PASSEIO SENTIMENTAL EM PICUÍ NO MEIO DA SEMANA
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Mesmo com certo sacrifício pessoal e a Serra da Borborema por escalar, ando muito feliz por está podendo visitar Picuí regularmente sem outro compromisso que não seja o sentimental.
Dessa vez, o destino fez com que eu ficasse estrategicamente hospedado num ponto perfeito para se iniciar uma caminhada por nossa cidade, na parte alta do bairro JK; e quando desço a Rua Carlos Macieira, aumenta a expectativa diante do quadro impressionista que vai se formando.
A “Praça do Boi” é um belo ponto de partida e, mesmo sendo uma atração “moderna”, tornou-se instantaneamente um belo e agradável local para se conversar, ao lado das esculturas do bovino e do picuiense com um espetinho de carne sol, trabalho magistral do nosso escultor maior, José Crisólogo. Caminhando pela pequena rua que começa na praça, piso numa das mais úteis obras públicas do município, a velha Ponte que tirou os nossos ancestrais do isolamento que provocavam as grandes cheias do rio Picuí. Lá embaixo, nas areias brancas abundantes, gerações sucessivas de picuienses lavraram a terra, desempenharam trabalhos inexoráveis, mas também se divertiram em meio a gostosas brincadeiras, banhos e partidas de futebol. Os coqueiros gigantes, que davam uma aparência paradisíaca ao local, desapareceram quase todos, mas a beleza tocante da várzea fertilíssima permanece, com potencial de outros cenários ainda mais lindos.
Logo dou os primeiros passos na Rua 24 de Novembro, homenagem à data de 1904, quando Picuí ganhou os foros definitivos de Cidade. Aqui sinto o pulsar do grande progresso da minha terra, diante da passagem frenética e barulhenta de carros e motos, que os modernos sinais de trânsito recém instalados têm conseguido acalmar.
Após fazer a travessia da rua com muito cuidado para não ser vítima de “fatal barruada”, entro feliz no recanto de paz que se transformou o Centro de Convivência Pedro Tomás, lugar que outrora foi o mais importante edifício da nossa terra, o antigo Mercado Público, demolido sem consideração pelo seu passado de utilidade e de fraterna convivência dos picuienses de outrora. É muito prazeroso sentar num dos seus bancos e ficar observando a vida que flui vertiginosa por todos os lados, vendo os conterrâneos que passam por ali, inevitavelmente, devido a sua centralidade. Logo me vejo descendo os degraus do pequeno anfiteatro, que se tornou um útil espaço para eventos na direção do “mercado novo”, cujo átrio é um lugar de feira permanente, uma espécie de umbuzeiro cheio de brotos, cujos galhos se esparramam subitamente para todos os lados nos dias de sábado.
Saindo do mercado paro num dos bancos da Rua Coronel Manoel Lucas para admirar as linhas austeras de uma casa antiga que permaneceu milagrosamente intacta, como foi construída, em meio há tantas transformações físicas ao seu redor. Do alto, vejo o prédio da Cadeia, com sua majestade secular, com a simetria descaracterizada depois que construíram um “puxadinho” lateral que aumentou sua capacidade prisional em detrimento de sua singela arquitetura.
Entro na rua Cel. Xavier de Macedo e me deparo com um casario do início do século XX razoavelmente preservado. O Prédio antigo dos Correios se destaca por sua elegância e imponência, construído numa época distante e carente, demonstrando a vocação para liderança regional que tem Picuí desde os seus primórdios, já constatada pelo grande Irineu Joffily no longínquo 1886, quando por aqui passou.
Indo em frente, é preciso passar pela artéria que homenageia o Sargento Silvino de Macedo, picuiense que entrou para a História devido a sua liderança rebelde nos tempos conturbados do governo de Floriano Peixoto. Chego à Praça João Pessoa que, mesmo tendo sido remodelada muitas vezes, preservou o Coreto e o Monumento ao Centenário da Independência, referências sentimentais para todos os picuienses de ontem e de hoje. Esse lugar sempre testemunhou momentos sublimes durante os festejos de São Sebastião e sua Procissão, onde se reúnem os picuienses de todos os quadrantes do mundo, quer estejam vivos ou indo para outra dimensão. Sobreviveram as construções mais imponentes do início da cidade, que são os sobrados, onde se destaca aquele repleto de azulejos portugueses onde viveram Silvino de Macedo e minha bisavó.
