É a obra do Espírito
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O tempo pascal nos evoca sempre o começo da história das comunidades cristãs primitivas, seus primeiros passos. Afirmamos que a Igreja nasce da experiência da Ressurreição. Esta evocação vem apoiada pela liturgia deste tempo litúrgico que oferece à nossa consideração os relatos dos Atos dos Apóstolos.
Uma questão fundamental que se nos suscita em relação a estes começos é a passagem das pequenas comunidades camponesas surgidas em torno de Jesus, sempre no contexto judeu-palestino, para as novas igrejas urbanas, que vão se formando por todo o império romano e que terminarão por converter-se em religião oficial do mesmo. Como explicar que aquele movimento tão provinciano, radicado em uma região marginal do império encontrou aceitação entre pessoas e lugares tão diversos e se multiplicou incessantemente?
É a obra do Espírito, sem o qual, nada pode florescer nem manter-se. Mas o Espírito assiste, não substitui as opções do homem e da história. Os estudiosos da história primitiva do cristianismo têm identificado na simplicidade da proposta cristã uma razão crucial para sua aceitação e difusão pelas grandes cidades do império. Em um autêntico mercado de religiões e filosofias que competiam entre si para conseguir adeptos, com suas fracassadas ofertas de bem-estar e salvação, o modesto cristianismo abre espaço. Frente à multidão de religiões tradicionais, com seus templos, sacerdotes, estátuas, e demais instituições sócio-religiosas, sempre unidas ao poder; frente à nova plêiade de religiões mistéricas e seus ritos exóticos só aptos para iniciados; frente às filosofias que ofereciam sabedorias de vida só assumidas para os que podiam permitir-se o luxo de viver meditando; o cristianismo nascente se destaca por oferecer uma proposta simples, alcançável e aberta a todos, fundamentada na simplicidade de uma doutrina mínima: a da encarnação, morte e ressurreição de Deus-Homem, o “Kerigma”, como proposta de sentido da vida para as pessoas; a união à sua morte e ressurreição pelo rito simples do batismo; e na simplicidade de uma práxis vital consistente, concentrada no amor fraterno, também ritualizada na prática litúrgica da fração do pão: “Decidimos, o Espírito e nós, não vos importo nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis” (At 15,28).
“Nós e o Espírito decidimos”. No chamado concílio de Jerusalém os cristãos escutaram a voz do Espírito Santo. A fé cristã sempre correrá o perigo de transformar-se em religião de ritos. Os “judeus religiosos” queriam nas primeiras comunidades impor o rito da circuncisão aos neo convertidos cristãos, vindos do paganismo.
A Igreja estava ameaçada de ficar nos meios e esquecer-se do fundamental, a interioridade da fé. Também nós corremos o risco de confundir as tradições com a verdade, de afirmar como eterno e imutável o que é fruto de uma época, de impor cargas e obrigações que distanciam do fundamental.
O mesmo Espírito nos ajudará hoje a não ficarmos no superficial. Necessitamos recuperar a sintonia do cristianismo com a cultura e com as pessoas do nosso tempo. O Papa Francisco constantemente nos tem chamado a recuperar o frescor do Evangelho, a valorizar o essencial no seguimento de Jesus Cristo.
Jesus inaugurou um novo estilo de religião sem mediações que anulem a pessoa humana na relação pessoal com Deus, com o mundo e com os outros. Uma nova religião onde a vida e a dignidade humanas merecem todo respeito, cuidado e reverência.
Quando descobrimos que a pessoa humana é o mais importante na caminhada, então nosso caminho terá chegado à meta final, pois disse Jesus: “se alguém me ama, guardará a minha Palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23). Quando isso acontecer, já não será necessário nenhum caminho, nenhuma religião, nenhum templo: “Não vi templo na cidade, pois o seu Templo é o Cordeiro. A cidade não precisa de sol, nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro” (Ap 21,22-23).
Vista com os olhos do vidente do livro do Apocalipse, a Igreja é a morada de Deus, a “Jerusalém nova”, cidade santa na qual não existe mais templo algum, porque o Senhor é o seu Templo. Seu santuário é Deus mesmo, não algum santuário. Deus está no meio do seu povo. Isto basta! A realidade sagrada neste mundo é o próprio homem ou mulher, objeto do Amor de Deus manifestado em Jesus Cristo, que assumiu nossa carne humana, em comunhão solidária com toda pessoa.
Hoje, nosso mundo global se parece muito àquele mercado das religiões do Império Romano. Aquele cristianismo incipiente tem muito a nos ensinar. Por exemplo, como assegurou a fidelidade de todas as novas comunidades dispersas pelo Império Romano ao projeto originário de Jesus; como garantiu que se mantivessem em sua pureza originária. É a obra do Espírito Santo que garantiu essa fidelidade: “O Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito” (Jo 21,26).
O cristianismo, naqueles tempos era um cristianismo em formação: estava por se fazer, tarefa que não devia ser fácil, em vista da pluralidade de pessoas e culturas. Muita fé havia que ter os cristãos nesse Espírito que haveria de guiar tal processo, pois “Ele ensinará tudo”.
Hoje como ontem, o mundo não é uniforme, as circunstâncias são plurais e diversas, mas o caminho há de servir a todos; ou talvez, temos de assumir, fiando-nos no Espírito, nosso guia, que não há um só caminho, mas diversos, que o mesmo Espírito se encarregará de fazer chegar à meta final, e, além disso o Espírito “nos tem ensinado” que “o indispensável” nesse caminho é a pessoa humana, em quem Deus tem feito morada do seu Espírito.
A fé em Cristo Ressuscitado nos dá confiança em sua presença permanente entre nós e que a sua Igreja é obra do seu Espírito. O Espírito é defensor, mestre, advogado, animador e iluminador da fé da comunidade cristã e de cada um de nós. O Espírito nos ensina e recorda tudo o que disse Jesus.
É fácil deduzir que o cristão não está só, não é um órfão. O Pai não é alguém distante: somos santuário e morada de Deus mesmo: “viremos a ele e faremos morada nele”. Mas, quanto nos custa entender esta novidade! Quão distante está nossa espiritualidade de cada dia desta inusitada novidade que se propõe e a que se nos convida!
Possivelmente, o Espírito seja o “grande desconhecido” na espiritualidade cristã. O cristão vive animado pelo Espírito, que faz nascer em nós a alegria da fé. Que Deus nos siga animando e inundando com a alegria desta Páscoa. Porque, estar e permanecer ao lado de Jesus é garantia seguras.
José Assis Pereira