O “Rouba mas faz” já era

Por - em 8 anos atrás 836

Declarações de políticos em defesa da Operação Lava-Jato são dispensáveis. Não passam de obviedades. Apenas tentam mostrar desnecessário compromisso com a legalidade ou simulacro para confortar segmentos da sociedade temerosos de uma reversão das investigações.

Muitos não perceberam que, também no Brasil, instituições de controle inauguram novos tempos. Não é mais possível fugir da Justiça mediante conchavos políticos nem mediante a atuação de advogados que somente os ricos podem contratar.

Essa marcha é irreversível. Para o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, “é impensável supor que alguém tenha a capacidade de paralisar as investigações”. E justifica: “O ministro que chega ao Supremo responde à sua biografia e a mais ninguém”. O ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto manifestou idêntica opinião.

A Lava-Jato resulta de um conjunto de avanços institucionais, a começar pela liberdade de expressão garantida pela Constituição, da qual deriva a imprensa livre e independente.

A Justiça é independente e tem por coadjuvantes duas outras instituições – o Ministério Público e a Polícia Federal – capazes de conduzir investigações de forma autônoma.

O MP adquiriu essa característica com a Constituição de 1988, e a PF se beneficiou com o advento de novas instituições.

Entre essas novas instituições sobressai uma mudança cultural. Pelas pesquisas, a corrupção é hoje a maior das preocupações da sociedade brasileira, o que em parte se deve ao tenebroso esquema do petrolão, desvendado pela mesma Lava-Jato.

Antes, achava-se que a corrupção era natural no sistema político. Havia até a figura do bom corrupto, isto é, aquele que “rouba mas faz”.

Nas últimas décadas, a tarefa de enfrentar a corrupção foi reforçada por tratados internacionais e mudanças legislativas. A Convenção de Viena, de 1988, consagrou a lavagem de dinheiro como problema social e prática a ser criminalizada.

Motivada inicialmente pela necessidade de combater o tráfico de drogas, a Convenção teve seu escopo ampliado pelos efeitos da globalização financeira na expansão da lavagem de dinheiro da corrupção, do crime organizado e do terrorismo.

Os países que a assinaram criaram organizações para combater essas contravenções.

O Brasil ratificou a Convenção em 1991, pelo Decreto 154. E a Lei 9613, de 1998, criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), cuja missão é “prevenir a utilização dos setores econômicos para a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, promovendo a cooperação e o intercâmbio de informações entre os setores público e privado”.

O Coaf passou a ser obrigatoriamente informado sobre transações bancárias, de seguros, de negócios com imóveis, de contabilidade e de outras operações para detectar lavagem de dinheiro.

De sua análise de movimentações financeiras estranhas nasceu a Operação Lava-Jato, título inspirado nos negócios suspeitos em um posto de gasolina de Brasília.

A tudo isso se somam três elementos que ampliaram a capacidade de investigação da Lava-Jato: 1. a consolidação da colaboração premiada no direito brasileiro; 2. o amplo uso da tecnologia digital; e 3. a cooperação do Coaf, do MP e da PF com organizações similares da Suíça e de outros países desenvolvidos. O processo foi reforçado pelo jornalismo investigativo.

Numa época em que se podem fotografar dossiês por celular, divulgar informações via redes sociais, é difícil admitir que políticos possam interferir no STF para barrar a Lava-Jato. Seria preciso envolver juízes, procuradores, policiais e jornalistas. Impossível.

Gravações em que se discutem meios de impedir investigações mostram total desconhecimento dessa notável realidade ou, para dizer o mínimo, uma forma canhestra de exibir prestígio fictício.

Nesse novo cenário, não mais prosperam acordos espúrios para driblar a Justiça e salvar poderosos. Dificilmente a Lava-Jato vai virar espuma. Tentativas de abafá-la fracassaram. E têm tudo para continuar assim.

Maílson da Nóbrega