Sinais de mudanças

Por - em 9 anos atrás 791

Sinais de mudanças

É interessante notar que, já há algum tempo, os brasileiros, de um modo geral, citam cada vez mais os valores morais como um fator decisivo na hora de votar. A questão é que, quando definimos moralidade simplesmente em termos de posição do eleitor sobre o casamento gay, a corrupção, a liberação da maconha, entre outros temas, corremos o grave de risco de perder de vista as decisões éticas que devem nortear nossas vidas cotidianas.

Em nossos diversos relacionamentos com os amigos, familiares, a natureza, os animais, faz-se necessária uma moralidade perene, para que possamos edificar essa convivência com a dignidade e o respeito que todos merecem.

Reconhecer essa ética do cotidiano nos move para além dos conflitos políticos que se renovam, para além dos embates ideológicos, muitos dos quais aparentemente irreconciliáveis, lançando luzes sobres as questões que afetam a mudança social real, no dia-a-dia de nossas relações.

É espantoso como muitos estudiosos focam as lutas entre grupos, culturas e, muitas vezes, desconsideram o poder da construção dos valores nos níveis mais básicos dos relacionamentos com vizinhos, colegas de trabalho, nas relações amorosas, enfim, de nossas ações cotidianas que denunciam, a cada instante, os valores que realmente
nutrimos e que estão por trás de nossas atitudes.

Mesmo levando-se em consideração que muitas de nossas interações com os outros são efêmeras e fragmentárias, elas fornecem elementos importantes que pautam a forma como majoritariamente as pessoas se relacionam e transmitem seus valores.

Mas, sinais de mudança estão no ar. Tem-me chamado à atenção, ultimamente, como indícios de transformações no cenário do país, o fato de que muitas pessoas começam a focar as questões em torno da ética, não evidenciando apenas a classe política, mas suas próprias vidas. A partir de ações aparentemente simples de mudança no comportamento, como respeitar a faixa de pedestre, não jogar lixo fora do carro, não parar em vaga de idosos e deficientes, não comprar produtos piratas. Observamos um aumento da intolerância ao chamado “jeitinho brasileiro”. Situações como essas fazem com que os indivíduos também não se permitam a promiscuidade com agentes corruptos.

Construir um patamar civilizatório mais elevado, um pacto ético coletivo, não é tarefa fácil. Os obstáculos são muitos. Vale lembrar, por exemplo, que a vivência ética ocorre muitas vezes em meio a interesses conflitantes. Nem sempre você verá prontamente os resultados, pois, ao contrário do jeitinho, não raro você não vai sair
ganhando por manter uma conduta ética. No entanto, a sociedade, sim. E, ao fim e ao cabo, por fazer parte dessa coletividade, você termina usufruindo também, mesmo que de forma indireta ou subjetiva. Isso acontece quando sua atitude torna-se uma ação afirmativa, em prol de uma comunidade, em prol de uma cultura que se projeta para um pacto ético mais maduro e que a todos beneficia.

Para um servidor público, vemos o conflito de proteger os interesses do povo para quem ele trabalha e atender às exigências descomprometidas e descabidas de muitos mandatários de plantão. Nas empresas, vemos outro conflito claro: o de atender às demandas da sociedade em matéria de eficiência e produtividade, sem para isso explorar e sugar a vida do trabalhador.

As condutas pautadas sobre uma ética do cotidiano nos levam a uma sociedade mais justa, humana e sustentável. Ao nos informar sobre a importância das nossas interações no quotidiano, ela nos chama a reconhecer a importância dos nossos encontros diários, na maneira diferente de se relacionar com as pessoas e com a natureza, pautando estes relacionamentos em parâmetros de uma moralidade transcendente, que encontra e respeita a diferença e não busca a vitória pessoal apenas, mas também e, quiçá um dia, acima de tudo, a vitória de todos.

Rossandro Klinjey
* Psicólogo Clínico, mestre em Saúde Coletiva, professor das FACISA, FCM e Faculdade Boa Viagem.

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