Águas benfazejas
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O fenômeno da estiagem no Nordeste é secular e a solução para o problema da seca não foi encontrada, ao longo do tempo, por falta de decisão política e em razão da acomodação da própria sociedade. Ao tratar da necessidade de se dar a merecida atenção aos Biomas brasileiros, a Campanha da Fraternidade de 2017 tem este objetivo geral: “cuidar da criação, de modo especial dos biomas brasileiros, dons de Deus, e promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho”.
Os nordestinos, em particular, têm uma razão especial para uma leitura de dois deles: Caatinga e Mata Atlântica. A Caatinga está localizada em oito Estados do Nordeste e no Norte de Minas Gerais, enquanto a Mata Atlântica é parte do território nordestino. Em ambos, água, flora e fauna têm feições próprias. Um nordestino fala da seca com “conhecimento de causa” porque isso faz parte da história de sua Região e de sua vida pessoal. Todavia, ao lado do registro da memória pessoal, é necessário ver o retrato nordestino, particularmente, no tocante à seca, na ótica da relação entre causa e efeito, dado que, nesse campo, nada acontece por acaso.
Segundo estudos divulgados, a seca atual é “a pior dos últimos cem anos”. Consequência da seca, a falta d’água é a aflição maior da população e seu reflexo é imediato na agricultura e na pecuária. Por isso, a prolongada falta de chuva está relacionada com o registro negativo dos índices sociais e econômicos do Nordeste.
Parte dos Estados do Nordeste começa a ver solucionado o problema da falta de água para o consumo humano, animal e agrícola, com a chegada das águas transpostas do Rio São Francisco. A execução desse projeto encontrou muitas resistências na sociedade, haja vista o posicionamento de pessoas e grupos de outras Regiões e também do Nordeste, em decorrência de sua concepção ideológica, de sua militância política e de sua leitura técnica. O atraso na execução das obras decorreu da corrupção patrocinada por políticos e empresários, causando enormes prejuízos sociais e financeiros no Nordeste. Segmentos cristãos, católicos, muitos dos quais atuando nas Pastorais Sociais, adotaram uma posição visceralmente contrária à execução das obras de construção dos canais dos eixos leste e norte da transposição.
A maioria dos Bispos do Regional Nordeste 2 da CNBB (Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte) e do Nordeste 1 (Ceará), em sua missão pastoral, sempre foi favorável à execução das obras de engenharia para captação e transposição das águas do São Francisco, por conhecer, de perto, o sofrimento do povo. Por sinal, a leitura de Bispos nordestinos a respeito da seca e de suas consequências vem de longe, basta lembrar o “1º Encontro dos Bispos do Nordeste”, em Campina Grande (PB), em 1956. A construção do açude de Boqueirão, no interior da Paraíba, foi um dos frutos desse Encontro dos Bispos – obra autorizada pelo Presidente da República, Juscelino Kubitschek. Esse açude, hoje praticamente seco, abastecia cerca de um milhão de pessoas. Com as águas que estão pra chegar a ele, brevemente, termina o sofrimento de cerca de um milhão de pessoas.
Assim como “a água que escorria da soleira do Templo”, na visão do Profeta Ezequiel, as águas que chegam aos Estados nordestinos trazem alegria e esperança ao povo. “Por isso, em todo lugar por onde passar a torrente, os seres vivos que a povoam terão vida. Haverá abundância de peixes, pois aonde quer que essa água chegue, ela levará vida, de modo que haverá vida em todo lugar que a torrente atingir. (…) Nas margens da torrente, de um lado e do outro, haverá toda espécie de árvore com frutos comestíveis, cujas folhas e frutos não se esgotarão. Essas árvores produzirão novos frutos de mês em mês, porque a água da torrente provém do santuário. Por isso, os frutos servirão de alimento e as folhas de remédio” (Ez 47, 9-12). As águas que vêm do Rio São Francisco para muitas cidades e o interior dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará são águas benfazejas.
Com Dom Genival Saraiva