NOTÁVEIS DO SERIDÓ PARAIBANO ZILA MAMEDE
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Picuí já foi um dos maiores municípios paraibanos, pois abarcava quase todo o Seridó Paraibano e também as áreas de Cuité, Nova Floresta e Barra de Santa Rosa. Nesse tempo nasceram muitos talentos em nossa terra, como Zila Mamede que se destacou na biblioteconomia e se tornou uma das maiores poetas do Brasil.
Zila nasceu no Sítio Alto, em 1928, nas proximidades de Nova Palmeira. Era neta de Francisco Bezerra de Medeiros, o Chico Caçote, fundador da cidade. Bem criança sua família foi residir em Currais Novos, onde permaneceu até os treze anos de idade, até mudar-se para Natal no tempo da Segunda Guerra Mundial. Seu pai, mecânico de automóveis, foi atraído pela “revolução” social e financeira que estava acontecendo na capital potiguar devido a presença dos militares americanos na base de Parnamirim.
Foi estudar no Colégio Imaculada Conceição que preparava moças para as profissões do comércio. Nesse período ela chegou a pensar em ser freira enquanto via amadurecer a sua vocação poética, favorecida pela convivência muito estreita com o seu padrinho (e tio) Francisco de Medeiros Dantas, um homem apaixonado pelos livros que desde cedo a influenciou para o mundo das letras. Era o momento também que os poemas de Drummond, Bandeira e Vinicius ecoavam pelo Brasil, anunciando uma era de ouro da poesia nacional. E então ela começou a produzir os versos que marcariam a literatura brasileira.
Vendo que a filha só pensava na poesia e em entrar na universidade, seu Pai insistia que ela arranjasse um emprego para ajudar a família. Assim, começou a trabalhar como secretária numa casa comercial. Como não atendia diretamente ao público, conseguia arranjar tempo para burilar seus versos, lançando o livro “Rosa de Pedra” (1953), recebido com muito entusiasmo pela crítica, a ponto de receber um elogio consagrador de Manuel Bandeira.
Em seguida apareceu o livro “Arado” (1959), considerado sua obra prima, com poemas inspirados nas vivências e paisagens da sua infância, em particular nas que foram fixadas durante os longos períodos que passava na propriedade dos seus avós, então um recanto singelo do grande município de Picuí. Não é pouca a glória para o Seridó Paraibano, nossa raiz comum, ter inspirado uma obra prima!
Junto com o lançamento do seu primeiro livro, o ano de 1953 simbolizou uma nova fase na vida de Zila Mamede, porque ela entrou no mundo da biblioteconomia, um mister quase desconhecido no Brasil de então, tornando-se pioneira e uma grande conhecedora da profissão. Certamente é uma atividade condizente com a vocação para as Letras, o encontro de uma amante dos livros com a ciência que visa catalogá-los e conservá-los!
Ela ganhou por mérito uma bolsa de estudos para estudar Biblioteconomia do Rio de Janeiro, onde residiu por dois anos enquanto estudava na Biblioteca Nacional que sediou a primeira escola do gênero no Brasil e a terceira do mundo.
Essa temporada carioca inaugurou o seu ciclo de viagens para o exterior: ela esteve na Europa durante cinco meses, onde também exerceu a profissão de jornalista (1957) e passou quase todo o ano de 1961 nos Estados Unidos. Logo em seguida, viveu mais um ano em Brasília (provavelmente, ela foi a seridoense mais cosmopolita da sua geração).
Seu pioneirismo na biblioteconomia lhe rendeu muitos trabalhos relevantes, pois foi bibliotecária do Conselho Nacional de Pesquisa, no Rio, da Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos e da Biblioteca Central da UFRN, planejou, implantou e organizou o Serviço Central de Bibliotecas da UFRN e a Biblioteca Pública Estadual Câmara Cascudo. De todos os seus trabalhos, o que lhe trouxe grande fama para a posterioridade foram as pesquisas bibliográficas dos trabalhos do folclorista Câmara Cascudo (1968) e do poeta João Cabral de Mello Neto (1976).
Tanto esforço profissional, intelectual e criativo lhe rendeu uma grande homenagem: a Biblioteca Central do Campus da UFRN em Natal tem o seu nome. Muito justa a honraria para quem tanto lutou por instalações condizentes com o acervo daquela universidade.
Zila foi amiga de Drummond e de Bandeira, tanto devido a personalidade cativante quanto porque eles a viam como uma igual na poesia. Eles mantiveram uma correspondência postal entre si, textos que se tornaram livros pelo seu conteúdo literário. Bandeira foi, além de amigo, um grande mestre de Zila, a quem doava todas as duplicatas dos livros que recebia, convenceu-a a estudar latim e a conhecer muitos clássicos. Ao mesmo tempo, ela consolidava a sua grande amizade com Carlos Drummond de Andrade que sempre elogiava a qualidade da poesia que ele lhe enviava.
A sua glória poética é tamanha que numa obra famosa que escolheu os 100 melhores poemas brasileiros do Século Vinte, tinha um poema seu, o “Banho rural” (curiosamente era parente próxima do maior tradutor brasileiro da atualidade, o lavradense Paulo Bezerra, num indício de que os dons podem ser genéticos).
A morte do seu avô amado e os trabalhos da sua profissão fizeram rarear às visitas à nossa região. A última vez que ela esteve em Nova Palmeira, após quase vinte anos de ausência, foi em 1980, para pagar uma promessa e visitar seus amigos e parentes. Era uma despedida, pois veio a falecer de maneira trágica, aos 57 anos de idade, no dia 13 de dezembro de 1985 na praia da Redinha, em Natal, engolida pelo mar que ela tanto amava.
Alisson Pinheiro