A cegueira do mundo
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O quarto Domingo da Quaresma é um domingo luminoso, também chamado Domingo “laetare”. O convite a experimentar a alegria nos vem da antiquíssima antífona de entrada da missa: “Alegra-te Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações.” Isso parece chocar-se um pouco com o caráter austero da Quaresma, no entanto, a vida cristã e a penitência têm muito a ver com a alegria. O nosso esforço de conversão, inclusive nossa penitência, não deve estar impregnado de nenhuma tristeza ou morbidez.
Tendo já percorrido a metade da caminhada quaresmal, nosso percurso de preparação para a Páscoa, somos convidados a deixar para trás qualquer atitude ou sombra de tristeza e assumir uma atitude de alegria pela consolação que nos vem do amor de Deus. Definitivamente, a proximidade da Páscoa, nos leva a contemplar a luz que espera por trás do aparente fracasso da Cruz.
Realmente a Quaresma não pode ser triste. É preciso pensar que a Paixão e Morte do Senhor Jesus não é um final. A Quaresma não se define por si mesma, ela é só um passo para a Ressurreição. “A Quaresma é um novo começo, uma estrada que leva a um destino seguro: a Páscoa de Ressurreição, a vitória de Cristo sobre a morte.” (Papa Francisco)
A alegria do caminho pascal exprime-se no tema da “luz”: a luz é vida, é alegria, é Cristo, e o percurso quaresmal é peregrinação em direção à luz, redescoberta da luz que no Batismo foi acesa para nós no círio pascal. Toda a vida do cristão é sempre uma caminhada na luz da Páscoa e em direção à luz da Páscoa, por isso requer um dinamismo de conversão permanente: a Quaresma, sinal sacramental da nossa conversão, torna-se momento de referência e de reabastecimento necessário para todas as estações da vida do cristão.
Para o autor do quarto evangelho Deus é Luz, Deus é o Amor. Este Deus Luz, este Deus Amor se manifestou plenamente, no humano, no homem Jesus de Nazaré. Por isso, para nós, Cristo é a Luz e o Amor. No Evangelho deste Domingo, “a cura do cego de nascença” (cf. Jo 9,1-41), em concreto, o cego quando se encontrou com Cristo, recebeu além da luz física para seus olhos, “eu só sei que era cego e agora vejo” (v.25), a luz espiritual para sua alma: “Eu creio, Senhor!”(v.38) Cristo foi para ele a Luz que iluminou seus olhos físicos e iluminou sua alma para ver em Cristo a Luz de Deus e para ver todas as coisas do mundo sob a luz de Cristo. “Jamais se ouviu dizer, disse o cego, que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se esse homem não viesse de Deus, não poderia fazer nada.” (vv. 32-33) Pois bem, tratando de aplicar este evangelho do cego de nascimento ao nosso tempo atual, podemos afirmar, sem temer equivocar-nos, que há mais cegos espirituais que cegos físicos.
Nossa sociedade é em grande parte, agnóstica e não crente incapaz de ver as coisas deste mundo sob a luz, sob a ótica de Deus, sob a luz de Cristo. No mundo há muitos cegos que vendo, não veem com o coração. Cegos que se negam à aceitação de uma coisa tão simples como é que Deus queria que aquele cego se curasse e visse. Essa resistência, que podemos chamar o pecado do mundo, vai mais além do pecado pessoal. Essa espécie de cegueira que faz que ninguém entenda realmente nada em certas situações. Essa espécie de ignorância existencial que sistematicamente apaga Deus de nosso mundo, de nossa sociedade.
Para os cegos espirituais todas as coisas deste mundo começam e terminam neste mundo. A coisa mais importante para eles é ter saúde física, triunfar nos negócios, gozar dos bens materiais, do sexo, do poder, etc. Em troca, para os que queremos ver as coisas deste mundo sob a luz de Cristo, os bens reais da saúde, do dinheiro, do poder, do prazer, só são totalmente valiosos se estão subordinados aos bens espirituais da saúde espiritual e, em definitivo, o amor de Deus e o amor ao próximo.
“Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz.” (cf. Ef 5,8-14) E o façamos porque somos luz no Senhor. Os cristãos temos aqui o grande desafio de mostrar, com nossos atos e com nossas palavras, aos muitos cegos espirituais de hoje a ver as coisas do mundo sob a luz de Deus, sob a luz de Cristo. O cristão é o cego que nasceu sob a luz do Senhor e, portanto deve ser luz para os outros, luz que ilumina a mente dos outros, porque agora é luz no Senhor. Luz que revela a verdade escondida na materialidade do mundo, a presença da Palavra encarnada no mundo. Mas também pode ser tudo o contrário. Pois a ação do cristão é em si mesma reveladora ou ocultadora de Cristo. A ação do cristão, ante o mundo expressa e realiza a presença da Palavra, da Verdade em meio ao mundo. De sua ação, de sua vida, depende que essa Palavra fique manifesta ou velada aos olhos da humanidade.
Se o cristão vive conforme as aparências os critérios do mundo que luz há nele? Que luz pode ser para os outros? Se com sua palavra proclama no Credo: “Jesus é o Senhor”, mas com sua vida o nega, o cristão pode ser o maior inimigo do Evangelho, pois sendo este a Verdade, o reduz a aparência, a falsidade, a mentira. Cristo é a Luz do mundo se o cristão, se sua vida, se sua ação no mundo não obstaculiza a luz; se na verdade formos luz, luz no Senhor.
Só podemos sair da escuridão se reconhecermos nossa cegueira e formos até Cristo, “Luz do mundo”. Jesus vem iluminar nossa cegueira espiritual. Esta é a mensagem do evangelho da cura do cego de nascença. O autor sagrado parte do principio de que nossa vida é um caminho. Para caminhar necessitamos em primeiro lugar ver por onde queremos ir. Só Jesus pode iluminar nosso caminho e tirar a cegueira de nosso coração. Para ver de verdade, tem que crer nele. Por isso, tem que estar abertos à luz da verdade, que é Cristo, e não cegar-nos em nossa soberba. Devemos aceitar a Jesus Cristo, aceitar sua amizade e seu amor, aceitar a verdade de suas palavras e crer em suas promessas; reconhecer que seu ensinamento nos conduzirá à felicidade e, finalmente, à vida eterna. Que Deus nos livre da cegueira material e nos dê sua Luz para ver todas as coisas sob a Luz de Deus.
Por Padre José Assis Pereira