José Crisólogo da Costa, um picuiense genial

Por Alisson Pinheiro - em 2 meses atrás 420

A função do artista é lançar luz sobre a alma humana (George Sand)
Nossa herança cultural vem da Grécia e de Roma. A arte que nos foi legada por estas civilizações serve de modelo e inspiração até hoje. Em Picuí nasceu um continuador desta tradição ancestral, José Crisólogo da Costa, artista admirável porque foi escultor, pintor, cenógrafo, músico e detentor de muitos outros saberes.

Nascido em 1950, viveu em Picuí até o fim da adolescência. Neste período juvenil já despertava admiração pela sua capacidade inventiva, como a de transformar a calçada de sua casa num painel com desenhos de belíssimas figuras, somente usando carvão e giz. E seu talento não era só contemplativo, ele sabia instrumentalizá-lo para fins econômicos, pois construía apreciados carrinhos de madeira que eram revendidos na Casa Vidal.

Passou a residir em João Pessoa a partir de 1964, período da efervescência do “rock in roll” e da mudança de costumes no mundo Ocidental. Foi o início de uma paixão imorredoura pela banda The Beatles. Também significou a consolidação do seu amor pela música que começou muito antes, no tempo que integrava a Filarmônica picuiense. Hábil no violão, no baixo e no cavaquinho, logo começou a participar da formação de diversos grupos musicais em João Pessoa ao longo de mais de cinco décadas. Em paralelo seguia seu gosto pelas artes plásticas que foi aperfeiçoando distanciado da academia.

A sua aura de artista plástico se consolidou no final da década de 1970, quando participou de uma mostra coletiva de arte no salão da Reitoria da UFPB. Logo a seguir envolveu-se em exposições, sendo as mais importantes as ocorridas em Recife (1979 e 1980) e no Rio de Janeiro (1980). Ele foi um dos artistas vencedores do concurso das listas telefônicas da antiga Telpa em 1980, conseguindo com isso ver uma de suas pinturas estampada nas capas dos famosos (e úteis) catálogos.

Todo grande artista escolhe uma temática, a maneira pessoal de honrar as musas. E o seu tema por excelência era a figura do boi, uma homenagem singela às origens seridoenses, ao animal que viabilizou a vinda dos nossos ancestrais para o interior do Nordeste, criando uma civilização dita “do couro”, posta em relevo a partir dos estudos do historiador Capistrano de Abreu. O ápice da sua criação foi a aclamada “Série Bovina”, considerada pelos críticos um trabalho da mais alta beleza e originalidade.

Ele produziu muita arte através de gravuras, onde a maestria reside na matriz elaborada que servirá para a construção da pintura (artistas do porte de Andy Warhol utilizaram esta técnica para compor as suas obras). Chegou inclusive a ser sócio do Clube da Gravura da Paraíba. E foi em litogravura que Picuí foi homenageada com um belíssimo trabalho, em que ele retratou os valores imateriais do nosso amado torrão: a filarmônica, a rolinha, a Serra do Pedro, a Água dos Poços, etc.

Nos últimos anos de sua vida o seu talento voltou-se para a escultura e a cenografia. Foi uma explosão de criatividade com a produção de obras de impacto visual e primor artístico magníficos, apresentando animais em tamanho real, composição de corpos inteiros ou bustos de pessoas, arte sacra e cenários em shoppings ou para festejos juninos, carnavalescos e festas de padroeiros.

Nesse contexto, foram notáveis duas obras que ele entregou aos picuienses, como a estátua do Dr. Felipe Tiago e todo o conjunto escultórico que embeleza a Praça José Líbio Dantas, ambos transformados instantaneamente em patrimônio artístico local. O encanto da sua arte certamente fará com que, mais cedo ou mais tarde, transcenda Picuí e a Paraíba.

Como tantos artistas de talento genuíno, José Crisólogo era introspectivo e de comportamento reservado em público (talvez porque a arte dominasse sua visão de mundo e seus interesses). Contudo, testemunhas asseguram que não era materialista, desaprovava a arrogância e cultivava a simplicidade no seu aspecto grandioso.

Seu envolvimento com a música e com a arte não o afastou dos estudos formais que coincidiram com os anos difíceis da ditadura militar. Depois de cursar o ensino médio no Lyceu Paraibano, concluiu o Bacharelado de Geografia na UFPB. Foi na universidade que ele conheceu a esposa, Luiza de Marillac, com que foi casado por toda a vida (ambos se aproximaram devido ao gosto comum pela arte).

Os últimos anos de sua vida foram marcados por uma neoplasia maligna que lhe trouxe dor e sofrimento. Em meio à dolorosa tribulação buscou refúgio na arte. Nos estágios iniciais pôde pintar, esculpir e tocar baixo com a banda Molho Inglês, a última da sua longa carreira musical. Neste período ele esculpiu primorosas miniaturas do Quarteto de Liverpool: uma das últimas imagens que ele viu antes de expirar foi a miniatura recém concluída de Paul McCartney, seu Beatle favorito.

Sua partida foi muito sentida pelos amigos, parentes e fãs anônimos. Um destes admiradores que escreveu sobre seu legado, incapaz de descrever com palavras o que ele fez de melhor, só pôde concluir que foi um “artista múltiplo, polivalente”. Teve a honra de ser homenageado pelo jornal a Folha de São Paulo que publicou o seu necrológio.

Embora a tradição indique que um talento raramente é reconhecido na sua terra em vida, com José Crisólogo foi diferente, pois foi honrado com a encomenda de muitos trabalhos que no presente embelezam e singularizam Picuí. Postumamente o Museu da Caatinga, instalado na única reserva ambiental do município, foi denominado José Crisólogo da Costa.

Um pensador escreveu que “todo artista tem o direito de ser modesto e o dever de ser vaidoso”. Se é desconhecida sua vaidade pessoal, muito notória foi a sua modéstia interior. Embora ele tenha sido humilde em vida, a sua obra desperta um orgulho imenso junto aos conterrâneos picuienses.

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