Desprezo pelo Orçamento

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O ministro da Defesa, Aldo Rebelo, defende a ideia de que o Orçamento destine 2% do PIB para as Forças Armadas, “como acontece em outros países que consideram a agenda de defesa uma coisa importante e séria”, segundo publicou o jornal o Estado de S. Paulo. Engano.

Países sérios não agem assim. Gastos com a defesa são decididos anualmente, de acordo com cada situação. Um deputado propôs reservar 5% do PIB para a segurança pública. Ideias desse tipo criam despesas obrigatórias, engessam e desprezam o Orçamento, e hipotecam a vontade dos futuros parlamentares.

Decidir todo ano sobre o Orçamento é a função mais nobre do Parlamento. Essa prática nasceu dos quatro grandes momentos institucionais da civilização ocidental: a Magna Carta (1215), a Revolução Gloriosa (1688) – ambos na Inglaterra –, a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).

No Portugal de reis absolutos – época que influenciou nossa cultura orçamentária –, as finanças do monarca se confundiam com as do Tesouro. O Parlamento tinha papel irrelevante. O absolutismo português sobreviveu até o século XIX.

A democracia advinda da Revolução dos Cravos (1974) e o ingresso na União Europeia (1986) levaram à adoção de boas práticas orçamentárias.

No Brasil, herdeiro da cultura patrimonialista portuguesa, o Orçamento continua a ser tratado de forma descuidada. Vide as “pautas-bomba” que podem arrebentar as finanças públicas.

A vinculação de receitas a despesas é outro atraso institucional. Para completar, a corrupção invadiu o Orçamento nas fraudes investigadas pelas CPIs dos Anões do Orçamento (1993) e dos Sanguessugas (2006).

Quando o Orçamento é coisa séria, até o seu anúncio contém simbolismos que o valorizam.

Na Inglaterra, a proposta orçamentária acarreta ampla discussão. Na sua entrega formal, o ministro da Fazenda vai a pé de sua residência oficial em Downing Street até o Parlamento, seguido por jornalistas. A coreografia realça a importância do assunto.

No Brasil, onde prevalece a rigidez orçamentária, mais de 90% da receita tem destino obrigatório. Não há paralelo com essa esquisitice. O engessamento existe, é verdade, em outros países, em despesas como as de aposentadorias, pensões e salários.

Mas nada tão irracional quanto aqui.

A vinculação de receitas a despesas tem inúmeros defeitos. Os Parlamentos futuros ficam amarrados, sem ação. Noutra distorção, os municípios são obrigados a despender em educação 25% dos impostos, mesmo quando a população infantil diminui.

Por isso, gastam em outras atividades tidas como educacionais. Quem se beneficia das vinculações tende a gerir mal as despesas, pois tem receitas garantidas. O desperdício é enorme.

A primeira vinculação constitucional surgiu de proposta do senador João Calmon (1983): 13% de todos os impostos da União, dos estados e dos municípios seriam aplicados em educação.

O objetivo era “proteger” a educação do ajuste fiscal apoiado pelo FMI e da “insensibilidade” da equipe econômica. Nada disso procedia. O pior é que a Constituição de 1988 ampliou a prática, destinando à educação 18% dos impostos federais e 25% dos tributos arrecadados por outras esferas de governo.

Emendas constitucionais criaram outra vinculação, dessa feita à saúde.

Como se fosse pouco, a vinculação para a educação se ampliou na era petista, incluindo a insana destinação, à área, de 10% do PIB.

Como proporção do PIB, o Brasil gasta em educação mais do que os países mais bem-sucedidos nessa área atualmente: Japão, Coreia do Sul e China. Passamos a despender aproximadamente tanto quanto a Alemanha e os Estados Unido. Só que a qualidade da educação não evoluiu na mesma proporção.

Se barbaridades como as defendidas pelo ministro da Defesa e o deputado da segurança pública forem aprovadas, as vinculações de receitas e outros gastos obrigatórios consumirão mais de 100% da arrecadação tributária. Seria condenada ao desaparecimento a função essencial do Congresso, a de definir prioridades orçamentárias.

O Brasil regrediria, na prática, aos tempos do patrimonialismo ibérico. Ainda bem que não voltaríamos à monarquia absoluta. Mas abandonar práticas orçamentárias primitivas tornou-se um imperativo.

Maílson da Nóbrega