NOTÁVEIS DO SERIDÓ PARAIBANO – O escritor e repentista JOSÉ ALVES SOBRINHO

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José Clementino de Souto nasceu em 1921 no sítio Pedro Paulo na atual Pedra Lavrada, mas que naquele tempo pertencia ao imenso município picuiense. Quando decidiu pela profissão de cantador mudou o nome para José Alves Sobrinho em homenagem a um tio materno. Embora tenha se destacado como repentista e escritor de cordéis, o que lhe trouxe fama imorredoura foram seus estudos e pesquisas sobre a cantoria.

A cantiga de viola no aspecto que conhecemos surgiu na Paraíba no século XIX, especificamente em Teixeira e seus arredores. O movimento se espalhou com rapidez pelos Estados do Nordeste e alcançou uma chamada “idade do ouro” entre os anos de 1900 a 1950, período em que José Alves Sobrinho despontou como cantador.

Uma tragédia marcou o início da sua vida porque se tornou órfão de mãe, sendo acolhido pelos avós paternos. Foi abençoado com uma viva inteligência e pela presença de um professor inspirador, numa época em que os bons mestres eram difíceis de encontrar até nas cidades. O nome dele era João Quinto Sobrinho que, ao lhe ensinar a arte de construir rimas e lhe apresentar a literatura de cordel, foi primordial na consolidação do seu pendor para o repente e na construção de uma base intelectual satisfatória que lhe valeu o codinome de “menino sensação” nos primórdios da carreira.

Essa vocação latente revelou-se quando ele assistiu a sua primeira cantoria com onze anos de idade. Sua dedicação precoce à poesia comoveu a um marceneiro que lhe deu de presente uma viola, substituindo a sua primeiríssima construída a partir de uma caixa de charutos. A viola nova não durou muito, pois foi quebrada em sua cabeça pelo pai, contrariado por ele teimar em querer seguir uma profissão considerada desonrosa pelos sisudos sertanejos. Mesmo com tamanha oposição ele perseverou e ninguém o impediu de viajar quando, ainda adolescente, decidiu ganhar a vida com a viola.

Deu tão certo que ele adquiriu condições para se casar alguns anos mais tarde. Foi residir em Cuité, mudando-se em seguida para Campina Grande onde se radicou a despeito das ausências prolongadas. Passou mais de duas décadas viajando e vercejando, tendo “duelado” com repentistas do quilate de Pinto do Monteiro e com Zé Limeira, o icônico “poeta do absurdo”. Conviveu com Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga e absorveu a cultura popular nordestina no seu ápice.

Dos fatos narrados em textos biográficos, destaco a cantoria onde estiveram presentes José Lins do Rego, José Américo de Almeida e Assis Chateubriand, paraibanos de maior destaque em todas as épocas. Este último o transformou em radialista ao lhe conceder um programa pioneiro numa de suas rádios em Recife. Ele teve sucesso e quis repeti-lo na Rádio Tabajara em João Pessoa, sendo impedido por uma grave enfermidade nas cordas vocais que o afastaria das cantorias.

Sem renda garantida tentou empreender e perdeu todas as suas economias. A necessidade o forçou a exercer diversas funções precárias até que em 1973 recebeu o convite da UFPB para integrar um grupo de pesquisa dedicado à preservação da memória dos cantadores, da cantoria e da literatura de cordel. E começou a viajar pelo Brasil, dessa vez para colher histórias, juntar folhetos de cordel e todos os tipos de documentos visando preservar a memória da arte dos repentistas. Este esforço eternizaria as melhores rimas e os feitos dos maiores cantadores em diversos livros, sendo que o primeiro já nasceu clássico, o Dicionário Bio Biográfico de Repentistas e Poetas de Bancada. Vieram em seguida outras obras que consolidaram a sua fama de sábio de uma arte popular tão paraibana e nordestina.

Tanta dedicação fez nascer nele uma aura de sabedoria, pois seus estudos ganharam notoriedade no mundo acadêmico, que resultou em muitas teses de mestrado e doutorado. Logo surgiu o convite para lecionar em cursos de pós-graduação na condição de professor visitante, por ser o detentor privilegiado de um saber cultural único.

Sua fama transpôs a Serra da Borborema e o Brasil, pois pesquisadores estrangeiros vieram beber da fonte do seu saber. Seus escritos inspiraram a criação de uma cátedra na Universidade de Toulouse (França) e grupos de estudos nas universidades de Poitiers, Montpelier e San Francisco. Em vida já tinha se tornado lenda, a ponto de ganhar uma biografia em alemão e ter a sua trajetória retratada no documentário “A voz do poeta”.

Quando o encontrei em Pedra Lavrada, ele me contou as dificuldades do início da carreira de repentista, principalmente a oposição do seu pai que cometeu a brutalidade relatada no início. Narrou como aconteceu o seu casamento “escondido”, vencendo a resistência do futuro sogro, que também tinha preconceito com a profissão de cantador. Afirmou que achava natural ser apontado nos livros como filho de Picuí, por ter nascido no tempo em que nossa terra se confundia com quase todo o Seridó Oriental Paraibano.

Ele conheceu Picuí numa Festa de Janeiro, aos treze anos, quando assistiu, por duas noites seguidas, a cantoria dos conterrâneos repentistas Manoel Norberto e Joaquim Cardoso. Num dos seus escritos, ele citou Abílio César e Eduardo Macedo como melhores amigos.

A tradição do nosso Seridó Oriental Paraibano, que se confunde o grande município picuiense de outrora, tem forte raiz artística e educacional, porque aqui surgiram escritores de gênio, tradutores consagrados e fundadores de escolas. Não temos o maior cantador (Pinto de Monteiro) ou o cordelista mais talentoso (Leandro Gomes de Barros, de Pombal), mas brotou do nosso chão José Alves Sobrinho, o melhor cronista de uma arte que se confunde com a Paraíba e com o Nordeste!

Por Alisson Pinheiro

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