Vida e morte

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De acordo com o Gênesis, o poder de Deus se revelou na criação da natureza, imprimindo permanência e regularidade às suas leis. Deus está presente na criação do primeiro homem. Conforme a célebre pintura de Michelangelo, vista na Capela Sistina, o dedo de Deus comunica vida a Adão.

Desde o início da criação, a realidade da vida e o fenômeno da morte encontram-se entre as leis imutáveis da natureza. A vida é o valor maior da existência de qualquer criatura, enquanto a morte é o seu limite maior.

Como não podia de deixar de ser, o ensinamento da Igreja não faz senão confirmar essa verdade. Santo Agostinho fez uma leitura exata a respeito do valor da vida humana e do seu limite – a morte: “não vivemos quanto queremos, e morremos mesmo contra a vontade.” Ao reportar-se à vida e à morte de Cristo, a Igreja reza na Liturgia das Horas: “a vida em ti fere a morte, morte que à vida conduz.”

A cada ano, a participação nos atos litúrgicos da Semana Santa é uma experiência muito propícia para que, iluminados pela Palavra de Deus, alimentados pela graça dos sacramentos e sintonizados com a linguagem da natureza, todos compreendam o valor da vida e o sentido da morte. Em sua profecia, escreve o Isaías a respeito da vida e da morte: “Aí não haverá mais crianças de peito que vivam alguns dias apenas, nem ancião que não chegue a completar seus dias, pois o jovem não morrerá com cem anos, e o pecador só aos cem anos será amaldiçoado. Construirão casas e nela habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos. Não construirão para outro habitar, não plantarão para outro comer, porque a vida do meu povo será longa como a das árvores, meus escolhidos poderão gastar o fruto de suas mãos.” (Is 65,20-22)

A nota explicativa da Bíblia Pastoral explicita o sentido dessa vida: “vida longa, casa, terra e comida; descendência e possibilidade de usufruir os frutos do próprio trabalho (…). Condições para a realização da nova sociedade são a igualdade e a solidariedade (…) A consolidação da nova sociedade exige o compromisso com o direito e a justiça (…) Ideal que continua vivo em nossa vida e comunidade.”

Ao falar de vida, Jesus está falando de vida plena. De imediato já se conclui que, no mundo, há muita coisa incompatível com a dignidade da vida. Salta aos olhos de todos que guerra, mortalidade infantil, mortes prematuras, em razão da violência social, como acidentes de trânsito e drogas, condições sub-humanas de vida, decorrentes da falta de moradia, do desemprego institucionalizado, da perda de direitos sociais e, nessa linha, muitos outros registros na vida do povo não condizem com o plano de Deus.

“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.” (Jo 10,10). Valendo-se do seu espírito de observação, facilmente identificado nos Evangelhos, Jesus compara o sentido da morte humana à razão da morte de um grão de milho, de feijão, de trigo. Essa unidade, em si, nunca deixa de ser unidade, se mantida nessa condição. Mas, é sabido, qualquer grão tem em si a virtualidade, a potencialidade de tornar-se muitos grãos. “E eu garanto a vocês: Se o grão de trigo, ao cair na terra, não morrer, ficará sozinho. Mas, se morrer, produzirá muito fruto.” (Jo 12,24)

Assim, nessa comparação muito simples, expressão da sabedoria popular de Jesus, está presente um ensinamento muito profundo sobre a vida e a morte. Na verdade, trata-se de um ensinamento novo sobre a vida, vida em abundância. Esta compreende os aspectos apontados pelo profeta Isaías, na passagem acima citada, que já devem ser experimentados pelas pessoas, enquanto vivem no tempo. Isso significa dizer que elas se sentem bem, felizes, realizadas.

Todavia, o sentido de plenitude, de abundância não se encontra na esfera da conquista, no usufruto de bens materiais; tampouco reside no universo dos relacionamentos humanos. Santo Agostinho compreendeu isso perfeitamente: “Fizeste-nos para Ti e inquieto está nosso coração, enquanto não repousa em Ti.” Por conseguinte, a vida em abundância tem sua plena realização na eternidade.

Quando celebrada comunitariamente e espiritualmente bem vivida, a Semana Santa deixa no coração humano o desejo da vida em abundância, na sua face terrestre, e o anseio de plenitude, na dimensão eterna, graças aos frutos da paixão, morte e ressurreição de Jesus.

Assim pede a Igreja na oração das Laudes, no Sábado Santo: “Cristo, Nosso Senhor, que, como grão de trigo caído na terra, fizestes germinar para nós o admirável fruto da vida eterna, dai-nos a graça de morrer para o pecado e viver somente para Deus.”

Por Dom Genival Saraiva