AS PRIMEIRAS VILAS – FUNDAÇÕES DE PEDRA LAVRADA, CUITÉ E PICUÍ
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Tendo os índios seridoenses sido vencidos numa longa guerra os colonos começaram a chegar com seus gados na Ribeira do Seridó. O termo original de “ribeira” significa os terrenos baixos, adjacentes às margens de um rio; no sertão, ribeira passou a dar o nome do rio mais importante a uma imensa região agropastoril que compreendia muitas fazendas. Isto é compreensível, porque em um tempo que não existiam estradas, os leitos dos rios funcionavam como caminhos seguros e desimpedidos, além de fontes da água preciosa que permitia a sobrevivência de todos, gados e homens. As suas margens logo eram percorridas, nomeadas e descritas em mapas cartográficos, passando a servir de li mites naturais das propriedades nascentes, numa época que inexistia o arame farpado.
Seguindo os leitos dos rios da região, e depois em estradas precárias, os primitivos colonos foram chegando, criando a estrutura econômica e gerando descendência. No início suas companheiras eram as índias aprisionadas e escravizadas, como aconteceu com o patriarca Custódio de Oliveira Ledo que casou e teve quatro filhos com uma nativa. Depois foi que chegaram as “mulheres brancas” do litoral, através de casamento arranjados, como dona Adriana de Holanda, de família pernambucana ilustre, que é citada em documentos de 1792, residindo em Acari. Está claro que para que surjam povoações é necessário que a população cresça e este crescimento populacional foi precoce, pois as vilas pioneiras de Pedra Lavrada e Cuité surgiram apenas sessenta anos após a criação das primeiras fazendas.
Nossos antepassados eram muito religiosos e sofriam com a distância das capelas de Caicó, Acari e Pombal. Era preciso ir à missa todos os domingos, render graças ao santo(a) padroeiro (a). Percebe-se o quanto o fator religioso foi decisivo, observando que os núcleos pioneiros de Cuité e Pedra Lavrada tiveram influxo a partir da construção de suas igrejas respectivas. Outras cidades paraibanas, surgidas na mesma época, tiveram igual nascimento, como Sousa, Piancó, Patos, Santa Luzia, Catolé do Rocha, Cabaceiras e Monteira, cujas capelas representaram o elemento gerador destas cidades.
Além da fé, da necessidade de se ter um lugar de culto por perto, sempre existiu um aspecto de puro oportunismo na fundação das vilas, porque era uma maneira de valorizar os terrenos ao redor, de se ganhar dinheiro. Os fazendeiros doavam glebas de terras ao patrimônio de um santo, selando o negócio com a edificação de uma capela que atraía moradores e pessoas dos arredores para assistirem ao culto Divino; ao seu redor inevitavelmente surgiam vendas, estalagens e armazéns que originavam vilarejos. Com a doação eles valorizavam suas terras e desenvolviam a região. E isto foi quase uma regra, como demonstra os passos da fundação de Pedra Lavrada. Em 1780, José Beze rra da Costa consegue enviar um pedido ao Bispo de Olinda para a edificação da Capela de Nossa Senhora da Luz, dando-lhe como patrimônio um bom pedaço de terras que lhe pertencia; a bênção da capela só ocorreu em 1789 e somente em 1792 é que foi inaugurada. O mesmo aconteceu com Cuité, cuja capela só começou a ser construída depois que foi registrada a doação de um terreno em seu nome no ano de 1768. Conta-se que nos arredores de Picuí já existia um grande aglomerado de casas, em torno do olho d’água, a nossa “Maricota”; porém, o seu crescimento só ocorreu a partir da construção da capela de São Sebastião muitos anos mais tarde, que também contava com seu patrimônio em terrenos doados.
O aspecto da fé para fundação de cidades no interior do Brasil foi constatado pelo francês Saint-Hilaire que visitou muitas cidades do interior do sudeste brasileiro no início do século XIX. Ele observou que “Além da moradia habitual, cada proprietário rural quis ter perto do templo uma casa onde a família pudesse descansar da longa caminhada a que era obrigada para assistir ao serviço divino, receber os amigos ou tratar de negócios no único dia em que se ajuntam os moradores. Os mercadores, taberneiros, operários, procuraram acercar-se do lugar onde se reuniam os sitiantes e assim nasceu a maioria das aldeias” (p. 15). Acrescenta ainda que “as cidades são a penas povoadas, durante a semana, pela mais vila canalha: alguns artífices, em sua maioria homens de cor, preguiçosos e prostitutas” (p. 75). Esta falta de habitantes nas pequenas povoações, nos dias úteis, era uma realidade nacional, tanto que Irineu Joffily, ao descrever a situação da povoação de São Francisco (atual Olivedos) no final do século 19, disse que ela “só tem vinte casas, quase todas sem habitantes e uma igreja não concluída (p. 215)”. Isto era uma realidade generalizada, a de que nossas primitivas vilas ficavam desertas nos dias de semana, só “despertando” do marasmo nos dias de feira e de missa.
Uma particularidade do Seridó Paraibano primitivo era a dependência política da cidades de Pombal, antigo Arraial de Piranhas, o primeiríssimo núcleo populacional do sertão paraibano, e espiritual, de Caicó. Uma prova disso é que o documento da doação das terras para o patrimônio da capela de Nossa Senhora das Mercês, considerado a certidão de batismo de Cuité, foi lavrada em Pombal, enquanto que sua capela era subordina à Freguesia de Caicó. Demorou muito mais do que cem anos até que a Região do Brejo e Campina Grande viessem a irradiar suas influências.
O crescimento da população e a melhoria dos caminhos para os centros mais desenvolvidos do litoral, tendo como motor econômico o êxito da pecuária, fizeram a população de Picuí e dos seus arredores crescer, mesmo com o advento das secas terríveis de 1792 e de 1877. Quando a pecuária estava prestes a sucumbir diante das secas, veio o algodão, foram introduzidos os muares. Deu tão certo que estamos nós aqui, em pleno século XXI, carregando os genes dos pioneiro e usufruindo de um conforto inimaginável pelos nossos antepassados.
Álisson Pinheiro é Natural de Picuí-Pb, residiu também em Cubati e Baraúna, tornando-o um autêntico filho do Seridó e do Curimataú paraibano. É formado em Direito pela UFPB, com Pós-Graduação em Direito do Trabalho. Trabalha no TRT-AL onde vive na capital Maceió.