Eu sei que existe fé em Picuí
Por - em 5 anos atrás 4202
Nos últimos trinta anos o aspecto sócio-cultural do nosso Seridó mudou muito, mas as paixões que nos assaltam sem parar continuam as mesmas, na forma de incerteza econômica, superstição, luto, materialismo, ciúme, inveja, mentira e intrigas, com destaque para a polarização política. Assim, a mistura destes velhos e novos problemas angustiantes é um combustível para o crescimento de muitas igrejas. A realidade é que a razão e o pensamento crítico são elogiados, mas quando aparecem as frustrações naturais da vida a renovação da fé em Deus pode significar um grande alívio. Talvez por causa destes fatores, muitos companheiros presentes na minha infância em Picuí tenham abraçado a fé no Cristo, não sem uma transformação interior admirável.
A fé é a força da vida, já que todos os homens acreditam em alguma coisa. Talvez por isso é que são os ateus uma minoria, pois todo mundo apela para o poder divino nos momentos de perigo. Para os que na juventude afirmavam que céu, inferno e castigos divinos são invenções, a velhice e, junto com ela, as doenças e a proximidade da morte, quase sempre lhes modifica as convicções, como aconteceu com o poeta João Cabral de Mello Neto que retornou ao catolicismo no leito de morte, mesmo tendo passado grande parte da vida dizendo-se ateu.
Porém, toda fé tem que ser sopesada para consolidar-se de maneira benéfica, sob pena de ser interpretada e vivida de maneira ridícula e com graves prejuízos materiais, como observamos a exploração financeira em muitas igrejas pentecostais de recente fundação. Todos pesam as coisas divinas e sempre se aproveitam para diminuí-las em favor de suas balanças pessoais, como aqueles “crentes” que veem como vingança divina certas desgraças que possam ocorrer com não membros ou adversários de suas igrejas, quando coisas boas ou más acontecem com pessoas de todos os credos.
Platão disse “ser mais fácil ser acreditado quando se fala de coisas da natureza divina do que de coisas de natureza humana, haja vista que a ignorância de quem ouve faz com que se convença por meio de argumentos inverificáveis”. Essa afirmação tem muito sentido, uma vez que (não poucos) falsos pastores enganam os fiéis de pouco discernimento, pois suas histórias e interpretações do Divino escapam à razão comum e estas pessoas bem intencionadas ficam sem meios para sair das armadilhas que escondem, por exemplo, a doutrina da prosperidade propalada em algumas igrejas. Ora, a experiência demonstra que a única coisa que pertence mesmo a um homem é a sua opinião, e o que chamam de “patrimônio”, diante da morte e das mudanças que acontecem em qualquer vida, não passa de ilusão !!
A fé, em certo aspecto, pode significar a “consolação dos miseráveis e o terror das pessoas felizes”, como afirmou alguém. Pode ser, pois estes exemplos demonstram que a razão de ser de qualquer fé é trazer uma certeza para o crente, mas que exige algo mais amplo, como um combate sem trégua para ser mantida e não praticada com ódio e exclusivismo. Mas o que se vê comumente é tanta gente adotar uma qualquer interpretação primária das Escrituras e logo condenar a crença alheia que julga não se assentar em nenhum estudo sério.
Diante dessa dificuldade em se encontrar a fé verdadeira, penso que ela deve vir acompanhada da caridade, pois quem hesita no dar/ajudar não está firme no crer, afinal Deus é amor !! A fé deve criar o que não vemos em matéria de solidariedade humana, sob pena de ser estéril e mal direcionada. A pena é que, para muita gente, a fé relaciona-se ao desejo de uma nova vida terrestre, com todos os prazeres e comodidades desse mundo, após a Ressurreição. Seria bom se as pessoas de fé de nossa terra picuiense pensassem nisso no momento de suas orações.
Por Álisson Pinheiro
Álisson Pinheiro é Natural de Picuí-Pb, residiu também em Cubati e Baraúna, tornando-o um autêntico filho do Seridó e do Curimataú paraibano. É formado em Direito pela UFPB, com Pós-Graduação em Direito do Trabalho. Trabalha no TRT-AL onde vive na capital Maceió.