Quem é o mais importante?
Por - em 6 anos atrás 4525
Jesus faz hoje um segundo anúncio de seu mistério pascal a partir de uma pergunta: “O que discutíeis pelo caminho?” (cf. Mc 9,30-37) Trata-se de um texto característico do evangelho de São Marcos, um evangelho que deixa perguntas, coloca interpelações e provoca um envolvimento não apenas dos discípulos, mas também de todos os que o escutam, pois Jesus nos pode fazer também hoje a mesma pergunta: Do que falais diariamente? Quais são as vossas aspirações?
A partir dessa pergunta Jesus fala do seu messianismo já que os discípulos tinham uma ideia de Messias e é isso que Jesus queria saber ao perguntar: “O que discutíeis pelo caminho?” (v. 33) Certamente eles imaginavam um Messias todo sagrado, configurado à maneira de Jerusalém, ou um Messias politico-guerreiro e combatente ou ainda um Messias profético, homem da Palavra que se torna convincente.
Diante da incompreensão dos seus discípulos sobre seu messianismo, Jesus anuncia algo chocante, um messianismo de serviço, um Messias que serve a humanidade, que segue “o caminho do serviço”, “do último lugar” ou “caminho da cruz”. Atitudes importantes para a vida e missão dos seus discípulos, e que Ele mesmo porá em prática com sua morte e ressurreição.
Tudo parte da pergunta: “O que discutíeis pelo caminho? Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior”. (vv. 33-34) Eles não respondem, ficam em silêncio, o silêncio dos que se sentem culpados ou paralisados pelo medo, porque no caminho discutiam sobre quem dentre eles era o maior, quem era o mais importante.
Eles assim agindo dão provas de que não entenderam nada do anúncio que Jesus acabara de fazer do seu messianismo. Mas, esta discussão dos discípulos sobre quem é o mais importante, não é uma discussão nova para ninguém.
“Quem é o mais importante? Uma pergunta que nos acompanhará toda a vida e à qual somos chamados a responder nas diferentes fases da existência. Não podemos fugir a esta pergunta; está gravada no coração… a história da humanidade está marcada pelo modo como se respondeu a esta pergunta.” (Papa Francisco)
O desejo de ser o maior ou o primeiro está infelizmente na raiz do egoísmo humano. Jesus não vai destruir esta ambição de poder instintiva do ser humano, mas lhe vai dar uma orientação radicalmente nova: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” (v. 35) Quem quiser ser grande, sirva os outros e não se sirva dos outros. Jesus diz simplesmente que a vida autêntica se vive no compromisso concreto com o próximo, isto é, servindo.
Não é fácil assimilar Jesus Cristo, sua pessoa e missão, seu novo ensinamento e sua vida, isso é revolucionário de mais! A instrução de Jesus aos discípulos e à comunidade nascente é ao mesmo tempo uma denúncia da ambição de poder, da inveja, das tentativas de domínio sobre os outros, do protagonismo, dos sonhos de grandeza, das manobras para conquistar honras e privilégios.
Esses comportamentos são ainda mais graves quando acontecem no interior das comunidades cristãs, são comportamentos incompatíveis com o seguimento de Jesus e podem infectar tanto os membros da hierarquia como os leigos às vezes ciosos de poder dentro da Igreja. Jesus deixou bem claro que a autoridade é uma forma de serviço humilde e discreto, alheia a autoritarismos, clericalismos e protagonismos.
Pelo que se vê ninguém está isento da ambição e da rivalidade, nem sequer no círculo dos amigos íntimos de Jesus. Mas Ele afirma rotundamente que os seus discípulos têm de trocar a ambição do poder pela atitude de serviço. A coexistência de ambos os extremos é impossível.
A vontade de poder, que não é serviço, é a fonte de todos os males sociais e comunitários, é o pecado que vicia a base da convivência humana, construída sobre a luta e a competição. Embora haja honrosas exceções, a ambição pelo poder costuma prevalecer sobre a vontade de serviço.
A vocação de serviço, que Jesus propõe no evangelho de hoje, apresenta uma peculiaridade a que devemos estar atentos: “Jesus pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a disse: Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo.
E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”. (vv. 36-37) Este é um gesto profético e eloquente, verdadeira ação simbólica.
Naquele tempo, abraçar uma criança não era um gesto comum, sobretudo partindo de um mestre, pois as crianças não eram objeto de atenção ou carinho dos adultos, mas sim de desprezo. Assim Jesus ensinava aos Apóstolos que a sua grandeza estava em acolher com afeto e humildade aqueles que não têm valor aos olhos do mundo, como as crianças, os pobres e em geral todos os necessitados.
“Servir significa, em grande parte, cuidar da fragilidade. Significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. São os rostos sofredores, indefesos e angustiados que Jesus nos propõe olhar e convida concretamente a amar. Amor que se concretiza em ações e decisões… são pessoas de carne e osso, com a sua vida, a sua história e especialmente com a sua fragilidade, aqueles que Jesus convida a defender, assistir, servir.” (Papa Francisco)
Convém hoje ante o “ícone vivo” do poder serviço, a criança acolhida e abraçada por Jesus, como o maior e mais importante na comunidade cristã fazermos uma autocrítica e repensar a nossa forma de nos situarmos ante o poder-serviço, quer dentro da comunidade cristã, quer na sociedade. Examinarmos se exercemos bem nosso “ministério” ou serviço aos outros, esse cuidar uns dos outros por amor, sobretudo os pequenos e frágeis.
Frequentemente, tanto clérigos como leigos, utilizamos a autoridade para nos sentirmos mais importantes ou abusar do poder ou até nos servir dos outros. Também há ambição no campo espiritual: queremos ser os primeiros em virtude, em santidade, em experiência de Deus, em radicalidade evangélica.
Por que queremos isso? Para obter um lugar importante no céu? Para que os outros nos elogiem? Aprendemos hoje que só a humildade e o espírito de serviço é o que deve distinguir o cristão. Acolhermos a lição e a proposta de vida que nos faz o evangelho sabemos que não é uma tarefa fácil.
Como discípulos e discípulas de Cristo que somos como Igreja de Jesus, devemo-nos por ao menos à sua escuta, seguindo seu exemplo assimilando seu ensinamento de humildade e serviço simbolizado pelo seu abraço de uma criança. E aquele que acolhe o menor, o pequeno, acolhe Jesus e o próprio Pai. Se quisermos ser seus discípulos e discípulas temos que mudar, temos de convencer-nos vitalmente que o servir não é um favor que se faz alguma vez, mas o estilo habitual de ser e de viver cristão.
Padre José Assis Pereira