A libertação está próxima.
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Todos os anos começamos o novo ciclo litúrgico na Igreja Católica com o Advento, (“ad-ventus” = “chegada”). A mística da alegre espera e a espiritualidade da esperança é vivida na Igreja com a mesma oração que ressoava na assembleia cristã primitiva: “Marana-thá” = Vem Senhor! (1Cor 16,22; Ap 22,20).
Hoje na Igreja, Advento é redescobrir a centralidade de Cristo, razão da nossa esperança cristã no tempo e na história. Ele pelo Pai se converte no personagem central, na chave do arco da História da Salvação.
O profeta Jeremias (cf. Jr 33,14-16) num contexto pós exilio da Babilônia, diante de uma Jerusalém em ruínas e de pessoas desanimadas, para animá-las anuncia-lhes um oráculo messiânico: “Farei brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra”. O profeta anuncia uma intervenção direta de Deus, a primeira vinda do Senhor, que após ter reunido o povo disperso, reintroduzirá em Jerusalém um governo messiânico baseado na sabedoria e na justiça. Deus intervém não para destruir Jerusalém, mas para salvá-la, mediante a chegada de um “rebento de justiça”.
Portanto, o Messias não virá destruir, mas salvar o mundo, como Jeremias anunciou, será o Libertador. Para o povo judeu, num cenário ameaçador onde cabia tudo menos a esperança, vendo a velha terra das promessas em ruínas, o aviso era claro: O tempo da terra terminava e sobre sua ruína se perfilava o fim do cosmos.
São Lucas (cf. Lc 21,25-28.34-36) usando uma linguagem apocalíptica cheia de imagens e símbolos, nos faz mergulhar num dos discursos escatológicos do seu evangelho: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; e na terra, as nações estarão angustiadas, inquietas pelo bramido do mar e das ondas; os homens desfalecerão de medo, na expectativa do que ameaçará o mundo habitado, pois os poderes dos céus serão abalados.” (vv. 25-26)
Porém, os cristãos não podemos ser reféns do terror de que haverá um fim. Quem vive refém do medo do fim não passa de desesperados. O fim se abaterá sobre todos e tudo, não poupando nada. Mas o fim é o fim? Sim e não, pois nós conhecemos o dom do Pai e temos a esperança do Filho: “Verão o Filho do homem vindo numa nuvem com poder e grande glória.” (v. 27)
A primeira intenção de Lucas é mostrar que não estamos caminhando para o “fim” (no sentido de destruição), mas sim para o “fim” (no sentido de finalidade). A dissolução do mundo velho é, ao mesmo tempo, a criação do mundo novo. Nesse sentido o fim da história não é o caos, a destruição da vida, a morte total. O “ultimo dia” não é o dia da ira e da vingança, mas da libertação.
Não serão a destruição e a morte a última palavra, mas a libertação e a vida, porque Cristo é o Senhor do cosmos, da história e da humanidade. Temos de reacender nossa confiança, levantar o espírito abatido e despertar a esperança. Um dia, os poderes financeiros vão afundar. A loucura dos poderosos vai acabar. As vitimas de tantas guerras e violências conhecerão a justiça e a vida. Nossos esforços por um mundo mais humano não se perderão para sempre.
Diante das forças do mal que parecem dominar o mundo além do desânimo, existe o perigo da fuga desta realidade, da busca de paliativos, de soluções enganosas. Há os que fogem dos problemas, deixando-se escravizar pelos vícios, procurando compensações, isolando-se no próprio ego, enclausurando-se no seu próprio pequeno mundo.
Para nós cristãos, essas situações oferecem um precioso ensinamento. No coração dos fracassos humanos somos chamados a descobrir uma palavra de vida, uma presença salvadora. O “Filho do Homem” se aproxima onde o cosmos e a humanidade naufragam na morte. O convite é surpreendente: “Quando estas coisas começarem a acontecer levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima.” (v. 28)
“Levantai-vos”: é o chamado a cada um e também a animar-nos uns aos outros. “Erguei a cabeça”, como quem recupera a confiança e olha o futuro não só de seus próprios cálculos e previsões. “A vossa libertação está próxima”, se abre a possibilidade de que um dia deixaremos de viver oprimidos, tentados pelo desanimo. Jesus Cristo é nosso Libertador.
Mas, cuidado! Há maneiras de viver que não permitem caminhar com a cabeça levantada confiando na libertação definitiva. “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida.” (v. 34) É real o perigo de nos acostumarmos a viver com um coração insensível e endurecido, acomodados e indiferentes; buscando preencher a vida de bem estar e prazer, de costas para Deus Pai e seus filhos que sofrem na terra. Um estilo de vida que nos faz cada vez menos humanos.
Advento, Deus vem. Não se usa o verbo no passado Deus veio, nem no futuro, Deus virá, mas sim no presente, “Deus vem”. O verbo “vir” aparece aqui como um verbo “teológico” e mesmo “teologal”, porque diz algo que se refere à própria natureza de Deus.
Anunciar que Deus vem equivale simplesmente a anunciar o próprio Deus, através de sua característica essencial e qualificadora: o seu ser o Deus-que-vem. Veio, virá, e também vem, no tempo presente. Vem em nossos sofrimentos e fracassos. Na falta de sentido de realidades nas quais se deteriora cada dia a vida física e moral das pessoas. Ainda que seja difícil crer, hoje também o Senhor está vindo. No Advento convergem três realidades de Cristo: veio em Belém, virá nos últimos tempos, vem hoje na história. Vigilância e esperança são importantes em cada uma dessas dimensões. Os profetas souberam manter essas atitudes no povo de Israel.
As palavras de Jesus são também para nós hoje. Vivemos angustias e medos, inseguranças causadas pela crise econômica, conflitos sociais, carências nas necessidades básicas, frustrações, diversas formas de delinquência, perda de valores morais, corrupção administrativa etc. Suas palavras não nos evitam os problemas e a insegurança, mas nos dão uma luz para enfrentá-los. A esperança nos permite confiar nas promessas de Deus e descobrir sua passagem na dramaticidade da história.
Se nos é difícil reconhecer nossas debilidades, medos e incertezas, tanto como descobrir os sinais da presença de Jesus nas realidades que vivemos. Isso não deve nos paralisar como cristãos no mundo, nem deixar-nos em uma espera passiva. A salvação é fruto da graça de Deus, mas começa a realizar-se agora como fruto também do esforço humano de libertação, de trabalhar para que as promessas que cremos se façam realidade já em nossas vidas e em nossa história.
Sejamos profetas da esperança, não do desespero. Sejamos homens e mulheres esperançados e esperançosos. Creiamos realmente que o amor transcende toda fronteira e vivamos assim nossa espera no Advento. Saiamos de nosso imobilismo cheio de temores. A libertação está perto. Necessitamos que Cristo nos liberte para sair adiante. E é a Ele a quem esperamos. “Vem Senhor, Jesus!.
Padre Assis