Deixe junho para o São João

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É bem verdade que o São João é, para os nordestinos, uma festa que não pode ser passada em branco. Talvez seja até mais importante do que o carnaval para a maioria da população da região. Com ou sem crise, não há como passar sem os festejos juninos, principalmente no interior. E se, por um lado, os gastos com a festa parecem exorbitantes, por outro a atração de turistas dispostos a gastar pode movimentar a economia local, ao mesmo tempo em que diverte nossa gente. Isso se houver um equilíbrio entre a despesa e a expectativa de lucro.

É bem verdade, também, que nada é como antes. Apesar dos apelos do poeta e escritor Bráulio Tavares – “Deixe junho para o São João”, que transcrevo abaixo -, o povo quer o cantor da moda, mesmo que não entenda de forró; quer a banda plastificada, até mesmo uma pitada de axé.

Os prefeitos se esforçam para atender seus eleitores. Em Patos, Wesley Safadão foi a grande atração da festa junina. E será assim em Campina Grande.

Wesley foi o epicentro de uma discussão sobre distorções da cultura local associadas aos grandes gastos públicos numa região onde a crise brasileira é mais acentuada. Uma ação popular chegou a merecer uma liminar da justiça suspendendo o show em Caruaru, cuja prefeitura estaria disposta a pagar quase R$ 600 mil de cachê ao artista, principalmente após comparar o valor pago pela prefeitura de Campina Grande – as duas cidades disputam os festejos mais animados das galáxias -, de quase R$ 200 mil.

Amazan? Figurou em pouquíssimas programações especiais. Flávio José? Oxi, esse pode ficar pra depois. Forró pé-de-serra? Ah, isso é pra festinhas particulares.

Tem gente nova, também, fazendo bom forró. Só para citar um exemplo, a charmosa e talentosa Lucy Alves faz bonito onde chega. É, mas o negócio agora é dançar ao som de Safadão e admirar suas madeixas. Forró? Ok, vai um pouco de forró também, só para os chatos não implicarem muito com as novidades da indústria fonográfica. “Mas que seja só um pouquinho, tá? Não abusa não”.

As quadrilhas tradicionais, do alavantu, anarriê, balancê, deram lugar a verdadeiros espetáculos, inclusive cenográficos, com trajes nada matutos e que mais parecem fantasias, de tão brilhosas, caprichadas e caras. Tudo lembra uma escola de samba.

Uma pena que essa nossa tradição venha dando lugar a uma outra festa, com mesclas de música autêntica e outras nem tanto, e que cada vez mais vem se distanciando do São João original.

Se o povo quer e a prefeitura pode, sem sacrificar ações mais importantes para o povo, que venham os Safadões. Fazer o quê? Mas deixá-los como atrações principais e ignorar tantos forrozeiros bons não parece decente com nossa cultura.

Sobraram – enfim – as comidinhas típicas: a canjica, a pamonha, o milho assado ou cozido, o bolo de milho, o pé-de-moleque. As bandeirinhas coloridas também permanecem. As fogueiras estão desaparecendo, mas ainda esquentam corações. Sobrou, também, o talento de Bráulio Tavares. A ele, minha homenagem, transcrevendo seus versos em defesa da sanfona, zabumba e triângulo. Precisa de mais?

DEIXE JUNHO PARA O SÃO JOÃO

Deixe o batuque do axé

pro carnaval da Bahia

e a insana pornografia

não troque no arrasta-pé.

Rapariga e cabaré?

Em nenhuma ocasião.

E o forró da ostentação

Reinando o falso interesse?

Não faça um negócio desse,

Deixe junho pro São João.
Pelo menos uma vez

Esqueça Michel Teló

E deixe eu dançar forró

Os trinta dias do mês.

Um disco de Marinês,

O gogó de Assisão

E o nosso Rei do Baião,

Cantando Zé Marcolino,

Só esse mês é junino,

Deixe junho pro São João.
Com seu povo tenha zelo,

Respeite nossa raiz,

Não ouça o cantor que diz

Que o melhor é o desmantelo.

Deixe a escova do cabelo

De Wesley Safadão

Pro Programa do Faustão

Que aqui é outra lisura,

Não mate nossa cultura,

Deixe junho pro São João.
Deixe a tal da muriçoca

Se enganchar no mosqueteiro,

Contrate Alcimar Monteiro

Que nossa música toca.

Deixe o funk carioca

Tremendo seu paredão

Pra quando uma guarnição

Passar baixando o volume,

Perca esse fútil costume,

Deixe junho pro São João.

Nós precisamos parar

A superficialidade,

Pois cultura de verdade,

Jamais pode se apagar.

É triste se constatar

Essa covarde inversão,

E o povo sem ter noção

Do próprio valor que tem:

Faça a você esse bem:

DEIXE JUNHO PRO SÃO JOÃO!

Gisa Veiga