O que ensinar, aprender e avaliar na Educação Midiática
Por Por Januária Cristina Alves/NEXO JORNAL LTDA - em 1 minuto atrás 2
Por Januária Cristina Alves/NEXO JORNAL LTDA
Para que serve a Educação Midiática? Por que investir em programas de Educação Digital e Midiática em um contexto de desinformação massiva em que há tantas variáveis interferindo na relação das pessoas com o universo digital? O que devemos ensinar – e aprender – dentro do escopo desta área de conhecimento? Como avaliar os programas e projetos de Educação Midiática?
Estas foram algumas das questões que debati com três especialistas nesta área que estiveram aqui no Brasil para participar do Workshop Internacional de Especialistas em Educação Digital e Midiática, promovido pela Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social, em um acordo de cooperação inédito no Brasil com a Comunidade Europeia, sob a coordenação da Embaixada da Finlândia.
Tive o prazer de mediar esta aproximação com o intuito de promover um acordo de cooperação que permitisse não apenas uma visita técnica a instituições da Finlândia, Dinamarca, Alemanha e Brasil, mas também uma intensa troca de ideias e experiências sobre esse tema. Leo Pekkala, vice-diretor Instituto Nacional Finlandês de Audiovisual, Päivi Leppänen, conselheira sênior da Agência Nacional Finlandesa de Educação e Hanna Ramezani, assessora da Agência Alemã para Educação Cívica, conversaram comigo sobre o “estado da arte” da Educação Midiática em seus países e também compartilharam suas impressões sobre o que viram aqui no Brasil.
Sintetizando o tema central desta conversa eu diria que é preciso, antes de mais nada, definir o que cabe embaixo do guarda-chuva da Educação Midiática que, como disse Leo Pekkala, citando o professor David Buckingham, outra grande autoridade no tema, é frequentemente invocada como um ‘solucionismo’.
“Quando a regulação da mídia parece impossível, o letramento midiático é muitas vezes visto como uma resposta aceitável – e até mesmo uma panaceia mágica – para todos os males sociais e psicológicos associados à mídia”, afirmou, questionando, inclusive, o peso colocado sobre a responsabilidade individual para se lidar com um problema que definitivamente é coletivo.
A EDUCAÇÃO MIDIÁTICA É UM INSTRUMENTO ESSENCIAL PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ NA ALEMANHA E NA FINLÂNDIA E SUA EXPERIÊNCIA INSPIRA A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL
Por isso, é importante entender como cada país define Educação Midiática. Para a Finlândia, disse Leo, “trata-se de criar a conscientização e a compreensão de como a mídia funciona, a fim de ajudar crianças e jovens na escola a entenderem como estão recebendo as mensagens, de que maneira podem ser influenciados por essas mensagens e como funciona o jornalismo”. Segundo Päivi, um aspecto fundamental para o sucesso dos programas em Educação Midiática finlandeses é o apoio de toda a sociedade. “Há tantas coisas na Finlândia que tornam isso mais fácil do que em alguns outros países, como a confiança nas autoridades e a confiança na mídia. Temos principalmente notícias e jornais muito confiáveis e sempre tivemos.”
Na Alemanha a Educação Midiática está ligada aos programas de educação cívica, porque eles a entendem como um tema fundamental para a manutenção da democracia. “Há uma variedade de atores na Alemanha. Então, também diferentes instituições estatais como a nossa fornecem informações para cidadãos e para professores. Existem muitas ONGs ou clubes juvenis, por exemplo, que também se envolvem no assunto”, afirmou Hanna. “Há instituições de mídia públicas que têm o papel de regular a mídia e que também se consideram responsáveis por promover o letramento midiático. Há um conjunto diverso e acho que é uma coisa boa, porque precisamos de abordagens diferentes para pessoas diferentes”.
