A Fé e a Esperança
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A reflexão sobre a fé e a esperança é neste Domingo muito forte. Pensa-se frequentemente que a fé é uma atitude mental, uma reflexão, é isso, mas é também um caminho, um itinerário pelo qual a fé entra progressivamente na nossa vida quotidiana e cresce por meio das alegrias, esperanças, crises e expectativas de cada dia.
Esperar parece ser uma característica da fé. A fé se transforma em esperança. O cristão vive da esperança. A esperança é uma virtude pessoal e coletiva. A fé também “é um ato pessoal, como livre resposta do homem a Deus que se revela. Mas é ao mesmo tempo um ato eclesial, que se exprime na confissão: ‘Nós cremos’. Com efeito, é a Igreja que crê” (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 30).
Ao redor da virtude sobrenatural da fé e da esperança movem-se outras virtudes como a paciência, a constância e, sobretudo a perseverança. A perseverança até o fim é a atitude coerente daquele que tem fé e espera.
A fé judaica e cristã compartilha a mesma “esperança” e igual “promessa”, até nos arriscamos a afirmar que a “história da salvação” é a história da espera e de uma promessa, esperança dos judeus e cristãos. A esperança anima e transpassa as páginas de Bíblia de ponta a ponta. Israel é o povo chamado a receber as promessas de Deus que geram esperança. Esta promessa de Deus sustenta a Bíblia inteira, e a transforma no livro da esperança.
Toda a história da salvação nos tem mostrado, séculos por séculos, que a esperança posta em Deus não decepciona. Deus é um Deus fiel e suas promessas se cumprem, mas enquanto promessa não vem no presente imediato, mas se espera para o futuro.
A fé é iluminada pelo exemplo dos antigos patriarcas, como nos recorda a Carta aos Hebreus (cf. Hb 11,1-2.8-19). O capitulo 11 desta carta, é inteiramente dedicado ao tema da “fé”. A exposição começa com a descrição da fé, aqui entendida como a “garantia dos bens que se esperam e a certeza das realidades que não se veem” (v. 1).
O autor desconhecido desta carta vê a “fé” posta em relação com a esperança; como uma atitude de extrema confiança nas promessas de Deus que se realizam na história; e de certeza das realidades que não se veem. Não precisa de nenhuma confirmação externa, basta-se a si mesma para manter a espera dos bens prometidos, ela dirige-se ao futuro e ao invisível. Por isso a fé não é um raciocínio, mas “é confiar plenamente em Deus e acolher sua Verdade” (Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 25).
A fé brilha na vida dos patriarcas de Israel, como está descrito no Antigo Testamento. O Protótipo é o patriarca Abraão, o “pai da fé”. “Foi pela fé que Abraão obedeceu à ordem de partir para uma terra que devia receber como herança, e partiu sem saber para onde ia” (v. 8).
Este patriarca inaugura a cadeia de esperanças e de espera de Israel. A história de Israel tem seu ponto de partida na promessa de descendência e terra feita a Abraão (Gn 12,2-5; 13,14-18): Primeiro vive na esperança e espera um filho, e Deus lhe cumpre a promessa dando-lhe Isaac, apesar da sua idade avançada e da esterilidade de Sara, sua mulher. Deus cumprirá sua promessa, mas quanto a terra e a descendência numerosa isso é coisa para séculos depois, não durante a existência terrena de Abraão. No século XIII a.C., Deus cumpriu a promessa da terra com Josué. Muitos séculos depois, com Jesus Cristo, Deus cumprirá a promessa da descendência, já que só em Jesus “serão benditos todos os povos da terra”.
A carta aos Hebreus apresenta os patriarcas e as grandes figuras do povo de Israel buscando uma “pátria”. Esta busca é interpretada não em sentido histórico, mas meta-histórico: “Eles desejam uma pátria melhor, isto é, a pátria celeste” (v. 16). O mesmo Deus que foi fiel cumprindo suas promessas na história será fiel cumprindo suas promessas para além da história. Desta espera e esperança meta-históricas nos fala, sobretudo o Evangelho (cf. Lc 12,32-48), através da imagem do patrão a quem os servos devem esperar até que ele chegue para abrir-lhe a porta: “Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater” (v. 36). Jesus aponta para o modelo do homem prudente, sensato, vigilante para que o futuro não o pegue desprevenido.
“Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas”. (v. 35) Os judeus costumavam usar túnicas longas e folgadas, por isso cingiam-se para poderem andar e executar determinados trabalhos. “Ter as roupas cingidas” é uma imagem expressiva utilizada para indicar que alguém se preparava para realizar um trabalho, para empreender uma viagem, para entrar na luta. Do mesmo modo, “ter as lâmpadas acesas” indica a atitude própria daquele que está de vigia ou espera a chegada de alguém. A melhor maneira de esperar é seguramente esperar em atitude de disponibilidade.
Desde o nascer toda pessoa aprende a esperar e de alguma maneira está a espera do Senhor. Os cristãos temos de esperar sem medo, com alegria, “porque o Pai nos dará o Reino”, e Deus nosso Pai, não deixará de cumprir sua promessa. Temos de esperar em atitude de disponibilidade, para qualquer momento: “com a cintura cingida e as lâmpadas acesas”. Igualmente, a espera há de ser vigilante, porque o Senhor chegará “como um ladrão”, quando menos se pensa. A melhor maneira de esperar é seguramente fazendo o bem a todos e levando uma conduta digna. O abusar do próprio poder, batendo nos empregados e comendo e bebendo até se embriagar, é um modo inapropriado de esperar o Senhor.
Vivemos de esperança, mas o cristão não é um utópico sonhador desconectado do presente com sua realidade. O cristianismo vive o realismo do presente, com as pequenas tarefas de cada dia; com os pequenos ou grandes projetos; com as lutas pela vida e sobrevivência; com a crônica sombria dos periódicos ou da televisão, com as pequenas surpresas desagradáveis; crises; dramas etc.
Na realidade a vida se vive no presente ou não se vive. O presente é a terra que piso, a família na qual vivo, as pessoas que amo, a mãe ou o pai enfermo, a filha ou o filho travesso, o lugar onde trabalho, a paróquia por onde passo todo dia, o exame médico que vou receber ou o carro novo que acabo de comprar… Nosso olhar há de estar posto nesse presente, não evadir-nos dele, assumi-lo com toda sua realidade, seja triste ou agradável.
“Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino” (v. 32). Não temos de temer o presente, temos de olhá-lo de frente, com hombridade. Mas o presente não existe encerrado em sua própria concha, por sua natureza está aberto ao futuro que passo a passo, inexoravelmente se converte em presente. Esse futuro não pode esquecer-se sem vivê-lo no cotidiano. O futuro é o horizonte do presente, é a esperança.
O presente aberto e cristão lança seu olhar adiante, na meta a atingir, mirando o futuro; guiado pela fé, ele tem sempre diante dos olhos as realidades últimas, que dão sentido pleno àquilo que aqui acontece. O cristão tem que “esperar sem medo”, porque o Pai decidiu nos dar o seu “Reino” e Ele não deixará de cumprir essa promessa.
Por Padre José Assis