Natal, onde está Deus?

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Nossa espera ao longo do Advento toma todo seu sentido. O Salvador do mundo chegou na forma de um Menino: “Completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria.” (Lc 2, 6-7)

Chegou o momento que o anjo tinha preanunciado em Nazaré: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo…” (Lc 1,31-32) Chegou o momento que Israel aguardava há muitos séculos, durante tantas horas sombrias, o momento de algum modo esperado por toda a humanidade, ainda que sob figuras confusas: que Deus viesse cuidar de nós, que saísse do seu esconderijo, que o mundo fosse salvo e tudo se renovasse. Chegou o acontecimento histórico que mudou definitivamente a história da humanidade.

Podemos imaginar com quanto cuidado interior, com quanto amor José e a Virgem Maria se prepararam para aquela hora. A breve anotação: “Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura”, deixa-nos intuir algo da santa alegria e do zelo silencioso de tal preparação. Estavam prontos os panos tecidos e bordados com muito amor, para que o Menino pudesse ser bem acolhido. Na hospedaria, porém, não havia lugar.

O Natal não é só Deus que se aproxima da humanidade, mas significa que nós devemos ir até Deus. De algum modo a humanidade espera Deus, a sua proximidade. Mas quando chega o momento, não está preparada, não tem lugar para Ele. Está tão cheia, ocupada consigo mesma e com as próprias coisas, que não resta espaço nem tempo para Deus, para o outro, para o pobre, para o que necessita da nossa palavra e do nosso afeto… E quanto mais temos, quanto mais ricos nos tornamos, tanto mais preenchemos tudo de nós mesmos e tanto menos sobra tempo e espaço para Deus e para que o outro possa entrar.

Mas existem aqueles que o acolhem: “Naquela região havia pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. Um anjo do Senhor apareceu aos pastores e disse: ‘Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa manjedoura.’” (Lc 2,8-12)

“Este é o sinal de sempre para encontrar Jesus; não só então, mas hoje também. Se queremos festejar o verdadeiro Natal, contemplemos este sinal: a simplicidade frágil dum pequenino recém-nascido, a

mansidão que demonstra no estar deitado, a ternura afetuosa das fraldas que o envolvem. Ali está Deus.

E com este sinal, o Evangelho desvenda-nos um paradoxo: fala do imperador, do governador, dos grandes de então, mas Deus não se apresentou lá; não aparece no salão nobre dum palácio real, mas na pobreza dum curral; não nos faustos ilusórios, mas na simplicidade da vida; não no poder, mas numa pequenez que nos deixa surpreendidos. E, para encontrá-lo, é preciso ir onde Ele está: é preciso inclinar-se, abaixar-se, fazer-se pequenino. O Menino que nasce interpela-nos: chama-nos a deixar as ilusões do efêmero para ir ao essencial, renunciar às nossas pretensões insaciáveis, abandonar aquela perene insatisfação e a tristeza por algo que sempre nos faltará. Far-nos-á bem deixar estas coisas, para reencontrar na simplicidade de Deus-Menino a paz, a alegria, o sentido luminoso da vida.” (Papa Francisco)

Não é profundamente significativo que o Anjo anuncie o nascimento do Senhor a pessoas que dormem ao relento, fora do povoado, nos campos, em lugar dos que estão na vizinhança, em suas casas? Efetivamente, os pastores de Belém sintonizavam muito bem com a humildade, simplicidade e a pobreza de Jesus. Pensemos nisto: os que estavam comodamente em suas casas, iriam deixar seu conforto para ir ao campo, a um curral ver e saudar um recém-nascido? E os que se acreditam sábios e importantes, iriam aceitar que esse pequenino era o Filho de Deus? Recordemos, como, anos mais tarde, os próprios conterrâneos de Jesus o vão ignorar por ser o humilde “filho do carpinteiro.” (Mt 13,55)

O próprio Jesus se considerava a si mesmo indigente e sem-teto. Em uma ocasião Ele disse a um escriba que desejava segui-lo: “As raposas têm tocas e as aves do céu, ninhos; Mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.” (Mt 8,20) Sabemos que sua pobreza lhe ajudava a pregar o Evangelho, dava-lhe a liberdade e o tornava disponível para todos.

Os pastores tinham que dormir à intempérie nos campos, rodeados de ovelhas e outros animais. Mas essa pobreza viviam-na, sobretudo, interiormente, porque eram muito conscientes de não ser aceitos pela sociedade. Eles eram considerados pessoas rudes e de pouca confiança, não serviam nem como testemunhas em julgamentos, pois estavam em contato com a gente mais marginal da sociedade, a que vivia nas periferias, fora dos povoados: os loucos, os leprosos, os ladrões, as prostitutas… Isso fazia que fossem rejeitados e excluídos de muitos atos sociais. Por isso estavam abertos a todos os convites.

Esta é a chave para celebrar o Natal. Só o experimentaremos interiormente se soubermos como os pastores acolhermos o anúncio do anjo e aceitarmos seu convite: “encontrareis um recém-nascido”. Ao contrário, os que se sentem superiores ou especiais, os que se mostram simpáticos só com um grupo seleto de pessoas, os que se recusam conversar com gente que consideram inferior ou diferente, lhes será mais difícil viver o Natal. Estas pessoas passarão esta festa de um modo superficial. Talvez se divirtam recebendo presentes, comendo e bebendo, mas não experimentarão a alegria do nascimento do Salvador.

Muita gente não segue o exemplo dos alegres e simples pastores, por isso o Tempo de Natal é, desgraçadamente, a época na qual, com certeza mais antidepressivos se vendem nas farmácias. Todos conhecem pessoas que se sentem mal nestas festas. Talvez até algum de nós seja uma dessas pessoas! Pois bem, saiamos de nossa zona de conforto, tiremos nossa armadura interior e arrisquemo-nos a “estar no descampado”.

Compartilhemos a experiência do Natal com outras pessoas, e assim, sentiremos que nossa vida se ilumina com essa luz que brilhou na noite em Belém, a que viram os pastores e os pobres. E que não foram capazes de ver os ricos, tanto de Belém, como do resto do mundo. Mas quem viu a luz pode contemplar o Menino e sem saber muito bem o que estava acontecendo experimentou uma alegria, desconhecida, misteriosa e sem limites. É isso o que experimentamos nesta noite santa do Natal.

A sociedade atual tirou, espiritualmente, o Menino Jesus do Natal, Ele não cabe, não tem espaço nem tempo para este Menino Deus. Hoje já são maioria as famílias para as quais o Natal é simplesmente uma festa social e familiar, sem nenhuma referência clara e declarada ao mistério religioso. Quer dizer, que a celebração do Natal, tal como se faz hoje, majoritariamente em nossa sociedade, sobra o Menino Jesus.

Nossa obrigação de cristãos é resignificar ou restituir ao Natal o significado cristão, o essencial, o sentido religioso que tem o Natal. Para nós, cristãos católicos, o essencial do Natal é, evidentemente, encontrar Deus no Menino; um recém-nascido pobre e cheio de amor. Demostremos nossa alegria total ao encontrar Deus num Menino!

Por Padre José Assis Pereira