Cristo, rei crucificado
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“O Ano Jubilar terminará na solenidade litúrgica de Jesus Cristo, Rei do Universo… Ao fechar a Porta Santa, animar-nos-ão, antes de tudo, sentimentos de gratidão e agradecimento à Santíssima Trindade por nos ter concedido este tempo extraordinário de graça. Confiaremos a vida da Igreja, a humanidade inteira e o universo imenso à Realeza de Cristo para que derrame a sua misericórdia, como o orvalho da manhã, para a construção duma história fecunda com o compromisso de todos no futuro próximo.
Quanto desejo que os anos futuros sejam permeados de misericórdia para ir ao encontro de todas as pessoas levando-lhes a bondade e ternura de Deus! A todos, crentes e afastados, possa chegar o bálsamo da misericórdia como sinal do Reino de Deus já presente no meio de nós.”(Misericordiae vultus, n. 5)
Assim se expressou o Papa Francisco acerca do encerramento do Jubileu Extraordinário da Misericórdia que hoje se conclui neste dia em que a Igreja celebra Cristo, Rei do Universo, que reflete perfeitamente o sentido mais genuíno de seu reinado: serviço, entrega, generosidade e incompreensão. Nem sempre, o serviço a Cristo, passa pelo aplauso do mundo. Jesus Rei é uma figura atípica: manda servindo e serve dando o exemplo.
São Lucas nos deu a chave durante este ano litúrgico para descobrir o rosto misericordioso do Pai, revelado em Jesus. Sabemos que este evangelista trata de por em primeiro plano a misericórdia de Deus com sinais visíveis da atuação de Jesus. E se preocupou de modo especial das mulheres, dos pobres e marginalizados.
Apresentou todas estas atitudes numa longa viagem que Jesus fez com seus discípulos, desde a Galileia até Jerusalém. Ali foi entregue à morte, mas Deus o ressuscitou como o anunciavam as Escrituras. E segue presente em sua Igreja, que é enviada, segundo o evangelista a empreender um programa de vida: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36).
Os quatro evangelistas chamam Jesus de Rei, sem medo de confundir um reinado terreno e um reinado universal. O próprio Jesus afirma que é Rei,mas com uma maneira peculiar de reinar, o seu Reino não é deste mundo(cf. Jo 18,36-37).
Para entender o senhorio de Jesus, neste dia de Cristo Rei, é necessário contemplá-lo na Cruz, mergulhar no mistério da Cruz e no grande perdão que marca a crucificação, a misericórdia absoluta pelos pecadores.
O evangelho de São Lucas (cf. Lc 23,35-43) narrando a crucificação, quer apresentar algo mais profundo e extraordinário que a simples execução de um profeta. Por isso chama a atenção na sua narrativa para as atitudes dos que assistem a cena: o povo olhando, os chefes zombando, os soldados também caçoavam dele; diziam: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”. (vv. 35b-37)
Entre esta última tentação e aquelas primeiras, no deserto (cf. Lc 4,3)Jesus se manteve fiel aos planos do Pai. Não é rei para dominar.
Recusa o prestigio, o poder, o domínio sobre os outros, e só busca, a humildade, a simplicidade, o serviço até dar a vida. Cumpre-se o que Ele havia manifestado: que seu reinado não é como os deste mundo.
Lucas então engendrou um “diálogo” assombroso na hora da cruz, de Jesus com os dois malfeitores crucificados (vv. 39-43). “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. (v. 42) Este pedido do ladrão arrependido oferece a Jesus a possibilidade de dar vida e salvação a quem irá morrer como Ele.
É como uma prece do ladrão a Jesus crucificado. A interpretação desta prece é para Lucas todo um ensinamento de que o Crucificado é o verdadeiro salvador e de que por meio de sua vida e de sua morte, “Deus salva”.
Este “ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (v. 43) é o hoje perene da salvação e da nova humanidade dos redimidos, levados para o Reino de Cristo pelo sangue da sua cruz. Começava seu reinado de perdão e de misericórdia. São as últimas palavras saídas dos lábios de Cristo que juntamente com:
“Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (v.34), expressam a misericórdia e “o perdão supremo oferecido a quem o crucificou, mostra-nos até onde pode chegar a misericórdia de Deus… não conhece limites e alcança a todos, sem excluir ninguém.” (Misericordiae vultus, n. 24).
Tinha que ser precisamente um malfeitor, um pecador o que descobriu o reinado de Jesus, tinha que ser na cruz… Alguns não o reconheceram quando fazia milagres e ele o reconheceu crucificado em um madeiro. A oferta do “paraíso” ao ladrão arrependido reflete o ponto culminante da missão de Jesus. “Eu não vim chamar os justos, e sim os pecadores.” (Lc 5,32)
Agora, no suplício da cruz, quando os que estão ao seu lado entendiam a salvação de maneira diferente, um ladrão, alguém destroçado, no último instante soube “roubar” a salvação, um lugar no Reino. Reconhece a realeza de Jesus e se converte no primeiro cidadão do Reino do Céu.
Mas, Jesus sempre esteve cercado de pobres, marginalizados, pecadoras, malfeitores e ladrões. O ladrão foi o último a reconhecer o senhorio de Jesus e Ele oferece tudo o que é e tem. A partir de sua impotência de crucificado, mas de sua posição como senhor verdadeiro, oferece perdão, misericórdia e salvação.
Mostrando que o arrependimento e o perdão de Deus são condições fundamentais para tomar parte no seu Reino. Esta teologia da cruz é a chave para entender adequadamente a Jesus como Rei do universo e Senhor.
Cristo reina da cruz porque nela está como que o clímax da sua missão de entrega radical de sua vida por toda humanidade.
Ao terminar o “Ano da Misericórdia” é desejo do Santo Padre que a Igreja tenha sentido “a urgência de anunciar a misericórdia de Deus”, pois “a sua vida é autêntica e credível, quando faz da misericórdia seu convicto anúncio.
Sabe que a sua missão primeira, sobretudo numa época como a nossa cheia de grandes esperanças e fortes contradições, é a de introduzir a todos no grande mistério da misericórdia de Deus, contemplando o rosto de Cristo. A Igreja é chamada, em primeiro lugar, a ser verdadeira testemunha da misericórdia, professando-a e vivendo-a como o centro da Revelação de Jesus Cristo”. (Misericordiae vultus, n. 25)
É tempo, sem duvida, de fazer um balanço, uma avaliação, pessoal e comunitária, do crescimento da misericórdia em nós. De nossa favorável tendência ao perdão das ofensas, compreensão, tolerância, amor e ternura permanente por todos nossos irmãos e irmãs.
Assim o Reino de Cristo, Reino da Paz, da Misericórdia e do Perdão, que não é deste mundo, já chegou. Pois cremos no Reino de Cristo como lugar pleno de amor, de solidariedade, de alegria, de paz, de esperança e de Misericórdia. O Reino já está presente, mas cada um deve descobri-lo. E essa é a tarefa que o próprio Cristo nos confia.
Padre José de Assis