A alegria cristã
Por - em 8 anos atrás 939
O terceiro Domingo do Advento a Igreja o chama de “Domingo da Alegria”, fundamentalmente pela proximidade do grande acontecimento do Natal. O Advento é tempo de uma alegre esperança, mesmo que a nossa sociedade tenha comercializado o Natal, instrumentalizando o Menino Jesus, tanto cultural como ideologicamente.
Como ter esperança quando a sociedade moderna converteu a esperança cristã em mera expectativa humana? A alegria cristã é possível?
Seria bom que os cristãos recuperassem a verdadeira alegria do Natal. A alegria de saber que o Menino Jesus, Deus mesmo, traz a justiça e a paz, que só Ele pode dar, porque o mundo não possui o seu segredo.
Porém não se trata de qualquer alegria, “o grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada”, nos diz o Papa Francisco na exortação a “Alegria do Evangelho” (Evangelli Gaudium).
A alegria do mundo procede de coisas exteriores: nasce precisamente quando a pessoa se fecha nos seus próprios interesses, quando consegue desviar o olhar do seu mundo interior, e isso produz solidão porque é olhar para o vazio.
O cristão leva a alegria dentro de si, porque encontra a Deus. Esta é a fonte da sua alegria. A alegria do mundo é pobre e passageira.
A alegria do cristão é profunda e capaz de subsistir no meio das dificuldades. É compatível até com a dor, com a doença, com o fracasso e as contradições.
“Eu vos darei uma alegria que ninguém vos poderá tirar” (Jo 16,22) prometeu o Senhor. A nossa alegria deve ter um fundamento sólido. Não se pode apoiar exclusivamente em coisas passageiras: notícias agradáveis, saúde, tranquilidade, situação econômica desafogada, etc., coisas que em si são boas se não estiverem desligadas de Deus, mas que por si mesmas são insuficientes para nos proporcionar a verdadeira alegria.
Para mim isto de alegria me recorda que o evangelho sempre é motivo da alegria, porque é “boa notícia”, ou pelo menos será. O Evangelho convida insistentemente à alegria. Se não o é, talvez,
não o tenhamos entendido bem, ou não o temos aprofundado suficientemente.
Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que havia de tornar-se superabundante nos tempos messiânicos: “Alegre-se a terra deserta e intransitável, exulte a solidão e floresça como um lírio. Germine e exulte de alegria e louvores. Foi-lhe dada a glória do Líbano, o
esplendor do Carmelo e de Saron; seus habitantes verão a glória do Senhor, a majestade do nosso Deus.” (Cf. Is 35, 1-6a. 10). Canta o profeta Isaías as grandezas dos tempos messiânicos.
Em meio às dificuldades do exílio na Babilônia, em meio às trevas que envolvem sua época, brota sua palavra luminosa, enchendo os corações de alegria, dissipando medos, trazendo paz.
Aqueles campos áridos, aquela terra seca e estéril como as areias do deserto, um dia acontecerá um prodígio, tudo isso se transformará.
“Da terra seca, flores, frutos, vão brotar!” Será um bosque de cedros altos como os do Líbano, brotarão flores, como no vale do Saron, como no monte Carmelo.
O profeta-poeta pinta com as mais vivas cores, imagens e metáforas a terra de Israel convertida no mais belo dos jardins, no melhor dos paraísos. Assim, o Profeta exorta o povo a manter a alegre esperança. Para o profeta que espera contra toda esperança, o deserto reverdecido como um pomar dará abundantes frutos.
Também nós às vezes sentimos nossa vida como terra árida, seca e estéril. Essa sensação de inutilidade, essa impressão de estar sem nada que apresentar diante de Deus e das pessoas; este medo de não ter feito nada por Ele, nada que tenha realmente valor à hora da verdade.
Vida nossa, terra nossa, seca e pobre, um dia Deus realizará quem sabe também conosco, o prodígio de uma maravilhosa florada, promessa de ricos e abundantes frutos.
A liturgia do Advento volta a nos apresentar a figura do Batista (Cf. Mt 11,2-11). Hoje o vemos metido na prisão por Herodes cuja vida dissoluta e, sobretudo, seus amores haviam provocado a denuncia aberta do Precursor.
No silêncio da prisão, se interrogou se é realmente Jesus, o verdadeiro Messias: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar um outro?” (v.3)
O “Precursor”, homem do Antigo Testamento, está desconcertado, a dúvida acerca da messianidade de Jesus não é chocante, mas é sinal de uma profunda honestidade. João tinha posto suas esperanças em Jesus, mas parece que as coisas não estão acontecendo como ele desejava: Um Messias como “Juiz” para dar início ao “juízo de Deus”.
Jesus, ao contrário se apresenta como o “Salvador”, aproximando-se dos pecadores e lhes oferecendo o amor de Deus e a salvação: “Ide contar a João sobre o que estais ouvindo e vendo” (v.4)
Na vida do cristão existem esses momentos de duvida. Aparentemente é como se Deus mos tivesse abandonado. Isso acontece conosco, porque somos capazes de criar expectativas que nada têm a ver com o caminho traçado por Deus.
Não é difícil imaginar a inquietação que sofre o Batista quando envia seus discípulos a Jesus com suas duvidas. Jesus é o Messias ou é preciso esperar outro? A pergunta de João Batista segue sendo colocada por muitos cristãos neste mundo. Jesus segue sendo objeto de busca incansável.
Quem havia anunciado até com heroísmo a chegada do Salvador, duvida nos últimos momentos. Não é raro isso, porque a psicologia humana vive e luta em um mundo de realidades inseguras e de crenças submetidas sempre à duvida. Aí é onde faz falta o apoio do Senhor para não perder o caminho.
Muitas vezes nossa esperança cristã no Deus que nos salva é só um verniz com o qual envolvemos nossa corrosiva desesperança e nosso medo.
Dizemos que confiamos em Deus, mas diante de uma dificuldade um pouco mais séria nos assustamos e agimos como pessoas sem esperança, e consequentemente, sem alegria.
Muitas vezes os cristãos não vivem como pessoas alegres; atuamos e nos comportamos como pessoas tristes, depressivas, pessimistas e medrosas. Temos medo de doenças, da crise econômica, da violência, das dificuldades próprias do momento. Não damos testemunho de alegria cristã porque nos falta a esperança cristã.
O Papa Francisco disse: “Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras…
Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das grandes dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta, mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias.“ (Evangelii Gaudium).