Dobrei a esquerda e entrei na Ferreira de Macedo, cujas casas que formavam um conjunto coeso de edificações erguidas no início do século XX, estão sendo modificadas uma a uma para dar lugar a edifícios “modernos” e bem poucos poéticos. Por sorte, os sobrados mais esplêndidos estão quase todos preservados, devidos a reformas recentes (o que estão do lado da igreja matriz continua com suas linhas elegantes intactas). A Rua Ferreira é a minha favorita em Picuí, porque vivi ali momentos muito felizes, na época das férias escolares, envolto nas melhores brincadeiras dos primeiros anos.
Fui até o final da Rua, observei a ponte e a vegetação atual, e logo segui com passos firmes na direção da Rua São Sebastião, rua querida, ligeiramente côncava o que a deixar com ares antigos, por ter sido suas casas erguidas seguindo do primitivo caminho que por lá passava. Na esquina, um lamento pelo desaparecimento da antiga casa do Padre Barros, vitimada pela sua localização privilegiada e comercial. Chego até a Maricota, manancial que foi a semente de Picuí, lugar onde todos saciavam a sede e aliviavam a quentura das longas caminhadas. No meio do caminho avisto a Maternidade Nossa Senhora de Fátima, onde eu e muitos picuienses, literalmente, fomos trazidos para o meio desta vida. Desse ponto, podemos admirar de pertinho a fertilidade do rio Picuí, cujos campos generosos nutriram os nossos antepassados e decidiram a localização da cidade.
De lá, senti o chamado divino no alto da colina e refiz o caminho da rua na direção da Matriz de São Sebastião, santo soldado cuja devoção de nossos antepassados fez surgir Picuí, após terrível calamidade. A Igreja sempre foi um ponto primordial de socialização de todos os picuienses, onde entramos com tenra idade e continuamos a frequentar nos principais eventos de nossas vidas. Suas sólidas colunas em estilo grego formam uma espécie de largo caminho que vai dar no altar singelo onde a maioria dos picuienses recebe as águas do batismo e cumpre muitos papéis ao longo da vida. Sentado em um dos seus sólidos bancos, evoco a infância, quando comparecia à missa dominical sob o abraço materno, com direito a visitar, no fim da missa, o corpo do Senhor Morto que fica oculto, por trás do altar, sempre com dó, respeito e piedade.
Depois de passar por uma catarse pessoal dentro da igreja, fiz uma interpretação própria ao parar no meio das três saídas que brotam do único campanário: o sino simboliza chamado Divino, e a bifurcação tripla corresponde às portas estreitas do paraíso, do saber e da vida. E saí radiante do lugar consagrado e fui me sentar desconcertado nos degraus do Coreto (Foi quando percebi que o dia estava acabando e que o sol já estaria se aproximando do cume da Serra do Pedro).
Caminhei em passos rápidos na direção do morro da antiga caixa d´água, lugar mais adequado para observar o pôr do sol mais lindo do mundo (para nós, os picuienses), porque nessa terra pedregosamente linda foi que vimos pela primeira vez à luz, não muito longe da Maricota de onde brota a água da vida.
Subo os degraus que dão para o monumento ao Doutor Felipe, com passos rápidos, e encontro um dos bancos do lado da escultura vazio. Sento e caio em êxtase diante de tanta beleza, porque nossos edifícios e monumentos ganham uma cor especial com a luz do sol declinante; meus pensamentos ganham rumos diversos e complexos diante do espetáculo da vida vivida e revivida no âmago da minha terra pendurada no alto da Borborema, coração da Paraíba. Quando desço do morro já é noite e retorno, com a sensação de que nunca saí do berço que me viu nascer.
Álisson Pinheiro é Natural de Picuí-Pb, residiu também em Cubati e Baraúna, tornando-o um autêntico filho do Seridó e do Curimataú paraibano. É formado em Direito pela UFPB, com Pós-Graduação em Direito do Trabalho. Trabalha no TRT-AL onde vive na capital Maceió.