PICUÍ versus CUITÉ

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Vem de longe a inimizade entre cidades pelos motivos mais diversos, tais quais proximidade geográfica, tamanho, poder e economia, como acontece entre Rio e São Paulo, Recife e Fortaleza, Porto Alegre e Curitiba, Campina Grande e Caruaru e, guardadas as proporções, entre Cuité e Picuí com rivalidade já secular.

Cuité foi fundada muito antes de Picuí, em 1768, pela diligência de Caetano Dantas Correia, que sempre preferiu viver no Seridó. Teve um bom crescimento inicial pois logo se transformou em Paróquia (1801), Distrito de Paz (1827), Vila (1854) e sede de comarca judicial (1872). Picuí, por sua vez, só ganhou sua paróquia em 1871 e autonomia administrativa em 1888, ainda no tempo do Império.

A partir da segunda metade do século XIX o pioneirismo cuiteense começou a ser suplantado pelo dinamismo de Picuí, fato percebido por Irineu Joffily que fez anotações em seu famoso livro sobre o maior progresso picuiense. E os motivos para Picuí ter obtido a primazia, na visão dele, eram a sua melhor localização geográfica, fundamental para o comércio, e pelo abandono da criação na Serra em detrimento da agricultura. E o advento do professor Lordão como político de destaque do Seridó Paraibano tornou a situação catastrófica para Cuité em 1904 que fora privada da sua comarca judicial e da própria autonomia política, ficando reduzida a mero distrito. Essa situação vexatória para os cuiteenses perdurou até 1936, quando finalmente nossa vizinha reconquistou a independência político-administrativa e a sua comarca judicial.

Se hoje em dia a política dá o tom da rivalidade político entre Cuité em Picuí, há muito tempo houve uma rusga de fundo religioso que apareceu durante a famosa Seca de 1877. Com a piora desse grande cataclisma climático que só terminou em 1880, os vigários das duas cidades acertaram  fazer a troca solene da imagem dos seus santos (as) padroeiros (as) como forma de se obter uma graça contra o flagelo. O encontro das imagens ocorreria numa localização intermediária, o que de fato aconteceu, mas da pior maneira possível: os cuiteenses desistiram de entregar a sua santa, os picuienses não largavam São Sebastião e os dois párocos passaram a discutir descontroladamente. Logo todos perceberam que a permuta não seria possível, e os cortejos respectivos fizeram o caminho de volta cheios de ressentimentos.

Na década de 1950s formou-se em medicina o cuiteense José Pereira da Costa que de pronto optou por exercer a sua nobre profissão na região. Logo se tornou deputado com apoio decisivo em Picuí, onde criou laços familiares. Porém, nos doze anos que duraram os seus mandatos ele conseguiu levar para a Serra o primeiro Banco do Brasil da região e o posto pioneiro do INSS. Nos anos 1970s começou a liderança do Doutor Medeiros e novos benefícios foram conseguidos para Cuité, como as sedes das Regionais da Educação e da Saúde. Picuí teve que se contentar com a Superintendência de Polícia.

Em tempos mais recentes, a disputa pela localização de mais estruturas governamentais se acirrou, ainda com a vantagem para Cuité, que ganhou a Universidade, o Nono Batalhão da PM, a Companhia do Corpo de Bombeiros e o primeiro museu antropológico. Restou para Picuí o IFPB e com outras pequenas conquistas.

Picuí já teve um juiz nascido em Cuité (Dr. Antônio de Pádua Montenegro), mas Cuité também teve o seu juiz picuiense (Dr. Edailton Medeiros), e nossa comarca tem “mais prestígio” por ser de segunda entrância. Quando vamos pensar nos párocos, a vantagem é nossa, pois nunca tivemos um padre cuiteense, enquanto Cuité teve por muitos anos o nosso Padre Barros como seu líder espiritual.

Para nós, picuienses, vencemos (claro, há controvérsias) no tamanho e na variedade do comércio, na animação das ruas, nos esportes em geral, nos talentos musicais e artísticos, na maior capacidade de juntar capitais, no calor humano, na maior produção agrícola e mineral e no empreendedorismo (esse último aspecto é importantíssimo, pois nenhuma sociedade pode avançar com fracos indicadores econômicos).

Há quem diga que essa vantagem atual de Cuité em infraestrutura à união circunstancial das famílias dominantes da cidade quando as demandas implicam reais vantagens, sendo que esse espírito fraterno de união raramente se reflete em nossa elite política, que fica pulverizada e enfraquecida quando está em jogo a vinda de benefícios governamentais.

Os limites municipais de Cuité e Picuí tem recebido cortes devidos às emancipações das últimas décadas, mas curiosamente ambas mantem uma certa paridade populacional, política e econômica que indicam uma continuidade nessa disputa do bem, sem violência, onde o final sempre resulta no maior benefício para as suas populações. No fundo, somos todos iguais, sejamos picuienses ou cuiteenses, mas pela maior proximidade entre nós, somos muito mais que irmãos.

Por Alisson Pinheiro