Os nossos bisavós foram muito pobres
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Depois do extermínio dos índios do Seridó os nossos primeiros avós foram chegando com seus gados a partir de 1700. Houve um fluxo contínuo de pessoas que pode ser mensurado através das cartas de sesmarias copiadas por João de Lyra Tavares.
Mas se as denominações dos pontos geográficos citadas nos documentos sesmariais continuam familiares, os nomes dos contemplados com as doações de terras não são o das pessoas que vieram residir aqui. Por serem “ricos”, eles enviavam para tomar posse da terra escravos, empregados, parentes pobres e até judeus convertidos à força, ansiosos para assumir sua fé ancestral na segurança do nosso distante torrão.
Nunca as pessoas comuns, sem dinheiro ou amigos importantes, puderam conseguir terras através dos meios legais. “O homem da cidade, influente, é quem sabia como requerer as cartas… por isso, foi insignificante a proporção de sesmarias dadas aos efetivos povoadores”, afirmou Barbosa Lima Sobrinho. Daí porque foram muitos os padres que conseguiram terras aqui, um tipo de gente alfabetizada e com amizades dentro da elite. Nem mesmo Dona Adriana Câmara foi exceção, ela que foi aquinhoada com a primeira sesmaria doada na região de Picuí, pois era da família Albuquerque Maranhão, a mais rica do Rio Grande do Norte daquele tempo.
No livro “Famílias seridoenses”, José Augusto de Medeiros aponta vários sobrenomes destes primeiros desbravadores, seguramente quase todos empregados (ou filhos destes) dos verdadeiros donos que residiam no litoral, como as famílias Araújo, Dantas, Medeiros, Galvão, Garcia, Bezerra, Monteiro, Nóbrega, Silva, Fernandes e Azevedo. A estes se juntam os nossos conterrâneos atuais que tem os sobrenomes “Silva”, “Lima”, “Barros”, “Cavalcante”, “Cunha”, “Cordeiro” etc, cujos epítetos não aparecem nas doações legais, o que torna muito clara a realidade de que nossos ancestrais chegaram aqui para começar as suas vidas em funções muito modestas. E os poucos que conseguiram melhorar de vida tiveram de trabalhar no duro ofício de vaqueiro, que permitia a formação de um rebanho próprio e posterior compra ou arrendamento de terras.
A trajetória de Inácio da Silva Mendonça, autor do testamento mais antigo encontrado em um cartório do Seridó, comprova a humildade de nossos antepassados. Ele veio trabalhar como vaqueiro na propriedade de um rico sesmeiro do litoral, e foi melhorando de vida devido ao instituto do recebimento de um quarto dos bezerros nascidos, depois de anos de trabalho gratuito. Por ser forasteiro, mantinha contatos afetivos em Recife, onde nasceu, em Natal, capital mais próxima, de onde veio o magistrado que processou seu inventário, vindo a falecer na zona da mata paraibana, em 1752.
Certamente a segunda geração destes colonos começou a ter uma relação de amor com nossa terra, por ter nascido aqui. E as uniões foram intensas, pois rapidinho se multiplicou a população, como demonstra a formação precoce de arruados em Cuité e Pedra Lavrada (e provavelmente em torno da Maricota).
O crescimento populacional deve ter cessado o fluxo migratório de pessoas novas para Picuí, tornando escassas as terras devolutas, fatores que devem ter feito extinguir o interesse de se chegar a uma região de solo pedregoso e de clima instável.
As três primeiras gerações dos nossos antepassados criaram os fundamentos da sociedade que existe hoje, mas na fatídica seca dos anos 1791 a 1793 houve um grande abalo econômico e populacional. Após os três anos de estiagem, a pecuária deixou de ser a riqueza principal, tendo sido substituída pelo algodão. O lado bom foi que, pela primeira vez, houve um aumento real de renda para os nossos antepassados pois, se a pecuária permitia apenas a sobrevivência, o algodão era exportado para a Inglaterra, gerando um excedente que trouxe uma prosperidade inédita que permitiu o contínuo progresso picuiense ao longo do século XIX, que culminou com a fundação oficial da cidade (1856) e com as autonomias eclesiástica (1871) e administrativa (1888).
Um afamado escritor francês escreveu: “É o hábito do trabalho que nos permite criar uma sociedade, um país. Do mesmo jeito, não é o entusiasmo do momento atual, mas as sábias reflexões do passado que nos auxiliam a preservar o futuro”. Há muita sabedoria nesta frase, pois foi pelo trabalho árduo dos nossos ancestrais, geração a geração, que foi possível construir a Picuí repleta de facilidades da atualidade.
E eles certamente ficariam muito orgulhosos se pudessem descortinar as benesses do presente, e nós, por sua vez, devemos manter a chama de sua memória viva, pelos sólidos alicerces que eles nos legaram.
Alisson Pinheiro