhecedor da Língua pátria.
Além da arte poética, ele dominava a arte de contar “causos”, seguindo uma tradição secular que continua viva na cultura nordestina. Em suas histórias ele imortalizou personagens picuienses do passado, como Ataíde, Martin Doido, Emílio, Chicó Clementino, Aniceto Pereira, Pedro Quenga e Toinho dos Cordões.
Ele próprio encarnou um destes papeis quando recebeu a alcunha de “Tonho do Couros”, inspirado em uma história real (e engraçada) da qual ele foi protagonista involuntário. Esse talento de Antônio Henriques para contar histórias pode ser conferido no áudio “causos e cordel” editado pelo humorista Rossini Macedo, sempre agradecido a quem lhe emprestou o apelido e lhe trouxe inspiração.
Depois que seus poemas foram publicados, sua reputação como homem de letras e de cultura tornou-se notória. Teve o privilégio de ver o seu talento reconhecido em vida e a bênção de uma existência longa e produtiva. Participou de programas de rádio dedicados à cultura sertaneja, deixou um cabedal de entrevistas, recitais e imagens e a marca indelével de ícone da cultura picuiense. A sua poesia se transformou em patrimônio imaterial, objeto de estudos culturais e antropológicos, tanto em salas de aula, quanto em universidades.
Todos estes fatos comprovam que Antônio Henriques Neto foi um homem que nasceu com uma vocação. Seres humanos com tal valor os gregos antigos chamavam de “vate”, pessoa capaz de imergir na cultura que está inserido, de onde extrai poemas e conta histórias cativantes. De fato, ele soube homenagear sua terra em belíssimos versos de um lirismo encantador. Poemas como o “Meu Picuí!, “Falando à Picuí”, “Neste Picuí sertanejo”, “O berço que Deus me deu”, denotam o amor imenso que ele sentia pelas suas origens.
Seu último poema foi para atender ao pedido de um amigo, falando do gado deste, cada rês com o seu nome. Estava rabiscando os versos quando subitamente a caneta e papel caíram de suas mãos, e disse: “Já fiz a poesia”. Assim, seu poema derradeiro ficou incompleto, um protesto sutil da poesia eterna contra a transitoriedade da vida do poeta.
Antes da escrita, dos jornais e das redes sociais, existiu a poesia. O primeiro grande poeta foi Homero que cantou a Grécia e originou a Civilização Ocidental, nossa matriz cultural. Picuí teve o seu Homero na pessoa de Antônio Henriques Neto que cantou e exaltou o seu torrão com amor e beleza inigualáveis.