Aliás, este é um aspecto em comum em ambos os países: a Educação Midiática é compreendida como um conjunto de conhecimentos que devem ser oferecidos a partir do contexto de cada lugar, respeitando as especificidades de cada público envolvido. Por isso ela é transversal na escola, não sendo encarada com uma disciplina única. Nesse sentido, a amplitude de possibilidades de aplicações dificulta uma escala única de avaliação, bem como a estipulação de indicadores mais específicos sobre a sua efetividade na transformação concreta dos diversos problemas que busca lidar e/ou solucionar.
Segundo Leo, que é um admirador da metodologia Paulo Freire desde os anos 70, “toda educação é Educação Midiática” porque seu foco principal é a formação do pensamento crítico e ele é a base para a aquisição do conhecimento. É consenso entre os meus três interlocutores que ela contribui diretamente para o desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia intelectual e da capacidade de distinguir fatos de desinformação.
Segundo relatos dos próprios estudantes finlandeses, esse conhecimento é uma ferramenta de empoderamento que ninguém pode lhes tirar. Além disso, existe uma relação direta entre competências digitais e bem-estar social. Indivíduos que dominam as ferramentas digitais e compreendem o funcionamento da mídia sentem-se mais seguros, menos vulneráveis à manipulação e mais preparados para participar ativamente da sociedade.
No entanto, com a introdução global da inteligência artificial como instrumento de pesquisa e de informação, eles entendem que os desafios agora são outros e vão requerer a adoção de programas que formarão educadores que a utilizem sistematicamente em sua prática pedagógica, como explicou Hanna. “Acho que tecnologia é algo que você tem que aprender fazendo. A IA é um exemplo, porque você tem que usar o tempo todo para aprender, não se pode ensinar primeiro e depois começar a usar. Por isso este é um grande desafio para todos”.
Um ponto sensível levantado pelos especialistas é que os maiores beneficiados pela Educação Midiática tendem a ser aqueles que já possuem maiores privilégios socioeconômicos. Isso amplia a necessidade de planejar políticas e projetos específicos que consigam alcançar populações mais vulneráveis e grupos minoritários.
Na Finlândia, um dos principais desafios é ampliar a Educação Midiática para a população adulta. Enquanto crianças e jovens são atendidos com eficiência no ambiente escolar, adultos — especialmente aqueles de diferentes origens culturais, linguísticas e com níveis variados de escolaridade — ainda têm pouco acesso a esse tipo de formação. A Alemanha enfrenta um desafio semelhante, acrescido de questões estruturais, como a dificuldade histórica de garantir acesso à internet de alta velocidade, principalmente nas áreas rurais.
Presente nos currículos de formação de estudantes desde a educação infantil até o ensino médio, a Educação Midiática se consolida nesses países como um instrumento essencial para a formação cidadã no século 21e seus exemplos práticos estão inspirando a criação de políticas públicas aqui no Brasil.
Segundo Nina Santos, secretária adjunta da Secretaria de Políticas Digitais, há o que se comemorar porque a Educação Midiática tornou-se uma pauta importante para o nosso país, como demonstra a criação da Estratégia Brasileira de Educação Midiática. “Trata-se também de uma pauta transversal, demandando, porém, um esforço gigantesco e contínuo. No momento a prioridade é a formação dos formadores, com a inclusão do tema em diferentes espaços de formação, dentre eles, as universidades”, ela frisa, bastante animada.
Tal como ela, os especialistas da comunidade europeia compartilham deste sentimento, avaliando que o que viram por aqui é bastante promissor. Eles destacam, que, apesar de serem realidades distintas, os desafios são os mesmos. “Toda educação deveria apontar o caminho para uma vida boa. A Educação Midiática diz respeito ao desenvolvimento de um letramento midiático cultural e socialmente significativo, que conduza a uma vida boa”, concluiu Leo. “Uma vida boa é aquela em que questionamos e pensamos sobre as coisas. É uma vida de contemplação, reflexão, autoexame e de uma mente aberta ao novo”.
Portanto, ainda há muito a se aprender, ensinar e avaliar sobre a Educação Midiática. Aqui e no mundo inteiro.